Eficácia e efetividade do direito à educação enquanto direito fundamental social à luz da Constituição de 1988

AutorMarcela Catini de Lima
Páginas353-378

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Introdução

Através deste estudo dirigido à apreciação do direito à educação enquanto direito fundamental social, pretende-se demonstrar de que forma o reconhecimento de sua aplicabilidade e eficácia, extraídos do texto constitucional vigente, podem confirmar-se em prestações positivas por parte do Estado e dos poderes constituídos, como meio de garantir a sua efetividade. 123

Para tanto, inicialmente foi proposta uma análise à cerca dos direitos fundamentais e de sua disposição na Constituição enquanto norma suprema do ordenamento jurídico, ressaltando a importância de seu reconhecimento por meio da mesma, conferindo legitimidade à ordem constitucional, e ao Estado de Direito.

Posteriormente busca-se identificar como a Constituição de 1988 passa a acolher os direitos fundamentais sociais, bem como, o direito à educação compreendido enquanto tal, demonstrando de que forma a sua não observância, contribui para a afirmação das denominadas "crise constitucional" e "crise de estatalidade", evidenciando o papel do Estado diante deste quadro.

Na sequência realiza-se uma análise à cerca da aplicabilidade e eficácia dos direitos fundamentais, ponto em que são ponderadas questões essenciais servindo de base para a compreensão à cerca da matéria educacional presente na Constituição de 1988, e suas implicações no que tange a eficácia decorrente da fundamentalidade atribuída ao direito à educação, bem como no que diz respeito a sua efetividade, vinculada ao seu reconhecimento enquanto direito público subjetivo.

1 Direitos fundamentais e constituição

Os direitos fundamentais podem ser compreendidos de acordo com o entendimento do notável jurista Ingo Wolfgang Sarlet como um "... conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo..."4espacial e temporalmente delimitados, sendo assim denominados por consistirem em alicerces que fundamentam o sistema jurídico do Estado de Direito. Page 354

Além disso, conforme evidencia o exímio Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes, os direitos fundamentais representam "o núcleo da proteção da dignidade da pessoa ..." o que nos leva a concluir, a partir do reconhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico, dotada de força vinculativa máxima, que os direitos fundamentais compreendidos como "... valores mais caros da existência humana"5 merecem estar nela resguardados.

Os direitos fundamentais verificam-se como direitos subjetivos e objetivos ao mesmo tempo, conforme salienta o mesmo autor:

Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais - tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo, quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais - formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.6

No entanto, ainda que a perspectiva dos direitos subjetivos7 em um primeiro momento ocasione a percepção de que os mesmos possam conferir um maior realce aos direitos fundamentais, ela convive perfeitamente com uma dimensão objetiva.8

Em sua dimensão objetiva, os direitos fundamentais, como foi dito, formam a base, a essência do Estado de Direito democrático, servindo como instrução para sua ação e ao mesmo tempo como limite decorrente do poder a ele conferido.9

Sendo assim, as constituições democráticas, a respeito do que demonstra o ilustre constitucionalista Gilmar Ferreira Mendes, "... assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influem sobre todo ordenamento jurídico, servindo de norte para a ação de todos os poderes constituídos.10

Dentro de tal perspectiva emana o caráter vinculante dos direitos fundamentais, em relação ao Estado de Direito, de forma que sua observância conduz a promoção de sua verificação e concretização. Page 355

Em consonância com tal postulação prevalece o entendimento, conforme aponta o douto jurista acima mencionado, que "Os direitos fundamentais, assim, transcendem a perspectiva da garantia das posições individuais, para alcançar a estatura de normas que filtram os valores básicos da sociedade política, expandindo-os para todo o direito positivo."11

Por intermédio da Constituição, tais valores filtrados pelos direitos fundamentais, são assumidos e repassados a todo ordenamento jurídico. Além do que, dos mesmos direitos que revelam e positivam o sistema de valores conferidos pela Constituição deriva sua autêntica dignidade fundamental.

