O Direito, o Processo, a Formação da Lei: Enfoque prático-axiológico-normativo

AutorArno Melo Schlichting
CargoProfessor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Constitucional no Curso de Ciências Jurídicas da UNIVALI. Mestre em Ciências Jurídicas pelo CPCJ/UNIVALI
Páginas27-40

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1. Considerações iniciais

O presente estudo pretende determinar de que forma a tridimensionalidade do direito: fato, valor, norma, se faz presente nas diversas expressões do mundo jurídico, ou seja, no momento legislativo, da criação da lei, no instante de sua positivação, e no instante de sua interpretação no caso concreto. Nesse caminho, procurou-se identificar no item 1.2. a criação do Direito e do Direito Processual; no item 1.3, identificou-se o significado jurídico-processual da categoria Direito Subjetivo e no item 1.4. a inter-relação existente entre o fato, o valor e a norma, com o Direito Material e o processo judicial.

2. O direito e a norma

Todo ato/fato, individual ou coletivo, do qual se origina uma situação, um acontecimento que tem repercussão no mundo (convívio) social é considerado um fato-situação-social.

Na medida em que a Sociedade considera que determinado ato/fato, determinada situação é inconveniente de forma a se tornar como não desejável ou não recomendável e que passa a interferir e/ou repercutir no convívio social, esse ato/fato, essa situação, adquire conformação de fato-situação-jurídica.

Visando estabelecer parâmetros para o convívio harmônico entre seus membros, os atos/fatos, as situações consideradas pela consciência/ sentimento de direito da Sociedade como socialmente (moralmente) indesejáveis, passam a ser repelidos por essa Sociedade, com menor ou maior vigor, sendo repelidos, ora por imperativos de ordem moral, ora por imperativos de ordem legal.1

Os fatos-situações-jurídicas repelidas com menor vigor encontram uma repressão de ordem moral e se sujeitam a uma sanção de mesma ordem, de conformidade com os usos e costumes.

Aqueles fatos, aquelas situações juridicamente consideradas que o sentimento de direito, a consciência social considera como maisPage 28 nocivos e incompatíveis ao convívio social, que não podem ser toleradas e que por isso mesmo devem ser repelidas com maior vigor, são normatizadas, são positivadas em lei, no formato de Fato Temporal Normatizado.

Assim, o Fato Temporal Normatizado vem a ser a correspondente jurídica/normativa do Fato-situação-jurídica, e que se traduz em um imperativo de ordem legal, sujeitando-se a uma sanção de mesma ordem. É a prescrição normativa, a correspondente jurídica/legal do fato-situação-jurídica. É a lei. O Direito Material.

Lei que vem a preencher a lacuna existente no ordenamento jurídico no que concerne àquele fato, àquela situação jurídica.

Dessa forma, a Sociedade, através de sua consciência/sentimento de direito, e através da cultura acumulada ao longo de toda a sua história e dos tempos, valora subjetiva e juridicamente o fato/situação social, o sintetiza e o transporta, objetivamente para o ordenamento jurídico, prescrevendo-o normativamente, no formato de Direito Material, direito este composto pelo complexo de normas estabelecidas pelo Poder Legislativo, que têm como natureza jurídica o disciplinamento das relações jurídicas entre pessoas grupos e entidades, entre si e com o mundo que os rodeia, no que concerne aos direitos e obrigações recíprocas.

O legislador, portanto, com base no fato, na situação em questão, valora-o e o transforma em norma.

É o que ocorre nos ordenamentos jurídicos cujo sistema adotado seja o do direito positivado, onde o ideal seria que todo fato-situaçãojurídica encontre na lei o seu correspondente Fato Temporal Normatizado, inerente a um "direito" que, no exato instante de sua positivação, é considerado em sua tridimensionalidade, como fato, como valor e como norma, do que decorre que a norma é resultante da valoração de um fato, de uma situação jurídica e axiologicamente considerada.

Positivada, a lei (a prescrição normativa, a correspondente jurídico/ normativa do fato-situação-jurídica) passa a ter dupla dimensão, apenas como fato e como norma. Como Fato Temporal Normatizado.

