O Regime Próprio de Previdência Social

AutorRaul Miguel Freitas de Oliveira
Ocupação do AutorProfessor Doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP/USP, na cadeira de Direito Administrativo, Ambiental e Sanitário
Páginas19-44

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1. 1 O Regime Próprio de Previdência Social no Sistema de Seguridade Social

A Seguridade Social pode ser definida como um conjunto de ações da sociedade e dos poderes públicos para o atendimento das contingências sociais, portanto uma espécie de sistema protetivo da sociedade contra determinados riscos previstos em lei.

Segundo Sérgio Pinto Martins1, “a palavra ‘conjunto’ revela que a Seguridade Social é composta de várias partes organizadas, formando um sistema”.

Para o doutrinador, seria esse sistema formado por princípios próprios que compõem as bases das normas jurídicas que caracterizam o Direito da Seguridade Social como ramo do Direito didaticamente autônomo.

O entendimento da Seguridade Social como um sistema normativo é referendado por Wagner Balera2, que ressalta a relevância do estudo de cada parte do todo, no seguinte sentido: “Considerando que a noção de sistema é a de conjunto de peças que compõe o todo, parece-nos adequado examinar cada peça isoladamente e no conjunto dentro do qual a mesma se encaixa”.

O artigo 194 da Constituição Federal de 19883configura-se como a base constitucional do Sistema de Seguridade Social composto pela assistência social, previdência social e saúde:

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Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Wagner Balera4ainda anota que: “Sob a designação genérica de seguridade social, o Direito Previdenciário estuda o inventário de mecanismos de proteção social com que conta o aparato normativo a fim de, intervindo modeladoramente no mundo fenomênico, superar certas questões sociais”.

A previdência social é, em consequência, parte integrante do conjunto de ações que compõem o Sistema de Seguridade Social brasileiro, podendo-se dizer que a ela também são aplicáveis os princípios gerais previstos no parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal.

A previdência social pode ser conceituada também como um conjunto de princípios, regras e instituições voltadas à proteção das pessoas físicas, a ela vinculadas, contra os riscos sociais previstos nos incisos do artigo 201 da Constituição Federal, dos quais são exemplo: doença, invalidez, morte, idade avançada, proteção à maternidade, entre outros.

Maria Lucia Luz Leiria5assim definiu a previdência social:

A partir da Constituição de 1988, a Previdência Social é parte do conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos aos trabalhadores quando não mais podem prover seu sustento, seja temporária, seja definitivamente, quer pela incapacidade temporária ou permanente, quer pela idade ou fator tempo de serviço efetuado.

Wagner Balera6, por seu turno, conceitua a previdência social ressaltando sua estrutura do seguinte modo:

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A previdência social é, antes de tudo, uma técnica de proteção que depende da articulação entre o Poder Público e os demais atores sociais. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e mediante o qual se intenta reduzir ao mínimo os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez, acidentes do trabalho e desemprego.

O conjunto de princípios aplicáveis à previdência social, principalmente ao Regime Geral, é previsto no parágrafo único do artigo
3.º da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991 (Plano de Custeio da Previdência Social), e no artigo 2.º da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 (Plano de Benefícios da Previdência Social), havendo íntima relação, conforme mencionado, com aqueles princípios da Seguri-dade Social.

A previdência social, por sua vez, também pode ser entendida como um sistema, cujas partes componentes são, basicamente, três regimes previdenciários distintos: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), cuja base é o citado artigo 201; o Regime de Previdência Complementar (RPC), previsto no artigo 202, e, finalmente, o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), previsto no artigo 40, todos da Constituição Federal.

A atual conformação do que se pode denominar de Sistema de Previdência Social brasileiro decorre principalmente das modificações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, que procurou igualar o regime previdenciário dos servidores públicos ao Regime Geral de Previdência Social, assegurado aos trabalhadores da iniciativa privada.

Esse aspecto da reforma previdenciária, relativo à intenção de igualamento dos regimes previdenciários geral e próprio, será abordado de forma mais aprofundada no próximo tópico.

Retornando-se à demonstração da localização do regime próprio na atual estrutura do Sistema de Previdência Social brasileiro, Vicente Greco

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Filho7, em parecer jurídico exarado no mês de setembro de 2003, a pedido de várias entidades de classe, confirma a referida estrutura:

O sistema previdenciário brasileiro responsável pelo amparo aos beneficiários é composto por um Regime Geral de Previdência Social (RGPS), por Regimes Próprios de Previdência, quais sejam: Regime de Previdência dos servidores públicos federais, dos militares, dos parlamentares, dos membros do Poder Judiciário, e dos servidores dos Estados e Municípios, e por uma Previdência Complementar (aberta e fechada) que existe em caráter supletivo aos dois regimes anteriores.

