O efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal após o advento da Lei 11.382/2006

AutorOlívia Tonello Mendes Ferreira
CargoMestranda em Direito pela PUC/SP - Pós-Graduada pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários/IBET - Advogada
Páginas206-225

Page 206

1. Introdução

O presente artigo objetiva analisar se o efeito suspensivo automático aos embargos à execução fiscal subsiste após o advento da Lei 11.382/2006. Afinal, se antes da vigência desse diploma legal os embargos eram automaticamente recebidos com efeito suspensivo, qualquer que fosse o crédito objeto de execução, após as alterações por ele promovidas ao Código de Processo Civil, ao menos no que tange à execução cível, tal norma foi revogada. Isto porque alterou-se a antiga redação do art. 739 do CPC, que previa o recebimento dos embargos com efeito suspensivo, acrescentando-se o art. 739-A, de acordo com o qual "os embargos do executado não terão efeito suspensivo".

Ainda de acordo com o novo dispositivo legal, o efeito suspensivo poderá ser atribuído aos embargos quando, sendo rele-vantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes. Ainda assim, esta decisão poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, caso sejam cessadas as circunstâncias que a motivaram.

Se tratando-se de execução cível o emprego desta nova norma não encontra resistência, no campo da execução fiscal não podemos dizer o mesmo. Sua aplicação vem suscitando polêmica não só no âmbito doutrinário, mas também judicial, o que, em última instância, vem causando verdadeiro sentimento de insegurança aos jurisdicionados, em face da incerteza da norma a ser aplicada - motivo pelo qual torna-se importante o estudo da questão ora em exame.

Page 207

Com efeito, são diversas as manifestações doutrinárias e jurisprudenciais tanto no sentido de que o novo art. 739-A incorporado ao CPC pela Lei 11.382/2006 é aplicável à execução fiscal quanto em sentido contrário, isto é, de que tal aplicação não se justifica.

No âmbito jurisprudencial, aqueles que condicionam a concessão do efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal ao preenchimento dos requisitos previstos do art. 739-A do CPC, aduzem, principalmente, que a Lei 6.830/1980 seria omissa quanto à regulamentação desse efeito, de modo que, diante de tal lacuna, aplicar-se-iam, subsidiariamente, as regras previstas no Código de Processo Civil - in casu, o citado art. 739-A.1 Outros vão além e argumentam que, além da omissão, diante desse novo contexto de incentivo à efetiva satisfação dos créditos públicos e privados, seria incongruente "afastar a incidência do art. 739-A do CPC no âmbito da execução fiscal, que tem no pólo ativo o Poder Público, detentor da privilegiada prerrogativa de autoconstituir seus títulos de crédito e partir para a execução forçada de seus devedores".2

Já, os julgadores que consideram inaplicável o art. 739-A do CPC às execuções fiscais baseiam-se no entendimento de que o efeito suspensivo dos embargos à execução decorre de uma leitura sistemática da própria Lei de Execução Fiscal, que em vários dispositivos (arts. 16 a 22 e 32, § 2o, por exemplo) menciona, implicitamente, a concessão de tal efeito.3 Alguns chegam a pon-tuar, ainda, que, em virtude da peculiaridade do crédito tributário, sem a concessão do citado efeito suspensivo "não se viabiliza o contraditório, negando-se qualquer eficácia aos embargos à execução".4

Embora ainda seja muito cedo para afirmar que a jurisprudência já sedimentou posicionamento por uma ou outra orientação, já que a discussão é relativamente recente, a 2a Turma do STJ já se manifestou pela aplicabilidade do art. 739-A do CPC às execuções fiscais, quando do julgamento do REsp 1.024.129-PR, por considerar omissa a Lei 6.830/1980 quanto a essa matéria. Naquela oportunidade, o Min. Her-man Benjamim, relator do acórdão, posicionou-se no sentido de que a nova norma-tização do processo de execução visa à sua celeridade e eficácia, não podendo a Fazenda ser preterida em detrimento dos outros credores. Vejamos: "Não se trata de privilégios carecedores de razoabilidade, mas de prerrogativas que, sabidamente, foram conferidas com o propósito de dotar o Estado-Fisco (e não só ele) de meios mais céleres e eficazes para a recuperação de seus créditos. Percebe-se, em última instância, disfarçado desejo de inversão de valores: o legislador pretendeu conferir a todo e qualquer credor meios mais adequados para atingir o resultado efetivo do processo de execução. Seria paradoxal posicionar a Fazenda Pública, tão-somente por sua condição, em flagrante desvantagem em relação aos demais credores. Numa palavra, em pleno Estado Social, baseado na valorização do interesse público, colocar-se-ia o Erário em posição de desvantagem no confronto com o crédito privado".

