Duplicata simulada

AutorHaroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Páginas177-187

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RO em HC 79.784-9-GO -Ia T., STJ Rel: Ministro Sepúlveda Pertence j. 14.12.1999 DJU 3.3.2000

Ementa: Duplicata simulada. Descaracterização. Emissão de título sem assinatura do sacador. Delito que se consuma, no entanto, se a cambial estiver formada com o saque, e o emitente dela fizer qualquer uso, mesmo sem endossá-la. Interpretação do art. 172 do CP.

Ementa da Redação: O delito previsto no art. 172 do CP resta descaracterizado se a duplicata for emitida sem a assinatura do sacador, visto que esta é requisito fundamental para existência do título; no entanto, formada a cambial pelo saque, consumado estará o crime se o emitente fizer qualquer uso do título, como de confiá-lo a instituição bancária para cobrança e protesto, mesmo sem endossá-lo.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da lê Turma do STF, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em dar provimento, em parte, ao recurso ordinário em habeas corpus.

Brasília, 14 de dezembro de 1999. Moreira Alves, Presidente. Sepúlveda Pertence, Relator.

Relatório

O Exmo. Sr. Min. Sepúlveda Pertence (Relator): Cuida-se de recurso de decisão do STJ que indeferiu habeas corpus substitutivo do recurso contra acórdão denegatório do TJGO.

A impetração dirigida ao STJ começa por dar a versão do impetrante para os fatos:

Origem da Dívida - A paciente Mag-da Moffato Hon, na qualidade de representante legal de Império Romano Empreendimentos Imobiliários Ltda., representou a empresa prometendo vender a Maryam Mikhael Borges, mediante contratos particulares, dois apartamentos sitos no Edifício Bella Roma, na cidade de Caldas Novas, Estado de Goiás, mediante pagamentos parcelados.

Registre-se, pela relevância, que Império Romano Empreendimentos Imobiliários Ltda. tem como objeto social a incorporação e construção de bens imóveis.

Posteriormente, pretendeu a promitente compradora quitar um dos apartamentos utilizando as parcelas pagas referente ao outro imóvel, do que discordou a paciente, em nome da empresa. Conforme a denúncia, em tese foi acatada a alegação da promitente compradora, segundo a qual sua proposta teria sido aceita, inobstante a inexistência

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de distrato ou aditivo contratual por escrito, mas mediante assento verbal via pseudo-contato por telefone. Na hipótese, afigura-se a absoluta impossibilidade jurídica de modificação unilateral dos contratos escritos por meio de presumido ajuste verbal.

Com este artifício, considerou a promitente compradora quitado o preço de um apartamento e desobrigada da responsabilidade pelo pagamento do restante do preço do outro apartamento. Em consequência, deixou de pagar as parcelas ainda devidas dos dois contratos.

  1. Expedição de duplicatas - Diante da sustação pela compradora (vítima) dos pagamentos das parcelas, a empresa vendedora, por seus empregados e prepostos, expediu várias duplicatas, correspondentes aos valores das parcelas ainda devidas e não pagas, remetendo-as diretamente à promitente compradora, para fins de aceite e devolução. Algumas duplicatas foram devolvidas, sem aceite, e outras retidas pela promitente compradora, dando causa à sua substituição por "boletos", na forma dos arts. 69 e parágrafos e 13 da Lei 5.374 de 18.6.1968.

    O .primeiro fundamento, da configuração de "crime impossível", ficou assim deduzido:

    A promitente compradora e pretensa vítima anexou aos autos de inquérito policial seis duplicatas, das quais cinco sem assinatura da empresa sacadora. Com relação, pois, a estas cinco duplicatas, inexiste crime. Dentre os onze requisitos do art. 2Q da Lei 5.474/68, para constituição do título cambial ou duplicata, o inciso II dispõe sobre a obrigatoriedade de constar da duplicata "a assinatura do emitente" (sic). Sem ela, o título não existe no mundo jurídico. Não pode, pois, haver duplicata simulada se o título não foi formalizado de conformidade com a lei. A duplicata, sem assinatura do emitente, é inexigível e sem circulação admitida.

    A sexta duplicata traz uma rubrica, sem identificação da sua autoria. A olho nu, percebe-se que não é do punho da paciente.

    Em segundo lugar, nega-se que á expedição da duplicata correspondesse à emissão, que tipifica o delito:

    As duplicatas não foram emitidas, mas apenas expedidas diretamente para a pretensa vítima (...).