É no seio de um Estado de Direito democrático que os direitos fundamentais conferem, portanto, legitimidade à ordem constitucional, bem como ao próprio Estado, a respeito do que demonstra o insigne jurista Ingo Wolfgang Sarlet:

Considerando-se, ainda que de forma aqui intencionalmente simplificada, o Estado de Direito não no sentido meramente formal, isto é, como "governo das leis", mas, sim, como "ordenação integral e livre da comunidade política", expressão da concepção de um Estado material de Direito, no qual, além da garantia de determinadas formas e procedimentos inerentes à organização do poder e das competências dos órgãos estatais, se encontram reconhecidos, simultaneamente como metas, parâmetro e limites das atividades estatais, certos valores, direitos e liberdades fundamentais, chegase fatalmente à noção - umbilicalmente ligada à ideia de Estado de Direito - de legitimidade da ordem constitucional e do Estado.12

Dentro de tal concepção a cerca do Estado de Direito (material), constituído a partir de formas e procedimentos, metas, parâmetros e limites referente à atividade estatal e a valores fundamentais, encontram-se os fundamentos necessários à legitimação da ordem constitucional e do próprio Estado. De tal legitimação decorre a eficácia dos direitos fundamentais, que encontra-se vinculada à autenticidade do Estado constitucional13. Neste tocante, o douto constitucionalista Ingo Wolfgang Sarlet ainda acrescenta:

Tendo em vista que a proteção da liberdade por meio dos direitos fundamentais é, na verdade, proteção juridicamente mediada, isto é, por meio do Direito, pode afirmar-se com segurança, na esteira do que leciona a melhor doutrina, que a Constituição (e, neste sentido, o Estado constitucional), na medida em que pressupõe uma atuação juridicamente programada e controlada dos órgãos estatais, constitui condição de existência das liberdades fundamentais, de tal sorte que os direitos fundamentais Page 356 somente poderão aspirar à eficácia no âmbito de um autêntico Estado constitucional.14

Desta forma, temos que a eficácia dos direitos fundamentais decorre do reconhecimento de um Estado constitucional ou de Direito autêntico e legítimo que os garanta. Além disso, à medida que esse Estado utilize-se dos direitos fundamentais para se afirmar enquanto tal, garantido dessa forma sua autenticidade e legitimidade, os mesmos direitos necessitam do reconhecimento deste mesmo Estado para que possam ser concretizados. A respeito de tal questão o célebre jurista Ingo Wolfgang Sarlet observa:

Ainda no que diz com a íntima correlação dos direitos fundamentais com a noção do Estado de Direito, socorremo-nos das palavras de Perez Luño, de acordo com o qual "existe um estreito nexo de interdependência genético e funcional entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais, uma vez que o Estado de Direito exige e implica, para sê-lo a garantia dos direitos fundamentais, ao passo que estes exigem e implicam, para sua realização, o reconhecimento e a garantia do Estado de Direito".15

Assim demonstra-se claramente o nexo de interdependência existente entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais de modo que a condição de existência e concretização de um depende da verificação das mesmas condições em relação ao outro.

Além disso, não se pode deixar de mencionar a ligação existente entre os direitos fundamentais e o princípio do Estado social consagrado pela Constituição vigente que conforme evidencia o ilustre constitucionalista Ingo Wolfgang Sarlet:

Apesar da ausência de norma expressa no direito constitucional pátrio qualificando a nossa República como um Estado social e democrático de Direito (o art. 1º, caput, refere apenas os termos democrático e Direito), não restam dúvidas - nisso parece existir um amplo consenso na doutrina - de que nem por isso o princípio fundamental do Estado social deixou de encontrar guarida em nossa Constituição.16

Sendo assim, no âmbito deste Estado social e democrático de Direito17, conforme demonstra o notável jurista ora mencionado, "... os direitos fundamentais sociais constituem exigência inarredável do exercício efetivo das liberdades e garantia da igualdade de chances (oportunidades), inerentes à noção de uma democracia e um Estado de Direito de conteúdo não meramente formal, mas sim, guiado pelo valor da justiça material."18 Page 357

Desta forma, pode-se concluir que a intrínseca ligação existente entre direitos fundamentais, Constituição e Estado social de Direito, decorre a concretização dos valores de igualdade, liberdade e justiça, refletidos no princípio da dignidade da pessoa humana, constituindo condição de existência e legitimidade do Estado de Direito democrático...

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