Dos direitos reais sobre coisas alheias imóveis

AutorChristiano Cassettari, Marcos Costa Salomão
Páginas177-213
Capítulo 6
Dos Direitos reAis
soBre CoisAs ALHeiAs imÓVeis
6.1 DOS DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS DE GOZO OU FRUIÇÃO
De acordo com o art. 1.225 do Código Civil, os direitos reais se subdividem em:
Direitos reais sobre coisa própria (jus in re propria): aqueles em que o titular possui um direito sobre
algo que lhe pertence (exemplo: a propriedade).
Direitos reais sobre coisa alheia (jus in re aliena): aqueles em que o titular possui um direito sobre algo
que pertence a outra pessoa. Eles se dividem em:
a) Direitos reais sobre coisa alheia de gozo ou fruição: quando o titular do direito real sobre uma
coisa alheia tiver como objetivo gozar ou fruir. Exemplos: a superfície, as servidões, o usufruto, o uso,
a habitação, a concessão de uso especial para ns de moradia e a concessão de direito real de uso.
b) Direitos reais sobre coisa alheia à aquisição: quando o titular do direito real sobre uma coisa alheia
tiver como objetivo adquirir a propriedade do bem sobre o qual recai esse direito. Exemplo: o direito
do promitente comprador do imóvel.
c) Direitos reais sobre coisa alheia de garantia: quando o titular do direito real sobre uma coisa alheia
tiver como objetivo um bem em garantia do adimplemento de uma obrigação da qual é credor. Exem-
plos: o penhor, a hipoteca e a anticrese.
Vamos começar o estudo dos direitos reais sobre coisas alheias pelos de gozo ou
fruição.
6.1.1 Direito real de superfície (arts. 1.369 a 1.377 do CC)
Trata-se da faculdade que tem o proprietário de conceder a um terceiro (superf‌ici-
ário) a propriedade das construções e plantações que este efetue sobre solo alheio (solo,
subsolo ou espaço aéreo de terreno), por tempo determinado ou indeterminado, desde
que institua por escritura pública e a registre no registro imobiliário.
Trata-se de um direito real que auxilia o imóvel a cumprir sua função social, evi-
tando, assim, sanções municipais decorrentes da subutilização.
Não se confunde com a enf‌iteuse, que é um direito real que consiste no arrendamento
perpétuo de terras improdutivas ou de terreno de marinha, que ensejava o pagamento
anual do foro, e, por ser um direito alienável, sujeitava o enf‌iteuta (titular do direito
real) a pagar ao senhorio direto (proprietário do imóvel) o laudêmio, calculado sobre o
valor da alienação (em regra 5%).
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O art. 2.038 do CC proíbe a constituição de novas enf‌iteuses e subenf‌iteuses, su-
bordinando-se as existentes, até sua extinção, aos princípios do Código Civil de 1916,
motivo pelo qual ela ainda prevalece em nossa sociedade.
A enf‌iteuse em terreno de marinha é regida pelo Decreto-Lei n. 3.438/41, que
esclarece e amplia o Decreto-Lei n. 2.490/40, que trata das normas para o aforamento
de terreno de marinha.
Os sujeitos na superfície são:
a) fundieiro, que é o dono do imóvel;
b) superf‌iciário, que é o titular do direito real de superfície.
Esse direito real cria para o superf‌iciário um direito de propriedade sobre as acessões
do imóvel. Assim, a propriedade do terreno pertence ao fundieiro, mas o superf‌iciário
é dono das construções ou plantações que realizar no solo.
Quatro são as espécies de direito de superfície, por força de certas peculiaridades.
a) Direito de superfície simples: é aquele desprovido de qualquer peculiaridade
que o individualize. Também denominado puro;
b) Direito de superfície social: é aquele destinado a solucionar o problema de
escassez de moradia das classes menos favorecidas;
c) Direito de superfície ad aedif‌icandum e ad plantandum: é o direito de superfície
constituído com f‌inalidade específ‌ica de construir ou plantar preestabelecida;
d) Direito de superfície por cisão: é aquele que incide sobre terreno já edif‌icado
ou plantado. O Enunciado 250 do CJF estabelece que o art. 1.369 do Código
Civil admite a constituição do direito de superfície por cisão.
