Em torno do despedimento discriminatório: um olhar luso-brasileiro

AutorJoão Leal Amado
Páginas58-75
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EM TORNO DO DESPEDIMENTO DISCRIMINATÓRIO: um olhar luso-
brasileiro
AROUND THE DISCRIMINATORY DISPONMENT: a luso-brazilian look
João Leal Amado1
RESUMO: O presente artigo analisa o regime jurídico do despedimento, em Portugal e no Brasil, a partir do
disposto nas respectivas leis fundamentais e tendo em conta a regulamentação da matéria feita pela lei ordinária de
ambos os países. Especial atenção é dedicada à figura do despedimento discriminatório, seja no que diz respeito à
sua noção, seja no tocante às suas consequências.
PALAVRAS-CHAVE: Despedimento. Discriminação. Direitos Fundamentais.
SUMÁRIO: 1. Introdução: A lei fundamental; 2. O despedimento for no cause em Portugal e no Brasil; 2.1
Portugal; 2.2 Brasil; 3. O despedimento discriminatório no Brasil; 4 O despedimento discriminatório em Portugal;
4.1 O despedimento por motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos; 4.2 A reintegração do Trabalhador; 4.3
A “indemnização de antiguidade”; 4.4 Os factores ilegítimos de discriminação; 5. Conclusão.
ABSTRACT: This article analyzes the legal regime of dismissal, in Portugal and Brazil, from the provisions in the
respective fundamental laws and taking into account the rules of the matter made by ordinary law of both countries.
Particular attention is devoted to the concept of discriminatory dismissal, whether in terms of its notion or its
consequences.
KEYWORDS: Dismissal. Discrimination. Fundamental rights.
SUMMARY: 1. Introduction: The fundamental law; 2. Dismissal for no cause in Portugal and in Brazil; 2.1
Portugal; 2.2 Brazil; 3. Discriminatory dismissal in Brazil; 4 Discriminatory dismissal in Portugal; 4.1 Dismissal for
political, ideological, ethnic or religious reasons; 4.2 The reintegration of the Worker; 4.3 The "seniority
indemnity"; 4.4 Illegitimate factors of discrimination; 5. Conclusion.
1 INTRODUÇÃO: A LEI FUNDAMENTAL
-se no art. 53.º da Constituição da República Portuguesa (CRP): «É garantida aos
trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por
motivos políticos ou ideológicos». Lê-se, por seu turno, no art. 7.º, I, da Constituição da
República Federativa do Brasil (CRFB), que são direitos dos trabalhadores, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social: «Relação de emprego protegida contra despedida
arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos».
Artigo recebido em 09/03/2018.
Artigo aprovado em 06/06/2018.
1 João Leal Amado é Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
RDRST, Brasília, Volume 4, n. 1, 2018, p 58-75, jan-abr/2018
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Assim sendo, no Brasil pergunta-se: mas então o despedimento arbitrário não é um
despedimento sem justa causa? Resposta: sim. Mas é mais do que isso! Isto porque um
despedimento pode ser desprovido de justa causa (justa causa disciplinar, resultante de falta
grave cometida pelo trabalhador) mas não ser arbitrário, maxime por se basear em motivos
ligados à empresa, de caráter técnico, económico ou financeiro2.
Assim sendo, também em Portugal se poderá perguntar: mas então o despedimento por
motivos políticos ou ideológicos não é um despedimento sem justa causa? Resposta. Sim. Mais é
mais do que isso! Como escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «a proibição de
despedimentos por motivos políticos ou ideológicos não é apenas uma concretização específica
da proibição dos despedimentos sem justa causa. É um mais, uma categoria autónoma que pode
assumir uma função específica: trata-se de impedir que um trabalhador seja discriminado por
causa das suas convicções políticas ou ideológicas, ou por motivo de atividade política (e, por
maioria de razão, por motivo de atividade sindical)»3. Em termos próximos, escreve JORGE
LEITE: «Quer a lei quer a CRP proíbem o despedimento sem justa causa e o despedimento por
motivos políticos ou ideológicos em termos de não deixarem dúvidas de que este último não é
uma mera explicitação do primeiro. Ambas as normas querem, por certo, significar que o
despedimento por motivos políticos ou ideológicos configura uma violação mais grave dos
direitos do trabalhador (enquanto tal ou enquanto cidadão ou enquanto pessoa) ou dos valores
constitucional e legalmente protegidos do que o despedimento sem justa causa. Supõe-se, no
entanto, que igual ou próximo tratamento devem merecer os despedimentos determinados por
motivos de natureza análoga, designadamente os de natureza sindical, rácica, sexual, etc.»4.
Dir-se-ia, pois, que a CRP, ao autonomizar os despedimentos por motivos políticos ou
ideológicos dos despedimentos sem justa causa, veio de algum modo acolher a distinção há
muito formulada entre os despedimentos for no cause e os despedimentos for bad cause. Trata-se
da clássica doutrina do employment-at-will, bem expressa nos dizeres de uma famosa decisão
judicial de fins do séc. XIX (Payne v. Western & Atlantic Railroad, de 1884), segundo a qual
«men must be left, without interference to buy and sell where they please, and to discharge or
2 Para desenvolvimentos, por todos, ANTÔNIO ÁLVARES DA SILVA, Proteção contra a Dispensa na nova Constituição,
2.ª ed., LTr, São Paulo, 1992, e PEDRO PAULO TEIXEIRA MANUS, Despedida Arbitrária ou Sem Justa Causa,
Malheiros Editores, São Paulo, 1996.
3 Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, pp. 710-711.
4 Coletânea de Leis do Trabalho, Coimbra Editora, 1985, p. 247.

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