Entrevista com José Paulo Sepúlveda Pertence

AutorComissão Editorial da Revista dos Estudantes de Direito da UnB

Revista dos Estudantes de Direito da UnB: Bom, Ministro, nós somos da Comissão Editorial da Revista dos Estudantes de Direito da UnB e gostaríamos de conversar com o senhor sobre sua trajetória profissional, acadêmica e política e abordar alguns temas de relevância política e jurídica da atualidade. Bem, como somos estudantes de Direito, um bom começo talvez seja o seu ingresso na Faculdade, que aconteceu na UFMG, não é?

PERTENCE: É, me formei na Universidade de Minas Gerais em 1960, com intensa atividade do movimento estudantil, vice-presidente de UNE em 1958. Pouco depois de formado, nos aventuramos com um grupo de colegas a "fazer Brasília", viver a aventura dos primeiros tempos da Brasília ainda recentemente inaugurada. Em 1962, instalou-se ainda precariamente a Universidade de Brasília, com seu curso de Direito, então subordinado à Coordenadoria de Direito, Administração e Economia. Eu fui então admitido no Mestrado, enquanto também exercia atividade de auxiliar docente da Universidade. Permaneci nessa condição, estava na fase de elaboração da dissertação de mestrado, quando fui demitido em 1965, na grande crise da Universidade de Brasília. Naquele primeiro momento, fomos demitidos quinze professores, e, em solidariedade, 210 dos cerca de 230 ou 240 professores com que a Universidade contava então voluntariamente se demitiram. Ali se encerrou, se abortou o meu projeto de vida universitária. Anistiados depois, já era Procurador Geral da República, enfim, nunca mais consegui conciliar a rotina dos trabalhos da Procuradoria Geral e depois do Supremo Tribunal Federal com a volta à atividade docente. Essa em síntese é minha história na UnB.

Revista dos Estudantes de Direito da UnB: O que levou o senhor a vir para Brasília?

PERTENCE: Coisas de juventude. A atividade da militância estudantil te leva, levava na época, a uma intensa atividade política, a um contacto muito grande com as instituições políticas em geral e, sobretudo, ante as derrotas eleitorais de 1960, tanto para Presidente da República quanto para governador de estado - meu grupo e eu apoiávamos a candidatura de Henrique Lott e do Dr. Tancredo Neves - nos pareceu sem maiores perspectivas o início da atividade profissional. Em Belo Horizonte, naquela angústia do que fazer, resolvemos, em regime comunitário - numa verdadeira república de quatro colegas - aportar em Brasília, a princípio para a advocacia, mas eu particularmente fui seduzido, no ano seguinte, pelo desafio que era participar da implementação de uma universidade que então se projetara nos primeiros trabalhos de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira como uma tentativa de instituição de uma universidade nova e diferente no Brasil.

Revista dos Estudantes de Direito da UnB: Quais foram as leituras mais relevantes para a sua formação pessoal e de jurista, durante o seu período de estudante?

PERTENCE: Bem, na parte de formação não estritamente jurídica, mas política, nossa atividade no Rio era muito ligada então a uma instituição, o ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros - que era mais ou menos um centro de pensamento do desenvolvimentismo nacionalista, que concentrava figuras como Alberto Guerreiro Ramos, Roland Corbusier, Álvaro Vieira Pinto, dentre outros, e que interferiu, é obvio, na minha formação pessoal. Quanto à literatura jurídica, embora tenha sido um estudante que aprendeu a fazer prova (risos), nada de específico a assinalar, os autores clássicos tradicionais.

Revista dos Estudantes de Direito da UnB: O senhor disse que a UnB tinha um projeto diferenciado. Poderia relatar os principais pontos desse projeto?

PERTENCE: De início, a eliminação do esquema tradicional dos catedráticos vitalícios, a instituição de uma carreira universitária que começaria com o mestrado e o doutorado e a ascensão eventual a postos mais altos no magistério. E a própria concepção dos cursos, centrados no início nos institutos centrais de áreas afins e depois de dois anos de atividades dos institutos centrais, nos diversos cursos específicos, entre eles o de Direito. E, do ponto de visa pessoal, não lhes nego uma melancolia antecipada (risos) do fim da atividade universitária e do desejo de prossegui-la por algum tempo na vivência da universidade.

Revista dos Estudantes de Direito da UnB: O senhor acha que essas características do projeto da Universidade se realizaram na história da UnB - ou, pelo menos, no início?

PERTENCE: No começo, eu creio que sim. Na área específica em que trabalhei, no curso de Direito, eu não tenho dúvida de que foi uma experiência revolucionária naquela época. O curso de Direito e outros cursos, uns com mais e outros com menos seriedade, seguiam à época o esquema tradicional de aulas-conferência e de provas no meio e no final do ano. Tanto assim que eu pude fazer meu curso com premiação ao final, paralelamente a uma intensa atividade do movimento universitário, que me obrigou durante quase dois anos inclusive a morar no Rio de Janeiro em função da UNE (risos). A Universidade partia de uma outra concepção, de início metodológica, que mantinha a aula-conferência tradicional, que chamávamos a 'aula maior', em que um professor de maior categoria fazia a exposição do tema da semana, e depois a turma era dividida em grupos de quinze a vinte estudantes, cada um deles tendo então três aulas, que chamávamos de desdobramento, que era a discussão - já aí num esquema muito menos de mera exposição, mas de discussão com os estudantes - do tema da semana introduzido na aula-maior. E havia, nesse esquema inovador da UnB, muito maior exigência em relação aos estudantes, por meio dos trabalhos exigidos deles durante toda a temporada. Foi inovadora na época, ainda, a idéia dos créditos em vez da seriação fixa. E cada estudante, além destes auxiliares que dirigiriam as aulas-menores, as aulas de desdobramentos, tinha seu próprio orientador, que iria acompanhá-lo em todo o seu desempenho acadêmico e que o aconselhava.

Então, com relação ao curso de direito tradicional do qual eu saía, não tenho dúvida de que foi uma experiência vitoriosa. Mas, foi atropelada pela seqüência dos acontecimentos políticos. Era uma universidade extremamente visada pelas forças de direita que vieram a tomar o poder em 1964, objeto até de uma Comissão Parlamentar de Inquérito em que se discutia por que no curso de Direito Constitucional havia uma...

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