    Com a modificação do art. 172 do CP pela Lei. 8.137, de 27.12.1990, foram substituídas as expressões "expedir ou aceitar duplicatas" por "emitir fatura, duplicata ou nota de serviço". Portanto, para que configure o ilícito é imprescindível a circulação da duplicata, mediante endosso. A simples expedição ou saque da duplicata, por si só, não é crime; A duplicata deve ser transferida a terceiro, por endosso, sem o que não circu- lou e por isso não foi emitida.

    Alega-se mais a regularidade de seguidas duplicatas e a ausência de dolo;

    Em contra-razões ao recurso, o Ministério Público Federal, pelo ilustre Subpro-curador-Geral Raimundo de Bonis, suscita preliminar de não conhecimento, pois a decisão recorrida do STJ não foi proferida em única instância, nos termos do art. 102, II, a, CF, por tratar-se de impetração substitutiva de recurso ordinário da primitiva decisão local.

    A ProcuradoriarGeral, com parecer do ilustre Dr. Edson de Almeida, aduz:

    É esta a ementa do acórdão recorrido

    Penal. Processual penal. Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Descrição em tese de crime. Emissão de duplicatas1 simuladas. CP, art. 172. Consumação. Crime impossível. Não configuração. Elemento subjetivo. Impropriedade. ;

    O crime de emissão de fatura, que tem como núcleo o ato de emitir títulos que não guardam correspondência com a venda mercantil efe-tivamente realizada, consuma-se no momento em que os documentos são colocados em circulação, não se exigindo a efetividade do proveito económico pela oposição do aceite do sacado. Perfaz-se o tipo com o envio do título feito diretamente pelo sacador ou por instituição financeira, suficiente para ensejar a omissão da vítima em aceitar o título em detrimento de seu património.

    Não procede á alegação do crime impossível, sob a invocação de falta de circulação da duplicata, se esta é emitida sem correspondência com a venda realizada e é levada a protesto por falta de aceite do sacado.

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    O trancamento de ação penal por falta de justa causa, postulada na via estreita do habeas corpus, somente se viabiliza quando, pela mera exposição dos fatos na denúncia, se constata que há imputação de fato penalmente atípico ou que inexiste qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito pelo paciente.

    Para a descaracterização do elemento sub-jetivo do crime de emissão de duplicatas simuladas é imperativo o exame de questão de fato controvertida, e por isso o tema situa-se fora do alcance do habeas corpus, que não é instrumento processual próprio para se obter sentença de absolvição sumária. Habeas corpus denegado.

  2. As longas razões do recurso reeditam, sem sucesso, as alegações de atipici-dade e de ausência de dolo, já afastadas corretamente pelo v. acórdão (f.):

    Efetivamente, na peça acusatória consignou-se que a empresa Império Romano Empreendimentos Imobiliários Ltda., por meio de sua representante legal, celebrou dois contratos de promessa de compra e venda de imóveis habitacionais com Maryam Mikhael Borges, que, ao renegociar o saldo devedor, quitou integralmente os valores ainda devidos a título da primeira unidade com o crédito pago do apartamento devolvido à empreendedora.

    Disse, ainda, a acusação que a paciente emitiu duplicatas simuladas para promover a cobrança de valores indevidos, sem correspondência com o imóvel efetivamente adquirido na transação imobiliária, que, em virtude de cláusula contratual proibitiva, não autorizava a emissão de duplicatas, mas tão-somente de notas promissórias.

    Daí por que a paciente, na qualidade de representante da empresa, foi denunciada sob a acusação de emitir duplicatas simuladas, tipo este descrito no art. 172 do CP, assim enunciado:

    "Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado:

    "Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa.

    "Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas".

    A propósito, merecem destaque os pontos centrais da narração dos fatos que ensejaram a acusação pública:

    "Consta do incluso inquérito policial que nos meses de agosto a dezembro de 1995, nesta cidade, por ordem da denunciada, a sua empresa, Império Romano Empreendimentos Imobiliários Ltda., emitiu duplicatas simuladas, em desfavor da pessoa da vítima, Maryam Mikhael Borges, vez que as mesmas não correspondem a mercadorias vendidas.

    "Segundo se apurou, a vítima adquiriu da referida empresa duas unidades habitacionais constituídas dos apartamentos n. 1.004 e 1.006, do empreendimento, Império Romano, Edifício Bella Roma, firmando os contratos de f., sendo que, em virtude de interesse pessoal, quitou integralmente o primeiro, transferindo, para tanto, crédito pago ao segundo, tudo conforme documentos de f.

    "Todavia, nos meses de agosto a dezembro, foi a vítima surpreendida pela cobrança de duplicatas, via Banco Bradesco S/A, emitidas pela empresa da denúncia, n. 005/07 - 1.004, n. 04/05 - 1.006...

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