Implicações para o bem-estar de eqüinos usados para tração de veículos

AutorMariângela Freitas de Almeida e Souza
CargoMédica Veterinária formada pela Universidade Federal Fluminense
Páginas191-198

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Introdução

"Os males que infligimos a outras espécies são ... inegáveis, quando vistos com clareza; e é na justeza de nossa causa, e não no medo de nossas bombas, que residem nossas possibilidades de vitória." Peter Singer, Libertação Animal, 2004.

Estima-se que existam em torno de 300 milhões de animais de tração, utilizados por dois bilhões de pessoas, em cerca de 30 países, e esses números tendem a aumentar(14). Considerando a quantidade de animais envolvidos e o grande número de pessoas que se utilizam dessa atividade, freqüentemente sendo a principal ou até a única fonte de renda de um grupo familiar, ou o meio de transporte fundamental de uma localidade, essa prática se impõe como importante questão de bem-estar, animal e humano (1).

Em inúmeras cidades brasileiras, podemos encontrar eqüinos tracionando carroças ou charretes. A observação mais superficial aponta, freqüentemente, para uma utilização imprópria, considerando o estado do veículo, a condição do animal e a direção do condutor (6). Acidentes de trânsito, inclusive com mortes, de pessoas e de animais, acontecem continuamente. Abusos e maus-tratos severos aos cavalos, também (6). Urge uma avaliação aprofundada do problema, que este artigo pretende apenas ressaltar. Nossa conclusão destaca a necessidade de um esforço participativo de todos os setores da sociedade para a garantia de condições de vida dignas para esses animais que tantos serviços relevantes prestam à comunidade.

Necessidades físicas, mentais e comportamentais

Em sua vida primitiva e selvagem, o cavalo estava adaptado a um habitat de campos abertos, sendo a fuga o meio primário para escapar de predadores. Seus membros, construídos para as planícies macias e secas, foram especialmente

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desenvolvidos para assumir altas velocidades. Vivendo em grupo, procurava permanecer o mais próximo possível do centro da manada, forma mais segura de evitar o ataque de predadores. A presença do inimigo era anunciada com um estridente relincho, sinal para que toda a manada fugisse, galopando por um quarto de milha ou mais antes de parar. Tudo que era preciso fazer era prestar atenção no garanhão dominante, o líder da manada, e seguir seu exemplo. Se o líder se mantinha alerta e à escuta, todos o faziam, e era sempre dele a decisão do momento oportuno para uma fuga rápida ou, mesmo, para uma lenta mudança de lugar. Tudo que os cavalos precisavam fazer para sobreviver, portanto, era comer, dormir, reproduzir e seguir o comportamento do líder (12).

Eqüinos usados para tração de veículos (carroças ou charretes), principalmente na área urbana, são conduzidos a enfrentar uma forma de vida totalmente diferente, tendo que se adaptar a ambiente e alimentação bem diversos daqueles naturais, freqüentemente inadequados à sua anatomia e fisiologia, e a desenvolverem atividades e condutas que em nada se assemelham ao que sua natureza primitiva o preparou. Isso gera graves problemas de bem-estar para esses animais (4, 12, 14 ).

"Bem-Estar Animal" designa uma ciência voltada para o conhecimento e a satisfação das necessidades básicas dos animais mantidos sob o controle do homem. Essa expressão se relaciona com conceitos diversos, além do conceito de necessidades, entre eles, sofrimento, emoções, dor, ansiedade, liberdade, medo, estresse, controle e saúde (1, 2, 13). A primeira definição conhecida de bem-estar animal data de 1965 e pode ser encontrada no relatório do Comitê Brambell - "um termo amplo que inclui tanto a saúde física quanto a saúde mental e comportamental de um animal" (14). O

Comitê Brambell pesquisou, no Reino Unido, os procedimentos utilizados para obter produtos de origem animal, sugerindo melhorias e orientando quanto ao tratamento dos animais mantidos com a finalidade de produção e consumo. A necessidade de estudos científicos para fundamentar essas orientações levou ao desenvolvimento da ciência do bem-estar animal. Além de formalizar uma definição, o Comitê Brambell criou uma forma útil e direta de avaliação do bem-estar animal, que foi denominada de "Cinco Liberdades", sendo posteriormente, em 1993, revisadas pelo FAWC -Farm Animal Welfare Council (14). A avaliação baseada nas "Cinco Liberdades" funciona como uma lista de checagem, permitindo-nos identificar a presença de situações que podem comprometer o bem-estar animal, tais como falta de alimento e de água, medo, dor, desconforto, ferimentos, doenças, isolamento social ou estresse comportamental. As "Cinco Liberdades" permitem uma avaliação...

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