Mauro Ribeiro Borges8preferiu cindir o que denominou de “primeiro pilar ou previdência estatal básica obrigatória” em dois fragmentos: “um, que alberga os trabalhadores do setor privado, o Regime Geral de Previdência, gerido pelo INSS, e outro, o Regime Funcional de Previdência, destinado aos servidores públicos titulares de cargos efetivos, gerido pela União, Estados e Municípios”.

Além disso, demonstrou o mesmo doutrinador9que na legislação aplicável à matéria há previsão de que a previdência social compreende o RGPS e o RPPS:

A promulgação da Emenda 20 propiciou a edição do Decreto 3.048, de
06.05.1999. Segundo este diploma, a Previdência Social compreende o Regime Geral e os Regimes Próprios de Previdência Social dos servidores públicos e dos militares, ou seja, o Regime Funcional. O Decreto não inclui a Previdência Complementar como integrante do Regime de Previdência Social, muito embora dele tenha tratado em seu art. 214, §
9.º, inc. XV. [grifo nosso]

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Aproveitando-se o ensejo, segue a transcrição do artigo 6.º do mencionado Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, que assim estabelece:

Art. 6.º A previdência social compreende:
I - o Regime Geral de Previdência Social; e
II - os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos e dos militares.

Verifica-se dos trechos doutrinários e legal transcritos que o autor referiu-se ao regime de previdência social dos servidores públicos como “Regime Funcional”, tendo o adjetivo “funcional” relação, provavelmente, com a expressão “funcionários públicos”, entendida em sentido amplo, genérico.

Paulo Modesto10, em recente obra, também fez uso de denominação parecida, referindo-se ao regime previdenciário dos servidores públicos titulares de cargo efetivo como “regime previdenciário funcional”: “No regime previdenciário funcional (previdência dos titulares de cargo efetivo), o resultado deficitário é de responsabilidade exclusiva do ente público instituidor”. [grifo nosso]

Entretanto, diante do atual entendimento doutrinário da matéria relativa aos servidores públicos, tal denominação (“regime funcional”) não parece ser a mais adequada, pois, como bem ressalta Maria Sylvia Zanella Di Pietro11:

Na vigência da Constituição anterior, utilizava-se a expressão funcionário público para designar o atual servidor estatutário. A expressão mantém-se em algumas leis mais antigas, como é o caso da Lei paulista n. 10.261, de 28.10.68, que instituiu o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, ainda em vigor. (...) A Constituição de 1988, que substituiu a expressão funcionário público por servidor público, previu, na redação original, regime jurídico único para os servidores da Administração Direta, autarquias e fundações públicas (art. 39).

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A denominação Regime Próprio de Previdência Social, por seu turno, foi a adotada no texto da Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998, que dispõe sobre as regras gerais para organização e funcionamento das estruturas gestoras da previdência social dos servidores públicos nos três níveis de governo, assim como no Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, denominado “Regulamento da Previdência Social”.

Focando-se na análise da estrutura do Sistema de Previdência Social brasileiro e, especialmente, na visualização da posição do Regime Próprio de Previdência Social dentro dele, tem-se que Marcelo Barroso Lima de Brito Campos12confirma a estrutura tripartida e denomina cada parte componente de “espécies de regimes previdenciários”:

Atualmente, a República Federativa do Brasil possui três espécies de regimes previdenciários:
a) o Regime Geral de Previdência Social (RGPS);
b) os regimes próprios de previdência social (RPPS);
c) o regime de previdência complementar (RPC). [grifo nosso]

O mesmo autor explicita a diversidade de regimes próprios de previdência social na atual estrutura do sistema previdenciário brasileiro, lecionando que:

Os regimes próprios de previdência (RPPS) disciplinam a previdência dos servidores públicos titulares de cargos efetivos vinculados a cada um dos entes federativos (CF, art. 40, caput). Portanto, temos o RPPS dos servidores da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, também denominado de “regime jurídico peculiar” dos servidores públicos na obra atualizada de Hely Lopes Meirelles13.

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Érica Paula Barcha Correia14concebe os regimes previdenciários...

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