Também a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já se manifestou sobre o tema, por meio do Parecer PGFN/CRJ-

Page 208

1.732/2007, defendendo que "todas as regras do Código de Processo Civil que, não obstante tratamento expresso da Lei de Execução Fiscal, forem mais benéficas à efeti-vação do crédito da Fazenda Nacional devem ser aproveitadas pela execução fiscal".

Como bem se vê, a questão é controversa e - ao contrário do que possa parecer a uma primeira vista - de difícil resolução. Se, de um lado, há quem defenda a omissão da lei especial e, ainda, a necessidade de que seja concedida maior celeridade e efetividade ao processo executivo, de outro, há os defensores da tese de que a Lei 6.830/1980 implicitamente estabelece a obrigatoriedade de concessão do efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal sempre que embargada a execução, sob pena de comprometimento à efetividade da decisão que posteriormente venha a ser proferida no processo de embargos e violação ao contraditório.

Essa polêmica que se instaurou demonstra a necessidade de um estudo aprofundado do tema, que nos permita contex-tualizar, dentro do sistema jurídico brasileiro, a norma que melhor se aplique ao caso, garantindo a efetividade da execução sem que isso implique limitação ao direito de defesa do executado.

Para tanto, partimos do pressuposto de que toda e qualquer interpretação do Direito deve ser realizada com base em uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico - interpretação, esta, que não se restringe ao âmbito do veículo introdutor da norma cuja aplicação se analisa, mas abarca todos os subsistemas que porventura possam relacionar-se com o objeto de estudo.

Nesse sentido, tendo em vista que a matéria ora em exame diz respeito à aplicação de norma processual no âmbito da execução de crédito tributário, em que de um lado se encontra o Estado e de outro um particular, não podemos analisá-la unicamente sob a ótica da Lei de Execução Fiscal ou do Código de Processo Civil. Precisamos ir além. Devemos examinar a questão, portanto, ao menos sob a ótica do direito processual civil, do tributário e também do direito constitucional e administrativo, sem prejuízo de normas de outros ramos que porventura se mostrem aplicáveis.

Em decorrência da expressa previsão legal contida no art. 1o da Lei 6.830/1980 no sentido de que eventuais omissões serão regidas pelo Código de Processo Civil, o primeiro ponto que deve ser analisado diz respeito à existência, ou não, de regulamentação dos efeitos suspensivos pela Lei de Execução Fiscal. Constatada a supressão, então, devemos realizar uma interpretação sistemática, a fim de verificar se a aplicação do art. 739-A do CPC guarda ressonância com as demais normas contidas no ordenamento jurídico. De outra parte, sendo possível, com base na própria Lei 6.830/1980, a criação de norma regulando o efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal, então, estaremos diante de um conflito de normas (norma especial anterior versus norma geral posterior), que como tal deverá ser observado.

Principiemos nosso estudo pela verificação dessa suposta omissão da Lei 6.830/1980 quanto à concessão dos efeitos suspensivos aos embargos à execução fiscal, o que só pode ser feito por meio de uma interpretação sistemática desse diploma legal - tarefa da qual nos ocuparemos a seguir.

2. O efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal sob a ótica da Lei 6 830/1980

Uma simples leitura da Lei de Execução Fiscal nos permite concluir que, de fato, esse diploma legal não tem nenhum dispositivo que preveja, expressamente, a concessão de efeitos suspensivos aos embargos à execução fiscal. Partindo, entretanto, da concepção de norma como a significação construída a partir da junção de um ou mais enunciados, faz-se imperioso analisarmos a viabilidade, ou não, de se

Page 209

construir, a partir do exame da Lei 6.830/ 1980 e da conjuntura em que ela está inserida, uma norma que determine a recepção dos embargos à execução fiscal com efeito suspensivo. Esta tarefa, todavia, depende de um exame minucioso e contextualizado do mencionado diploma legal.

A Lei de Execução Fiscal rege a cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. Como já expusemos em capítulo anterior, a Certidão de Dívida Ativa/CDA...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT