Apelação sem efeito suspensivo: execução provisória como regra

AutorIsabela Lessa de Azevedo Pinto Ribeiro; João Luiz Lessa de Azevedo Neto
CargoMestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco; Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco
Páginas734-765

Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco. Professora de Processo Civil da Faculdade Christus - Fortaleza - CE. Advogada.

Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq-PIBICFACEPE.

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Introdução

O processo civil, em uma perspectiva privatística, esteve durante muito tempo ensimesmado e preocupado com o desenvolvimento de seus próprios institutos e dogmas, mas o processo em um paradigma constitucionalmente adequado é o meio estatal - público - de proteger direitos e há de cumprir seu escopo de maneira efetiva, adequada e tempestiva.

Assim, reconhecer a existência de um direito fundamental ao processo sem dilações indevidas importa necessariamente na revisitação de alguns postulados processuais, pois a segurança jurídica há de andar de mãos dadas com a preocupação com os resultados da tutela jurisdicional.

Neste contexto em que se busca uma efetivação do princípio da razoável duração do processo, este colocado ao lado da segurança jurídica como nortes da prestação jurisdicional, pretende-se analisar a apelação que ainda mantém o efeito suspensivo como regra - prestigiando a proteção da parte recorrente - e a execução provisória - que permite a fruição imediata do direito - enquanto reflexos deste, aparente, contraponto entre a segurança jurídica e o direito à um processo sem dilações indevidas. Para cumprir tal finalidade se utilizou do método dialético-dedutivo, com supedâneo em uma metodologia eminentemente teórica, com pesquisa bibliográfica, de caráter descritivo e exploratório.

O efeito suspensivo da apelação protege a esfera de interesses do devedor, não há dúvidas, mas será que apenas sendo regra é que ele o faz? Será tal efeito, que retira a eficácia das decisões judiciais, uma exigência do duplo grau de jurisdição e do direito ao contraditório sucessivo - que são facetas da segurança jurídica - ou será mais um dogma do processo em uma perspectiva excessivamente autonomista e liberal? É possível, que em defesa da efetividade da prestação jurisdicional, passe o efeito suspensivo na apelação a ser exceção - uma eventualidade restrita aos casos em que o risco de danos ao devedor fosse inequívoco?

No Brasil, atualmente, a regra é o duplo efeito da apelação, sendo a produção imediata dos efeitos da sentença uma exceção. Objetiva-se perquirir se a execução Page 735 provisória da sentença, que permite a fruição da decisão favorável, que ainda é uma exceção adstrita às hipóteses legislativas em que a apelação é desprovida de efeito suspensivo, não poderia passar ser regra. Isso, não necessariamente importaria em descuido com o direito do executado à segurança jurídica, pois já existem meios de contrapor, harmonizar, os valores segurança jurídica e o direito à um processo sem dilações indevidas: o exeqüente é responsável objetivamente pelos danos processuais que possam prejudicar a outra parte e, na execução provisória, deve caucionar o juízo para que atos expropriatórios possam ser praticados, além de ser possível, enquanto medida acautelatória, o julgador conceder o efeito suspensivo ope judicis, se provocado pelo recorrente.

Partir-se-á do exame da estruturação constitucional do processo - que assegura o direito a uma tutela tempestiva, adequada e efetiva - para que se possam analisar as conseqüências do efeito suspensivo da apelação enquanto regra geral e a limitação do direito à satisfação daquele que obtém uma decisão favorável em um processo com a execução provisória como exceção.

1. Uma perspectiva constitucional do processo

Os anseios de autonomia do processo em relação ao direito material conduziram a um caminho isolacionista e o direito processual por muito se orgulhou da neutralidade em relação ao direito material, só que como bem alerta Morin: "a hiperespecialização impede ver o global (que ela fragmenta em parcelas), bem como o essencial (que ela dilui) 1". O processo, então, durante muito tempo esteve a olhar apenas para o próprio umbigo, sem considerar as necessidades do direito material vindicado ie sem cuidar a contento do problema do tempo de espera pela prestação jurisdicional (algo essencial para credibilidade do judiciário), pois enamorado estava da segurança jurídica. Page 736

Com o amadurecimento da noção de que o processo não é um fim em si mesmo, mas é algo que existe para - é instrumento 2 - de salvaguarda do direito material lesado ou ameaçado, os processualistas tem de repensar o processo considerando todas as nuances da ordem jurídica (e da sociedade) na qual ele está inserido 3.

Tal perspectiva terá, obrigatoriamente, como ponto de partida a Constituição, pois nela se delineia o arcabouço do direito processual e este prevê uma jurisdição inafastável, que será provocada no juízo previamente estabelecido, através de um processo devido e se desenvolverá em contraditório, propiciando a ampla defesa.

Logo, o processo que era pensado sob uma ótica privada e sob os fortes influxos do liberalismo, no Estado Democrático e Constitucional de Direito 4 há de ser estudado e realizado sob o enfoque dos direitos fundamentais, afinal, prestar bem a atividade jurisdicional é um dever do Estado ante a vedação à autotutela. Sem olvidar que este dever não pode demorar ad eternum para se concretizar, pois justiça tardia é manutenção da injustiça por um lapso temporal indevido.

Afirmar a condição de fundamentalidade do direito à tutela jurisdicional implica em reconhecer o dever do legislador infraconstitucional de adequar as estruturas normativas e organizacionais com o fito de satisfazer tal direito, bem como do órgão judicial. 5 Exige do intérprete uma hermenêutica humanizante, que não veja o processo sob a ótica do fetichismo da forma, mas que o veja como metodologia estatal de prestar a jurisdição. Page 737

Assim, o processo há de ser célere, sim, mas isso não importa em rechaçar a segurança jurídica, impõe, tão-somente, que esta seja um dos pontos a serem obtemperados e não o epicentro vital das preocupações com o processo. Na realidade, tais valores cooperam para um ordenamento jurídico justo, não se rechaçam, segurança jurídica e celeridade na prestação jurisdicional devem estar de mãos dadas, pois "a efetividade só se revela virtuosa se não colocar no limbo outros valores importantes do processo, a começar pelo da justiça, mas não só por este. 6"

Ora, se o Estado moderno avoca para si o poder dever de dizer o direito - jurisdição - ele deve fazê-lo tutelando de maneira efetiva, adequada e breve 7. Sem descuidar, contudo, do tempo em permitir a satisfação do jurisdicionado, sobretudo, aquele que já obteve uma decisão favorável, mesmo que esta não esteja imutabilizada - pela coisa julgada.

A necessidade de maneiras aptas a efetivar a tutela jurisdicional tempestivamente não pode, de modo algum, ser enfocada sob uma perspectiva unívoca, exige uma perspectiva dialética do interprete, que deve sempre ponderar aquele valor a ser alcançado e o valor segurança jurídica que não pode ser esquecido.

É que tanto o princípio da segurança jurídica quanto o da razoável duração do processo são em verdade corolários do due process of law. Eles se harmonizam e se complementam, pela noção de que uma decisão que demora a ser tomada ou executada gera, no interregno de sua gestação, insegurança jurídica.

Neste contexto, o anseio de celeridade compreende logicamente receber o provimento desejado, por isto, ele aproxima-se da necessidade de um processo executivo em curto prazo. Atento à noção de que o processo de execução volta-se para a realidade fática, procurando modificá-la conforme a decisão jurisdicional, em outras palavras, é possível definir, ainda que de maneira genérica, "o processo de execução como o conjunto de atos destinados a assegurar a eficácia prática da sentença". 8 Page 738

Entretanto, deve-se sopesar também o valor da segurança jurídica, se por um lado é legítimo o interesse a uma execução- ainda que provisória- no menor lapso temporal possível, por outro, nos casos em que a execução provisória causar, ou ameaçar causar, um dano grave e de difícil reparação é preferível se esperar uma decisão mais amadurecida, se aguardar pela possibilidade de uma execução definitiva, pois até o trânsito em julgado inexiste propriamente condenação, uma palavra final do poder judiciário.

Assim, se a execução provisória é um instrumento de brevidade da prestação jurisdicional, por permitir que seus efeitos sejam mais rapidamente sentidos no plano fático, o efeito suspensivo dos recursos preconiza a segurança jurídica, retirando a eficácia do provimento jurisdicional até que ele seja reanalisado. No caso da apelação a presença do efeito suspensivo como regra impede a produção dos efeitos da maior parte das sentenças, o que se coaduna com a nossa tradição processual formalista e preocupada com a segurança.

2. Celeridade e segurança jurídica: valores complementares

Hodiernamente o reconhecimento de que o arcabouço processual tem seu nascedouro na Constituição é ponto pacífico, logo, o exame dos princípios constitucionais do processo se torna iter inafastável no estudo de qualquer questão processual.

O valor segurança jurídica serve de inspiração, esteio e baliza do processo civil ao longo da história, não pode agora os cuidados em garanti-lo ser o grande vilão da morosidade na prestação jurisdicional.

Na verdade, a este valor e princípio foi agregado outro, o valor efetividade da prestação jurisdicional, que é o cerne da moderna processualística. Assegurar o deslinde do processo de uma maneira célere e efetiva é consectário...

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