A superfície é regida pelo Código Civil (arts. 1.369 a 1.377) e pelo Estatuto da
Cidade (arts. 21 a 24).
Características da superfície:
1) Pode ser gratuita ou onerosa. Neste último caso, a renda que será propiciada ao
proprietário deverá ser paga de uma só vez, ou mensalmente, pelo superf‌iciário,
hipótese em que será denominada solarium ou cânon superf‌iciário (nome da
remuneração mensal).
2) Trata-se de um direito alienável, já que a superfície pode ser transferida inter
vivos ou mortis causa para alguém. Se a transferência for onerosa, o proprietário
terá direito de preferência.
3) O superf‌iciário pode manejar os interditos possessórios (ação de reintegração
ou manutenção de posse e o interdito proibitório).
4) O contrato que originará a superfície deve ser celebrado por instrumento públi-
co e, obrigatoriamente, levado a registro no Cartório de Imóveis. Por previsão
expressa do art. 1.369 do Código Civil, não se pode constituir superfície por
instrumento particular, motivo pelo qual não se aplica in casu o art. 108 do Có-
digo Civil, que constitui uma regra geral.
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5) O direito de superfície deverá ter prazo determinado (se regido pelo Código
Civil) ou indeterminado (se regido pelo Estatuto da Cidade).
6) A superfície pode ser dada em usufruto ou ser hipotecada, já que o superf‌iciário
tem a propriedade das construções e plantações. O Enunciado 249 do CJF esta-
belece que o art. 1.369 do Código Civil permite que a propriedade superf‌iciária
seja autonomamente objeto de direitos reais de gozo e de garantia, cujo prazo
não exceda a duração da concessão da superfície, não se lhe aplicando o art.
1.474.
7) Os tributos que incidem sobre o imóvel são de responsabilidade do superf‌iciário.
8) Finda a superfície, as construções e plantações passam ao dono do imóvel, sem
direito de indenização, salvo estipulação diversa no contrato.
9) A superfície regida pelo Código Civil não autoriza obras no subsolo, salvo se
for inerente ao objeto da concessão; já a que é regulamentada pelo Estatuto da
Cidade abrange o direito de utilizar o subsolo ou o espaço aéreo, respeitada a
legislação urbanística.
10) A superfície regida pelo Código Civil não autoriza pagamento para realizar
a sua transferência para terceiros; já a que é regulamentada pelo Estatuto da
Cidade permite que isso ocorra, se estiver descrita no contrato que a criar.
11) A extinção da superfície se dá nas seguintes hipóteses:
a) pelo advento do prazo;
b) se for dada destinação diversa pelo superf‌iciário;
c) se o superf‌iciário nada executar no solo;
d) se houver falta de pagamento do solarium e dos tributos;
e) se houver desapropriação do imóvel, parte da indenização recebida pelo pro-
prietário do imóvel irá para o superf‌iciário.
TABELA COMPARATIVA SOBRE AS REGRAS DE SUPERFÍCIE
(estabelece regras para a superfície rural)
Estatuto da Cidade
(estabelece regras para a superfície urbana)
Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o
direito de construir ou de plantar em seu terreno, por
tempo determinado, mediante escritura pública devi-
damente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem
o direito de superfície do seu terreno, por tempo deter-
minado ou indeterminado, mediante escritura pública
registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O direito de superfície não autori-
za obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da
concessão.
§ 1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar
o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno,
na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a
legislação urbanística.
Art. 1.370. A concessão da superfície será gratuita ou
onerosa; se onerosa, estipularão as partes se o pagamento
será feito de uma só vez, ou parceladamente.
§ 2º A concessão do direito de superfície poderá ser gra-
tuita ou onerosa.
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