Consórcios empresariais - apontamentos sobre as 'novas' diretrizes tributárias

AutorTatiana Aguiar
CargoProfessora e Doutoranda em Direito Tributário pela PUC/SP. Advogada
Páginas81-87

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O mais forte traço definidor da socie-dade contemporânea é a sua alta complexidade em razão das incontáveis variações das ações possíveis. Niklas Luhmann, ao se apropriar da autopoiese1dos sistemas biológicos para utilizá-la na compreensão dos sistemas sociais, tinha em mente que o mundo contemporâneo oferece ao ser humano muito mais possibilidades do que aquelas que o seu sistema psíquico-orgânico é capaz de processar, razão pela qual a criação de sistemas, como o jurídico, por exemplo, visa a reduzir tais possibilidades, por meio do controle das expectativas humanas (normativas, no caso do sistema jurídico), de modo a tornar suportável a convivência nesse mundo de múltiplas alternativas.

A riqueza de possibilidades, advinda da imensa complexidade humana, levou o homem a reconhecer a sua incapacidade de dominar sozinho todo o conhecimento necessário para lidar com a nova era das informações, obrigando-o a compartilhar esforços, recursos, sejam humanos ou financeiros, a fim de desenvolver suas atividades no mundo atual.

Os Consórcios Empresariais nasceram como ótimo exemplo desse mundo contemporâneo, complexo e de múltiplas possibilidades, impossíveis de serem absorvidas por um ente só. Isso porque a sua força-motriz é justamente o compartilhamento de forças, conhecimento e/ou recursos financeiros para atingir um fim de modo mais racional e eficaz.

Se no seu nascedouro os Consórcios estavam intrinsecamente associados às obras de engenharia e construções de grande porte, em um segundo momento passou a ser poderoso instrumento de absorção de tecnologia pelos países em desenvolvimento, como Brasil, que passaram a se associar com empresas estrangeiras, de modo a viabilizar empreendimentos de maior complexidade,

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e hoje se vê a união de esforços de pessoas jurídicas de direito privado para o exercício de atividades inclusive de natureza pública como nas concessões de transportes públicos, no ramo dos seguros, entre outras.

Por longo período os Consórcios foram se formando sem regulação específica, somente em 1976 é que a Lei n. 6.404/1976 (Lei das S/A) passou a legitimá-los, embora em apenas dois artigos. Vejamos:

"Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.

"§ 1º. O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

"§ 2º. A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio.

"Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão: (Redação dada pela Lei n. 11.941, de 2009)

"I - a designação do consórcio se houver;

"II - o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;

"III - a duração, endereço e foro;

"IV - a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas;

"V - normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados;

"VI - normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver;

"VII - forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado;

"VIII - contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver.

"Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do comércio do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada."

Dos dispositivos acima, entendemos importante ressaltar os seguintes traços caracterizadores dos consórcios:

(i) Livre forma societária das consorciadas: a Lei das S/A deixa claro que não só as sociedades anônimas, como também as limitadas e demais tipos societários podem fazer parte de um consórcio, independentemente de manterem uma relação de controle entre si.

(ii) Fim determinado: as consorciadas antes de somarem esforços devem ter bem delineado o empreendimento que resultará daquela parceria. Portanto, mais que um grupo de pessoas, físicas ou jurídicas, que se reúnem para o desenvolvimento de uma atividade, as empresas formadoras de um Consórcio centralizarão seus interesses comuns na realização de uma empreitada, na acepção lata da palavra.

O Dicionário Houaiss assim define empreendimento: "1. Ato de quem assume tarefa ou responsabilidade; 2. Empresa, projeto, realização; 3. Firma montada para explorar um negócio".

Muitas vezes ao apresentar essa característica dos Consórcios os estudiosos dão realce ao fator tempo, vinculando a limitação finalística do instituto à temporalidade das suas atividades, o que pode levar à equivocada conclusão de que as sociedades só podem se reunir em Consórcio por um tempo previamente determinado. Na verdade, o prazo do referido contrato bilateral entre as partes está atrelado ao período necessário de execução do seu objeto que é o empreendimento, o qual nem sempre pode ser precisamente determi-

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nado no momento da sua constituição. Logo, podemos dizer que os consórcios podem ser constituídos por tempo determinado ou determinável, porém a sua própria essência não se coaduna com a total indeterminação temporal.

Na prática, em face da complexidade de determinadas atividades, a impossibili-dade de prévia determinação do prazo de consubstanciação de um empreendimento, pode colocar em dúvida a possibilidade da própria existência do Consórcio. A CVM já foi provada a analisar alguns projetos e se posicionou contrariamente a reunião de determinadas sociedades com fins consorciais, justamente em razão da indeterminação do seu prazo, como, por exemplo, ao proferir o...

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