O bservações preliminares

AutorAriadne Maués Trindade
Ocupação do AutorAdvogada em São Paulo desde 1998, especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP
Páginas15-26

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1. 1 Breve retrospectiva histórica do direito do trabalho

Analisar o instituto da sucessão no direito do trabalho implica, necessariamente, o retorno às raízes históricas desse ramo do direito. Nossa breve retrospectiva será feita sob o enfoque da proteção ao hipossuficiente na relação subordinada de trabalho e da importância da empresa como unidade produtiva e, portanto, garantidora do pagamento dos créditos do trabalhador diante de alterações na estrutura ou propriedade da empresa1, alterações essas em constante mutação e desenvolvimento, desde o surgimento do trabalho assalariado e, com ele, formas derivadas de trabalho subordinado.2

O trabalho assalariado surgiu como consequência de um processo social iniciado na europa, que os historiadores chamam de revolução industrial. Revolução porque rompeu com antigos regimes sociais, intelectuais e produtivos.3

A revolução industrial inaugurou uma nova mentalidade: a da mudança, e contínua, da organização da sociedade e dos modos de vida do homem, mormente o de seus modos de produção de bens e serviços, o que leva olea a afirmar, acertadamente, que:

Talvez, mais além do que se tem dito, resumindo a profundidade de seus efeitos, as mudanças derivadas da revolução industrial afetaram a mentalidade

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dos homens, mudando-a precisamente no sentido de que passou a ser um de seus componentes "a expectativa e a tolerância da mudança contínua" que, com efeito, tem ocorrido: "a civilização industrial forçou reorganizações da sociedade e dos modos de vida do homem" e que continuam ocorrendo, porque ainda estamos "dentro da onda, e de tal modo aprisionados nela que não só aceitamos a mudança das bases normais da vida social pelo impacto da técnica, e não só assumimos a experiência de uma transformação perpétua [...], de um forjar e reforjar constantemente a vida social" como, além disso, sob o impacto adicional dos pseudodogmas darwinianos, consideramo-nos a nós mesmos "não como projetos de modelo certo, porém como meras possibilidades, maduras para qualquer mutação"; é "o próprio progresso que progride [...] em sua intensidade, em seu tempo, em sua violência" e que situa os homens "em um movimento de excitação permanente voltada para a mudança". [...]4 (grifo do autor).

Esse processo revolucionário iniciou-se com o advento da primeira máquina a vapor, em meados do século XVIII, na inglaterra. Com isso, a sociedade ocidental passou a produzir seus bens de consumo em série e uma nova relação entre capital e trabalho surgiu.

A máquina, símbolo da nova tecnologia que a revolução industrial impõe e generaliza, e o modo de produção dela decorrente e o novo meio circundante que dela emerge - um meio apartado do natural, ou apenas natural enquanto fruto das capacidades naturais do homem -, "repercute (m) sobre os campos mais íntimos da vida social do homem, influi da existência inteira do homem; não pode deixar de afetar nenhuma esfera da existência e nenhum ângulo da cultura" [...]5 (grifo do autor).

Ao redor da máquina passaram a orbitar diversos elementos: o espaço físico, a matéria-prima, os utensílios, as marcas, enfim, os chamados instrumentos de produção e, com eles, os empregados, tudo isso organizado (e a organização é o principal elemento nessa composição) a fim de levar a cabo a produção, a consecução do lucro e a acumulação de capital. Surgiu, pois, a atividade econômica organizada.6

Como precedente histórico imediato à revolução industrial, havia a atividade produtiva manual (daí a expressão manufatura). Na maioria das vezes um pequeno grupo ou mesmo artesão cuidava de todo o processo produtivo, da obtenção da matéria-prima até a comercialização do produto final. Não havia atividade empresarial organizada propriamente dita.

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No entanto, esse artesão não foi a pessoa que se converteu em empresário. A organização do modelo industrial poderia até não exigir inicialmente grandes somas em dinheiro para obtenção de matéria-prima, mas exigia investimento em maquinário caro e capital circulante de longo prazo. O investimento mostrara-se pesado mesmo para as grandes fortunas pessoais, o que levou os empresários a se estruturarem em sociedades (atualmente as sociedades empresárias), com recursos advindos de fontes diversas, os quais podiam ser concentrados para melhor organização.

