O espaço normativo da dupla incriminação

AutorAnamara Osório Silva
Ocupação do AutorProcuradora da República em São Paulo
Páginas45-64
PARTE II – A DUPLA INCRIMINAÇÃO
E A EXTRADIÇÃO NO BRASIL
título i
O ESPAÇO NORMATIVO DA
DUPLA INCRIMINAÇÃO
1. A DUPLA INCRIMINAÇÃO E A EXTRADIÇÃO COMO
INSTRUMENTO DE COOPERAÇÃO JURÍDICA
INTERNACIONAL. O PROCESSO DE EXTRADIÇÃO PASSIVA
A extradição é um dos veículos em que se manifesta a cooperação jurí-
dica entre os Estados.
A cooperação jurídica internacional pode ser denida como o conjunto
de atos de auxílio entre Estados e entre Estados e organizações internacio-
nais, destinados à preparação, desenvolvimento e execução dos seus dife-
rentes produtos.1
Trazendo o conceito ao campo penal, Raúl Cervini dene o termo
cooperação como
o conjunto de atividades processuais (cuja projeção não se esgota nas
simples formas), regulares (normais), concretas e de diverso nível, cum-
pridas por órgãos jurisdicionais (competentes) em matéria penal, per-
tencentes a distintos Estados soberanos, que convergem (funcional e
necessariamente) em nível internacional, na realização de um mesmo
m, que não é senão o desenvolvimento (preparação e consecução) de
um processo (principal) da mesma natureza (penal), dentro de um estrito
marco de garantias, conforme o diverso grau e projeção intrínseca do
auxílio requerido.2
1 O conceito foi desenvolvido pelo Professor André de Carvalho Ramos durantes as aulas ministra-
das na disciplina “Cooperação Jurídica Internacional” para os alunos de pós-graduação da FDUSP.
O termo “jurídico” foi eleito o mais adequado, porque, embora voltada à função jurisdicional, a
cooperação internacional também se destina à prática de atos pré-processuais, em antecipação à
função jurisdicional, daí não ser “jurisdicional”, tampouco seria “judiciária”, porque representa,
igualmente, atividades desenvolvidas por órgãos não judiciários, como o Ministério Público (com
exceção de certos países, a exemplo da Itália e França), e pela mesma razão se justicaria a não
utilização do termo “judicial”.
2 CERVINI, Raúl; Juarez Tavares. Princípios de cooperação judicial penal internacional no Protocolo
do Mercosul. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2000. p. 51.
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dupla incriminação no direito internacional contemporâneo
análise sob a perspectiva do processo de extradição
anamara osório silva
Nádia de Araújo, por sua vez, entende a cooperação como um intercâm-
bio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas proces-
suais do Poder Judiciário e de outro Estado.3
Na mesma linha, dene-a Ricardo Perlingiero Mendes, isto é, como um
intercâmbio de atos públicos, legislativos e jurisdicionais.4
A despeito das diferentes terminologias e conceitos atribuídos ao tema
cooperação internacional, no tocante a sua nalidade, os autores costumam
ser uniformes em apregoá-la como uma necessidade no mundo contemporâ-
neo.5 Não por acaso, prolifera o número de tratados e acordos internacionais
em matéria de cooperação jurídica internacional.
A extradição é uma das formas pelas quais os Estados exercem esse
auxílio mútuo,6 consistindo, como já dissemos, no procedimento através do
qual um Estado (Estado requerente) solicita a outro (Estado requerido) a en-
trega de pessoa processada ou condenada para o m de responder a processo
criminal ou cumprir uma pena.
Quando a extradição é para o m de responder a processo criminal, di-
zemos que a extradição é instrutória, quando objetiva a entrega de pessoa
condenada para o cumprimento de pena no Estado requerente, dizemos que
a extradição é executória.
Ao procedimento que regula a solicitação do Estado requerente dá-se
o nome de extradição ativa; a entrega pelo Estado requerido, por sua vez,
é disciplinada através do procedimento conhecido por extradição passiva.
A dupla incriminação, como condição para a extradição, deve ser anali-
sada no âmbito do procedimento de extradição passiva, a que damos o nome
de ação de extradição passiva. Assim, é o juízo do foro onde se encontra o
extraditando que cará responsável por examinar se o fato imputado pelo
Estado requerente é ou não crime segundo a legislação penal local.
No Brasil, a ação de extradição passiva encontra matriz constitucional.
3 ARAÚJO, Nádia. Cooperação jurídica internacional no Superior Tribunal de Justiça: comentários
à Resolução nº 9/2005. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 2.
4 SILVA, Ricardo Perlingiero Mendes da. Cooperação jurídica internacional e auxílio direto. Revista
CEJ, Brasília, n. 32, p. 76, jan./mar.2006.
5 Para citar, Anne Marie Slaughter explica que a soberania Westphaliana enfrenta dois desaos fun-
damentais hoje: o desao da inefetividade (a habilidade estatal para controlar seu próprio território
sem a interferência externa não é mais suciente para permitir governar efetivamente, fornecer
segurança, estabilidade econômica, medidas de prosperidade, ar e água limpos, e padrões de saú-
de) e o desao da interferência. Os Estados não podem ser efetivos atuando sozinhos ou deixando
outros Estados sozinhos. Precisam auxiliar outros Estados, senão o zerem serão deixados à parte.
SLAUGTHER, Anne Marie. Sovereignty and power in a networked world order. Stanford Journal
of International Law, v. 40, 2004.
6 A expressão aqui foi utilizada como sinônimo de cooperação recíproca, não confundir com assistên-
cia mútua ou auxílio direto.
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