Isenções tributárias: conceito, revogação e a repercussão geral de decisão do STF ante a coisa julgada

AutorMauren Gomes Bragança Retto
CargoEspecialista em Direito Tributário - PUC/SP-COGEAE. Mestranda em Direito Tributário - PUC/SP. Advogada.
Páginas193-206

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1. A interpretação do Direito Positivo e a construção de sentido dos textos jurídicos

O percurso da construção do sentido dos textos jurídicos a partir da divisão em subsistemas foi proposto por Paulo de Barros Carvalho em Direito Tributário. Fundamentos Jurídicos da Incidência, originada da tese para a obtenção da titularidade em Direito Tributário, na Faculdade do Largo São Francisco (USP).1Essa divisão epistemológica delimita o procedimento interpretativo e constitutivo do texto em quatro planos: (i) o S1 é o sistema dos significantes existente no plano textual; (ii) o S2 é o sistema formado por proposições isoladas a que se atribui sentido pleno, ou plano das normas jurídicas em sentido amplo; (iii) o S3 é o sistema de significações deonticamente estruturadas denominado plano das normas jurídicas em sentido estrito; e (iv) o S4 é o sistema jurídico entendido como o conjunto de normas jurídicas relacionadas entre si sob os critérios de coordenação e subordinação que o constituem.

O conhecimento do Direito Positivo2 exige a leitura dos enunciados prescritivos que compõem o plano S1 na forma textual pelo intérprete autêntico.3Nesse plano, os enunciados prescritivos (enunciados-enuncia-

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dos) que compõem o(s) veículo(s) validamente introduzido(s) no ordenamento jurídico, são utilizados como conjunto de grafemas (escrita) emitidos pelo emissor (enunciação-enunciada) ao destinatário do enunciado. No S1, a articulação linguística é regida pelas regras idiomáticas e gramaticais, o que confere sentido completo ao destinatário. É a partir da leitura dos enunciados-enunciados apostos no veículo(s) introduzido(s) que o intérprete atribui valores aos símbolos. Essa atribuição de valores é preliminar e compõe o processo interpretativo, a partir da constituição de proposições, ou normas jurídicas em sentido amplo. Estas, enquanto significações isoladas, compõem o plano S2. As proposições que constituem o subsistema S2 não são formadas, estruturalmente, pela mensagem dotada do mínimo deôntico, embora já estejam no plano das significações e sejam prescritivas. Dependem, porém, da conjugação com outras estruturas de mesma característica para que se apresentem sob a estrutura hipotético-condicional, em sentido estrito. Elucidando a pendência de conjugação entre proposições do plano S2, a fim de que sejam construídas as normas jurídicas do plano S3, assevera Paulo de Barros Carvalho:4"(...) Com efeito, terão de conjugar-se a outros enunciados, consoante específica estrutura lógico-molecular, para formar normas jurídicas, estas, sim, expressões completas de significação deôntico-jurídica. Por certo que também as normas ou regras do direito posto, enquanto manifestações mínimas e, portanto, irredutíveis do conjunto, permanecerão à espera de outras unidades da mesma espécie, para a composição do sistema jurídico-normativo. Entretanto, serão elas as unidades desse domínio, do mesmo modo que os enunciados também o são no conjunto próprio, que é o sistema de enunciados jurídicos-prescritivos. São exemplos de enunciados expressos: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta

Constituição (art. 5º, I da CF); Brasília é a Capital Federal (art. 18, § 1º, da CF). Outros, porém, não têm forma expressa, aparecendo na implicitude do texto, fundados que são em enunciados explícitos. São os implícitos, obtidos por derivação lógica dos enunciados expressos, como por exemplo, o da isonomia jurídica entre as pessoas políticas de direito constitucional interno (produzido a partir do enunciado expresso da Federação, combinado com o da autonomia dos Municípios); o princípio da supremacia do interesse público ao do particular (reconhecido pela leitura atenta dos enunciados explícitos, relativos à disciplina jurídica da atividade administrativa do Estado)."

A estruturação sintática da norma jurídica na forma hipotético-condicional, enquanto proposição normativa destinada à regulação de condutas intersubjetivas conota o sentido estrito da norma N1 que, em linguagem formalizada, é estruturada pela proposição hipótese "H" vinculada ao consequente "C" pelo functor deôntico neutro (?), ou (H ?

C). Compõe-se, pois, o plano S3, das normas jurídicas em sentido estrito.

O despertar de sentido a ser atribuído pelo intérprete a partir da leitura do texto pode, muitas vezes, não coincidir com os sentidos dos enunciados-enunciados componentes do enunciado, o que é, didaticamente, consignado por Paulo de Barros Carvalho:5

"Tenhamos presente que a norma jurídica é uma estrutura categorial construída, epistemologicamente, pelo intérprete, a partir das significações que a leitura dos documentos do direito positivo desperta em seu espírito. É por isso que, quase sempre, não coincidem com os sentidos imediatos dos enunciados em que o legislador distribui a matéria no corpo físico da lei".

