Editorial. Uma linha tênue

Páginas4-4
EDITORIAL
4REVISTA BONIJURIS I ANO 34 I EDIÇÃO 677 I AGO/SET 2022
UMA LINHA TÊNUE
Quem pode dizer se é namoro... ou união
estável? Desde a entrada em vigor do
Código Civil, em 2003, a polêmica se ins-
talou. Advogados especialistas em direito
de família gostam da piadinha: “Enquanto dura
o casamento, só se fala ‘meu bem’; quando ele
acaba, é hora dos ‘meus bens’.” Com a equipa-
ração da união estável ao casamento, o direito
sucessório do companheiro não pode mais ser
afastado, e mesmo a união estável não forma-
lizada importa em direito de meação e de he-
rança aos conviventes. Quanto a isso, a lei, a
doutrina e a jurisprudência parecem estar pa-
cifi cadas. Quando se trata de contrato de namo-
ro, nem tanto.
Os especialistas que militam no direito de
família também adoram aquela piadinha do
casal que foi assinar um “contrato de intenções
recíprocas” – nome técnico para o contrato de
namoro – e, na hora H, o homem saiu para fu-
mar e não mais voltou. Esse documento difere
daquele da união estável porque o que se quer
deixar claro é que ambos não estão interessa-
dos em constituir família e são independentes
do ponto de vista fi nanceiro. De resto, a linha
divisória é muito tênue.
Namorados podem viajar juntos, viver jun-
tos, dormir juntos e, eventualmente, adquirir
bens. O contrato de namoro serve para que, em
caso de separação, um dos namorados não caia
na tentação jurídica de pedir o reconhecimento
de uma união estável com efeito ex tunc (retro-
ativo).
Nesse caso, um contrato de namoro com se-
paração total de bens vem a calhar. Que fi que
registrado: cada um sairá com o que adquiriu
antes e durante o tempo em que havia “inten-
ções recíprocas” no relacionamento. Mas a lei
dá brechas para todo tipo de acordo, inclusive
aquele que garante a meação ou um porcentual
estipulado na partilha de um bem.
O problema é quando o namoro evolui e en-
tra no terreno inevitável das questões fi nancei-
ras. Imaginar que o Golpista do Tinder (série de
sucesso da Netfl ix) está à espreita e que é pre-
ciso um mínimo de inteligência emocional para
abordar o assunto “contrato de namoro” sem
provocar estragos é um grande desafi o.
No namoro, fase cognitiva do relacionamen-
to, o estelionato sentimental, tema abordado
nesta edição, está no fi m da lista das paixões
incondicionais. Mas nunca se sabe. O ideal, e es-
tamos operando agora no terreno do milagre, é
que ambos concordem espontânea e concomi-
tantemente com a assinatura do contrato. Po-
rém, exige-se tato.
À revista Veja o advogado de família Luiz
Kignel, de São Paulo, adverte que o namorado
nunca deve se dirigir ao escritório de advocacia,
elaborar um contrato e levar o documento pron-
to para a namorada assinar. “É constrangedor. E
pode levar à implosão do relacionamento”.
Feitos esses reparos, a pandemia demons-
trou que os relacionamentos que seguiam em
passos medidos saltaram para uma união es-
tável e mesmo para um casamento muito por
conta do confi namento. Na mesma proporção,
os divórcios aumentaram em escala crescente
quando a convivência obrigatória desintegrou
ou abalou sensivelmente as relações afetuosas.
Em entrevista publicada na edição passada
da Revista Bonijuris, o professor de direito Ina-
cio de Carvalho Neto já sinalizava que mesmo
o contrato de casamento deve se resumir, em
breve, ao que é na essência: um contrato. Sem
ingerência do Estado. Quanto ao namoro, tudo
o que se espera é que, no momento em que haja
o rompimento, uma parte só pense em sair da
relação apenas com o que lhe pertence. E a ou-
tra conspire para que ocorra exatamente isso.
Boa leitura!

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