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Donde se questiona: se o Direito, em todas as suas concepções, é considerado em sua tridimensionalidade fático/axiológico/normativo, onde se situa o valor que corresponde ao seu caráter axiológico e que deveria estar contido na lei, no Fato Temporal Normatizado?

3. Direito subjetivo

E se passa a responder2: os valores inerentes aos fatos/situações juridicamente considerados pela Sociedade como relevantes e que os levaram à normatização, permanecem na consciência social e na consciência individual dos membros que a compõem, no formato de consciência jurídica, de sentimento de "direito".

"Direito" que, se ferido, enseja, para aquele que se considera titular do mesmo, um "Direito Subjetivo", o direito subjacente da Consciência/sentimento de direito - faculdade - poder dever, prerrogativa -, que permanece na consciência jurídica social e individual, inerente aos valores dos quais se revestia o fato-situação-social, que, adquirindo conformações de fato-situação-jurídica, resultou na prescrição normativa.3

Direito/sentimento que, se violado, ameaçado ou permitido pela lei, é restabelecido, garantido ou concedido através da respectiva ação judicial.

Quando violado, ou ameaçado, esse "direito" é característico das ações de jurisdição contenciosa; quando permitido, é característico das ações de jurisdição voluntária.

Esses "direitos" - faculdade, poder-dever, prerrogativa, - oriundos da consciência/sentimento de direito, são os mesmos "direitos" que se materializam e que o homem busca quando afirma: eu vou buscar o meu direito; ele feriu o meu direito; fulano não agiu direito; ele não tem o direito, abarcando, assim, muitas das acepções que possui a categoria Direito.4

"Direito" que, ressalvadas as exceções, genericamente, enquanto "direito-poder/dever", mostra-se consoante com o Direito Penal ePage 30 Direito Processual Penal; enquanto "direito-faculdade" e "direito-prerrogativa", mostra-se consoante ao Direito Civil e Direito Processual Civil.

Em se tratando de Direito Civil, que em regra trata de direitos disponíveis, donde decorre que a ação que rege tais direitos é orientada e regida pelo princípio da disponibilidade, a parte prejudicada, ao seu arbítrio, pode ou não exercer seu Direito Subjetivo, sobre o todo, parte, ou nem mesmo exercê-lo, decorrente de fatos-situações-jurídicas.

Quando alguém diz "ele ofendeu o meu direito", não implica, necessariamente, que esse alguém conheça o Direito, conheça a lei, a prescrição normativa. Esse alguém sabe da/ e sente a/ ofensa, porque esse "direito" está nele, dentro dele, no formato de Consciência Jurídica, de sentimento de direito, valorado e absorvido ao longo da história, pela própria razão, podendo modificar-se em conformidade com a mesma razão e com a reavaliação ao longo dos tempos dos valores dos quais se reveste o fato-situação-jurídica considerado.

Donde se dizer que o "direito" é histórico, temporal, um produto axiológico, inserido na Sociedade pela própria cultura social.

É a existência da Consciência Jurídica, é esse "sentimento de direito", cultural, que permite afirmar que a Sociedade como um todo e o homem individualmente, conhecem o "direito", conhecem o que é certo e o que é errado, não podendo se esquivar dos seus efeitos, alegando o seu desconhecimento.

Pode o homem não saber como aquele "direito" foi ou está escrito em sua forma normativa, pode não conhecer o correspondente Fato Temporal Normatizado correspondente ao fato-situação-jurídica, mas o conhece em sua essência, desde sua valoração.

Como não sabe qual Fato Temporal inserido no ordenamento jurídico é o que corresponde ao fato-situação-jurídica que enseja seu Direito Subjetivo ferido e que deseja seja restabelecido, procura um "expert", um perito que demonstre ao Poder Judiciário que o "direito" que busca, encontra amparo na lei, no ordenamento jurídico, nos princípios gerais orientadores do próprio Direito ou nos usos e...

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