A proteção dos direitos fundamentais na extradição passiva e a dupla incriminação

AutorAnamara Osório Silva
Ocupação do AutorProcuradora da República em São Paulo
Páginas65-91
título ii
A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
NA EXTRADIÇÃO PASSIVA E A DUPLA
INCRIMINAÇÃO
1. A INTERDEPENDÊNCIA E A INDIVISIBILIDADE DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS. A PROTEÇÃO DO EXTRADITANDO E A
PROTEÇÃO À VITIMA DOS DELITOS COMETIDOS EM SOLO
ESTRANGEIRO
Antes de analisarmos o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no
assunto, precisamos ter em mente que na relação extradicional existe uma
pluralidade de interesses envolvidos. Por um lado, os interesses do extradi-
tando, enquanto acusado ou réu em ação penal em curso ou nda no Estado
requerente, por outro, os interesses da vítima ou vítimas dos delitos come-
tidos, em tese, pelo extraditando, e por m, o ânimo persecutório do Estado
requerente, que tem o dever de aplicar a Justiça e promover a segurança
pública em seu território.
Essa pluralidade de interesses nos conduz a dizer que existe um feixe de
direitos fundamentais na relação extradicional, entre os quais não existe hie-
rarquia ou grau de relevância de pronto. Tal feixe de direitos fundamentais
não pode ser desprezado pelo julgador do pedido de extradição, sob pena de
proteger apenas alguns dos direitos reconhecidos.
Isso implica o reconhecimento do caráter indivisível e interdependente
dos direitos humanos.
Explica André de Carvalho Ramos que a indivisibilidade dos direitos
humanos consiste no reconhecimento de que todos os direitos humanos de-
vem ter a mesma proteção jurídica, uma vez que são essenciais para uma
vida digna.1 Por isso, acrescenta que a classicação entre direitos civis e po-
líticos, de um lado, e direitos econômicos, sociais e culturais, de outro, perde
o sentido nos dias atuais. Em outras palavras, o direito do extraditando à
liberdade intercomunica-se com o direito da vitima à proteção social por
1 CARVALHO RAMOS, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 163.
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dupla incriminação no direito internacional contemporâneo
análise sob a perspectiva do processo de extradição
anamara osório silva
parte dos Estados, requerente e requerido, não possuindo aquele maior di-
mensão objetiva que este, não cabendo ao Estado, portanto, maior atenção
na implementação dos direitos do extraditando em detrimento dos direitos
da vitima.
Tais direitos são também interdependentes, isto é, possuem mútua de-
pendência, pois o conteúdo de um pode vir a se vincular ao conteúdo de ou-
tro, demonstrando a interação e a complementariedade entre eles.2Assim, a
relação extradicional deve servir, a um só tempo, à promoção da cooperação
entre os povos, atentando-se ao respeito aos interesses do Estado estrangei-
ro, e, de forma equilibrada, à proteção dos direitos fundamentais da vítima
e do extraditando.
Em seus julgados, o Supremo Tribunal Federal formalmente reconhece
a indivisibilidade e a interdependência dos direitos fundamentais, pois tanto
alude ao aspecto subjetivo da relação extradicional, no tocante ao direito
do extraditando a um controle de legalidade por parte do Estado requerido,
quanto ao princípio da cooperação entre os povos, lembrando que a extradi-
ção possui o objetivo de promover ambas as facetas.3
Para sabermos, no entanto, se nossa Corte Suprema promove de forma
equilibrada esse duplo objetivo, faz-se necessário analisar o posicionamento
que prepondera em seus julgados.
Comecemos com a análise do que a Corte entende por dupla incrimi-
nação e do controle de legalidade exercido que, segundo entendimento do
Supremo Tribunal Federal, serve à proteção do extraditando.
2. O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
ANÁLISE DA DUPLA INCRIMINAÇÃO, EM ABSTRATO OU EM
CONCRETO? O SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA
Vimos que a dupla incriminação em abstrato requer que o fato imputa-
do seja duplamente típico perante a legislação de ambos os Estados. O que
signica dizer que a autoridade competente no Estado requerido, no caso do
Brasil, o Supremo Tribunal Federal, deverá analisar, na ação de extradição
passiva, se a tipicidade4 do fato, perante ambas as legislações, encontra-se
presente.
2 Id. Ibid., p. 165.
3 O processo extradicional é um processo de cooperação, mas também uma garantia indisponível em
favor do próprio extraditando (Ext. 751 e 909).
4 A doutrina penal diferencia tipicidade formal do fato da tipicidade material. Tipicidade formal é o
juízo de subsunção do fato à norma penal primária, ao passo que tipicidade material é a potencial lesi-
vidade da conduta ao bem jurídico protegido. É onde entra o princípio da insignicância. Neste caso,
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