As sociedades mercantis de capital, com responsabilidade para o investidor limitada a seu aporte, conhecidas há muito tempo e fundamentalmente aplicadas às operações comerciais, começam a ser utilizadas agora nas atividades diretas de produção ou naquela dos meios de transporte, na estrada de ferro notadamente. A sociedade mercantil supõe, por si só - além de sua duração, não limitada à da vida humana, e a atração simples de recursos ao limitar a estes a responsabilidade dos sócios -, a integração em uma unidade superior e poderosa, do ponto de vista financeiro, de uma pluralidade de investidores, para os quais, de qualquer forma, a imobilização real de seus aportes deixa de ser tal, ao formalizar-se em ações, em geral em títulos de crédito, cuja transmissibilidade é progressivamente facilitada. Isto - ligado à segurança relativa que proporcionam as formas societárias que limitam a responsabilidade do sócio ao aporte de capital –, por sua vez, estimula o investimento e reforça o sentido primário da concentração financeira que traz consigo a revolução industrial; [...]7

Com a revolução industrial os trabalhadores perderam o controle do processo produtivo (matéria-prima, produto final e lucro) e passaram a trabalhar para um patrão. Instalou-se a exploração do homem pelo homem e, com ela, a relação subordinada de trabalho com o trabalho assalariado. De um lado o empregador (patrão), dono dos instrumentos de produção e do capital, detentor de todo o lucro (gerador da acumulação de capital), e, de outro, o empregado, subordinado ao empregador e dependente dessa relação para sobreviver. Configurou-se o modo de produção capitalista.

Adam Smith, na sua Riqueza das Nações, defendeu o capitalismo. Para ele, o capitalismo era salutar para a sociedade, uma vez que vigora o individualismo. Cada um, por si só, poderia ascender de classe social à medida que se esforçasse para produzir mais e melhor. O patrão se esforçaria para produzir bens cada vez mais baratos e melhores, o que beneficiaria toda a sociedade e, por sua vez, o empregado esforçar-se-ia para manter seu emprego e salário, trabalhando cada vez mais e melhor.

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Uma espécie de mão invisível tornaria essa relação harmoniosa naturalmente. Eram as influências do liberalismo e das ideias iluministas da época.8

Não durou muito para se perceber que a relação entre empregados e empregadores era bastante desequilibrada e desarmoniosa e não houve qualquer mão invisível capaz de minorar os respectivos efeitos.

As jornadas excessivas, a exploração de mulheres e crianças, os acidentes e doenças, a insegurança quanto ao futuro e momentos nos quais não tivessem condições de trabalhar e a sujeição às intempéries do patrão capitalista que decidia não só quanto pagar, mas quando e se pagaria os baixos salários praticados, eram as condições de trabalho a que o proletariado tornou-se exposto.

Se tal exposição passou a ocorrer foi porque, principalmente, não havia um direito regulamentando a relação empregado/empregador.

Diante das adversidades das precárias condições de trabalho, o proletariado reagiu. E em resposta a essa reação, o estado teve que intervir. Surge o direito laboral, regulando a relação subordinada de trabalho, não como fruto da "benevolência de filantropos, da classe patronal ou do estado"9, mas dessa reação proletária coletiva, ávida por proteção contra o natural desequilíbrio causado pelo modo de produção capitalista e pelo trabalho subordinado.10-11

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o Direito do trabalho é um produto típico do século XIX. Somente nesse século surgiram as condições sociais que tornaram possível o aparecimento do direito do trabalho, como um ramo novo da comum ciência jurídica, com características próprias e autonomia doutrinária. É exagero - e talvez erro de perspectiva histórica - atribuir alguém a sua origem à antiguidade greco- -romana. E isso porque este novo ramo do direito é o resultado, o produto direto da técnica moderna, da industrialização destes últimos tempos. Só com a máquina é que apareceram os problemas humanos e sociais que deixaram de encontrar soluções nos quadros do direito clássico.12

Neste contexto, o da proteção gerada precipuamente pela reação proletária, diante de qualquer mudança na estrutura ou propriedade da empresa, o desenvolvimento da legislação trabalhista emprestou força à unidade produtiva (atividade econômica organizada) como garantidora do pagamento dos créditos do trabalhador.

1. 2 Natureza jurídica do direito do trabalho

Para conceituar o direito do trabalho e justificar a interpretação dada ao instituto da sucessão analisado no presente trabalho, mister se faz determinar sua natureza jurídica, o que nos conduz à clássica distinção entre direito público e direito privado.

Gomes e Gottschalk afirmam, em relação à citada divisão do Direito, que "inútil se torna a busca de um elemento diferenciador dos dois campos do Direito, porque afinal se acabaria perdendo no emaranhado de uma avalanche de teorias (Holliger

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conseguiu catalogar 104) explicativas da distinção entre direito público e privado"13.

Nascimento complementa, a esse respeito, que "[...] a distinção entre direito público e direito privado é meramente ideológica. Varia, no tempo e no espaço. Não é essencial. Vale como método de estudo, de grande utilidade. Porém, o direito existiria ainda que não existisse essa discriminação de setores".14

Muitos, inclusive, defendem a inutilidade da própria distinção, diante da...

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