Editorial

AutorAndré Machado Maya
Páginas6-7
Revista da Faculdade de Direito da FMP, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 6-7, 2020. 6
DOSSIÊ TEMÁTICO: PACOTE ANTICRIME
EDITORIAL
O tema das reformas legislativas em matéria penal tem se mantido atual no Brasil e, de resto,
também nos demais países latino-americanos, nos últimos trinta anos. Especialmente em matéria
processual penal, desde a elaboração do Código de Processo Penal Modelo para Ibero-América, na
década de oitenta, mesmo época em que os países do continente superavam regimes políticos autoritá-
rios e rumavam em direção a um ambiente democrático, um intenso movimento legislativo reformista
se instalou na América Latina com o intuito de adequar as legislações internas aos novos patamares
democráticos estabelecidos penas normativas constitucionais e convencionais.
Naturalmente que as opções políticas pelo modelo de reforma variaram conforme os contextos
políticos e as necessidades de cada Estado. Enquanto alguns países seguiram a trilha de reformas inte-
grais de seu ordenamento jurídico, inclusive com a criação de instituições até então inexistentes, como
Ministério Público e Defensoria Pública (caso do Chile), no Brasil a opção foi por reformas parciais,
com ajustes pontuais do Código de Processo Penal e de leis especiais, não obstante a tentativa de im-
plementação de uma reforma global iniciada em 2009, com o Projeto de Lei do Senado nº 156, que,
no entanto, encontra-se há dez anos pendente de análise pela Câmara dos Deputados. No plano do
Direito Penal material, há longa data se debate sobre a necessidade de uma reforma do Código Penal,
enquanto tramita no Congresso Nacional a proposta de um novo Código.
Nas últimas duas décadas foram alterados inúmeros pontos da legislação ordinária em matéria
processual penal no Brasil. De todas, três reformas merecem especial atenção, em razão da profundi-
dade das alterações. Em 2008, por intermédio de três leis – 11.689, 11.690 e 11.719 – foram alterados
pontos estruturantes do processo penal brasileiro, como as regras probatórias e procedimentais.
Posteriormente, em 2011, a Lei 12.403 alterou profundamente o regramento das medidas cautelares
pessoais, quebrando a dicotomia até então vigente entre prisão e liberdade. Por fim, em dezembro de
2019 foi aprovada a Lei 13.964, denominada de Pacote Anticrime, com significativas alterações não
apenas no sistema processual penal, mas também em regras do Código Penal, Lei de Execuções Penais
e outras leis especiais esparsas.
O dossiê que agora se apresenta ao público acadêmico e profissional, como parte integrante do
Vol. 15, Nº 01, da Revista da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público,
é dedicado justamente à reflexão crítica dessa última reforma pontual do ordenamento jurídico penal
brasileiro. Assim como nas reformas anteriores, também a promovida pela Lei 13.964/19 foi influen-
ciada pelas tensões inerentes ao momento político do país e apresentada como resposta às demandas
sociais por mais segurança pública e por mais efetividade do sistema de justiça criminal. E tanto
quanto nas reformas anteriores, também na Lei 13.964/19 é possível identificar influxos ideológicos
diversos e, em alguns pontos, contraditórios. É o que indica a aprovação, em uma mesma legislação,
de dispositivos restritivos de liberdades individuais, em especial no âmbito da execução penal, e de
um instituto que revoluciona a estrutura processual penal brasileira, como o juiz de garantias. Tam-
bém se poderia destacar a alteração da excludente de ilicitude da legítima defesa, de modo a abarcar
nas suas hipóteses a reação policial, e os dispositivos que regulam a cadeia de custódia da prova peri-
cial e o impedimento do juiz que toma conhecimento de prova ilícita.
Em todas essas situações, salta aos olhos o embate entre os ideais de liberdade e segurança, que
movimenta as reformas legislativas em matéria penal. Se tanto não constitui propriamente novidade,
parece inequívoco que o Pacote Anticrime – e o próprio nome já indica a ideologia restritiva origi-
nária – estampou definitivamente a diversidade ideológica dos movimentos reformistas que podem
coexistir em um único diploma legislativo. Pois justamente essa peculiaridade justificou a dedicação
de um dossiê específico à Lei 13.964/2019, dada a importância da reflexão acerca das inovações por
ela proporcionadas no sistema jurídico-penal brasileiro. E tal objetivo foi plenamente alcançado, haja
vista os artigos científicos recebidos para publicação. Dentre temas de extrema importância, o dossiê
é composto por textos que abordam o juiz de garantias, o exercício da ampla defesa e do contradi-
tório na fase preliminar, o acordo de não persecução penal, a perda alargada, a ilicitude probatória

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