A articulação das normas jurídicas N1,

N2,...Nn é realizada no plano S4, onde o intérprete constitui o sistema jurídico, a partir dos vínculos de subordinação e coordenação

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entre as normas jurídicas, do que se conclui a utilidade do método dialético e relacional no procedimento da construção de sentido.

2. Validade, vigência, revogação e os subsistemas do Direito Positivo

Os enunciados prescritivos que compõem o plano S1 são elementos constitutivos dos enunciados, ou produtos da atividade de enunciação exercida pela autoridade competente. A validade desses enunciados, como ensina Tárek Moysés Moussallem, é condição suficiente e necessária para a validade das proposições isoladas, ou normas jurídicas em sentido amplo, que compõem o plano S2, e das normas jurídicas em sentido estrito, que compõem o plano S3.6"Validade" é termo utilizado em diferentes sentidos, como muitos outros mencionados e utilizados no presente trabalho. No entanto, utilizaremo-no como relação de pertencialidade das normas "N1,

N2,...Nn" ao sistema "S4", já que, presumidamente, produzidas por órgão legitimado pelo sistema jurídico.7A enunciação, ou ato de fala, enquanto atividade produtora do enunciado (produto, em sentido amplo) composto pela enunciação-enunciada ou veículo introdutor (norma geral e concreta8) e pelos enunciados-enunciados (enunciados prescritivos), não é alcançável, mas é fonte eleita como credenciada a produzir enunciados (em sentido amplo). O controle exercido atinge o produto-enunciado e as marcas da enunciação, não alcançando atos pré-jurídicos do procedimento que culmina no ato de enunciação. Daí a doutrina atribuir o qualificativo "feliz" ou "infeliz" à enunciação, que não atinge a validade da enunciação-enunciada, tampouco a do enunciado-enunciado.9Por sua vez, a vigência é a capacidade que toda norma jurídica possui para produzir efeitos em determinado tempo e espaço. Assim, tanto as normas jurídicas introdutoras, gerais e concretas, quanto as normas jurídicas introduzidas (nestas podemos incluir tanto a norma jurídica em sentido amplo, como a norma jurídica em sentido estrito) terão sua vigência delimitada no tempo e no espaço.

Paulo de Barros Carvalho, ao abordar a questão da vigência, pontifica:10"De quanto se expôs defiui que a norma jurídica se diz vigente quando está apta para qualificar fatos e determinar o surgimento de efeitos de direito, dentro dos limites que a ordem positiva estabelece, no que concerne ao espaço e no que consulta ao tempo".

A vigência dos veículos introdutores, ou enunciação-enunciada, é delimitada pela própria validade, diferindo das normas introduzidas, ou daquelas construídas a partir dos enunciados-enunciados que estão condicionados ao quanto fixado nos veículos introdutores.11A revogação retira a vigência das normas jurídicas com relação aos fatos jurídicos constituídos após a revogação, mas a vigência da norma revogada permanece para os fatos jurídicos ocorridos sob o interregno da sua produção de efeitos. O sistema da norma revogada "S" mantém relação de pertencialidade com a norma revogada, enquanto o novo sistema "S’", dada a enunciação de novo enunciado, a partir do que se construirá a norma revogadora, manterá relação de pertencialidade com a nova norma vigente.

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A validade permanece, posto ser atributo das normas, revogadora e revogada, produzidas por autoridade credenciada pelos sistemas "S" e "S’". A norma revogadora pode ser construída a partir de enunciado expresso12 ou, a partir da interpretação atribuída a determinado veículo introduzido, publicado o veículo introdutor, ou enunciado prescritivo, que passará a compor, a exemplo, a regramatriz de incidência (t2) de forma diversa ao tempo anterior à revogação (t1).

Ao analisarmos a vigência das normas tributárias no tempo, deparamo-nos com um dos limites impostos pelo sistema jurídico ao termo inicial. Conhecido como princípio da anterioridade,13a norma jurídica construída a partir desse enunciado é dotada de forte carga axiológica e se destina à construção das normas jurídicas instituidoras de obrigações tributárias, ou que as majorem, excetuando-se àquelas disciplinadas pelo § 1º. Esse princípio veda a vigência das normas jurídicas que majore ou que institua a obrigação tributária no mesmo exercício financeiro em que o veículo introdutor tenha sido publicado, o que posterga o termo inicial da vigência norma-tiva. E, ainda, é capaz de postergar o termo inicial da vigência, se comparada com aquela disciplinada pelo art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito...

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