A estratégia do neoconservadorismo revelada em suas intervenções como amici curiae no STF: da autoridade moral religiosa à luta contra a 'doutrinação' LGBTQIA+

AutorGustavo Buss, Estefânia Maria de Queiroz Barboza
CargoProfessora de Direito Constitucional da graduação e da pós-graduação da UFPR e do Centro Universitário Uninter. Mestre e Doutora em Direito pela PUCPR, com período sanduíche na Osgoode Hall Law School (York University, Canadá). Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese de 2012. Co-chair do ICON-S Brasil. Vice-presidente da AIBDAC ? Associação...
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol.13, N.02, 2022, p.1224-1261.
Estefânia Maria de Queiroz Barboza e Gustavo Buss
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/66755| ISSN: 2179-8966
A estratégia do neoconservadorismo revelada em suas
intervenções como amici curiae no STF: da autoridade moral
religiosa à luta contra a “doutrinação” LGBTQIA+
Neoconservatism’s strategy revealed through its interventions as amici curiae in
the Brazilian Supreme Court: from religious moral authority to the fight against
LGBTQIA+ “indoctrination”
Estefânia Maria de Queiroz Barboza¹
¹ Universidade Federal do Paraná e Centro Universitário Internacional Uninter, Curitiba,
Paraná, Brasil. E-mail: estefania.barboza@ufpr.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-
9829-5366.
Gustavo Buss²
² Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail:
gustavo@sqbadvogados.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4808-7905.
Artigo recebido em 27/04/2022 e aceito em 27/4/2022.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol.13, N.02, 2022, p.1224-1261.
Estefânia Maria de Queiroz Barboza e Gustavo Buss
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/66755| ISSN: 2179-8966
Resumo
O presente artigo sugere uma investigação da estratégia neoconservadora que ameaça
direitos LGBTQIA+ já conquistados ou que se pretende co nquistar. Para tanto, além de
investigações comparativas acerca dos conceitos chave deste novo conservadorismo
emergente, cujo marco são as descrições propostas por Melinda Cooper e Marina
Lacerda, pretende-se uma análise empírica de intervenções selecionadas desses grupos
como amici curiae em ações do STF, partindo do método universalista descrito por Mark
Tushnet e Ran Hirschl. Tal inquirição é capaz de revelar as estratégias específicas da luta
contra o pluralismo e contra a liberdade das pessoas LGBTQIA+, que posicionam a
diferença como inimiga e que vocalizam a autoridade moral como caminho para a
erradicação do “mal”. Ao fim, a proposta ora avançada se revela uma importante
ferramenta para compreensão dos desafios hoje evidentes, buscando que tal consciência
revigore a luta pela construção de uma democracia verdadeiramente plural.
Palavras-chave: Neoconservadorismo; Autoridade Moral; Religião; Direitos LGBTQIA+.
Abstract
The present article suggests investigating the neoconservative strategy which threatens
LGBTQIA+ already conquered or intended to. For the endeavor, beyond the comparative
investigation of the new conservatism’s key concepts, based on Melinda Cooper’s and
Marina Lacerda’s descriptions, it undertakes an empiric analysis of selected interventions
from these groups as amici curiae before the Brazilian Supreme Court, with the outset of
the universalist method described by Mark Tushnet and Ran Hirschl. Through the inquiry,
it is possible to bring to the fore the specific strategies used to fight against pluralism and
individual freedom of LGBTQIA+ people, which position difference as an enemy and
vocalize moral authority as a way to eradicate “evil”. In the end, the proposal here
fostered reveals itself as an important tool for the comprehension of current challenges,
aiming that such conscience can reinvigorate the fight for the construction of a truly
pluralistic democracy.
Keywords: Neoconservatism; Moral Authority; Religion; LGBTQIA+ Rights.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol.13, N.02, 2022, p.1224-1261.
Estefânia Maria de Queiroz Barboza e Gustavo Buss
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/66755| ISSN: 2179-8966
1. Introdução
O século XXI tem demonstrado a possibilidade de articulação de movimentos
progressistas, com destaque para a comunidade LGBTQIA+, na luta pela concretização de
direitos fundamentais e humanos. Até por isso, em um cenário político pulverizado, como
o brasileiro, é natural que o Judiciário, e em especial o Supremo Tribunal Federal, acabe
se confrontando com questões inerentes à maximização de direitos e liberdades
individuais. A população LGBTQIA+, que existe e vive dentro do corpo social, passou a
compreender a judicialização como um caminho necessário para a reafirmação de sua
legitimidade, tendo desaguado em importantes conquistas, como o reconhecimento da
união estável homossexual, a criminalização da homotransfobia, a garantia de alteração
do nome e sexo por pessoas transexuais em seus documentos oficiais, dentre outros
temas que já foram ou serão apreciados pelo STF.
O objeto do presente dossiê propõe a indagação acerca dos “novos rumos para
o direito das pessoas LGBTI+”. Assim, em face das significativas conquistas alcançadas
recentemente, propõe-se questionar: quais os caminhos para a continuidade da luta que
se iniciou? Como avançar e garantir aquilo que já parece consolidado? Seriam as
conquistas judiciais recentes suficientes para afirmação de que a causa se esvaziou? Há
ainda campo de embate para o movimento? As respostas parecem simples, pois até o
mais desatento observador se deparou com alguma notícia recente de supressão de
direitos, inclusive por atores governamentais, que colocam em voga a pauta LGBTQIA+.
Se as últimas décadas pareceram promissoras para a efetivação de uma
democracia plural, é preciso reconhecer que também espaço para um
contramovimento conservador que busca ressignificá-la. As mesmas decisões judiciais,
celebradas no ambiente progressista, permitem uma tomada de consciência pela
comunidade política, que se vê compelida a agir em matérias das quais outrora se
esquivava e que são compreendidas como destoantes do perfil moral da sua base eleitoral
majoritária (KLARMAN, 2013, p. 166). É nesse contexto que se concebe o fenômeno do
backlash, como uma resposta política orquestrada, contrária ao avanço de movimentos
progressistas.
O presente artigo parte, portanto, de um pressuposto fático: o de que há um
movimento neoconservador no Brasil, cuja articulação política se intensificou nos últimos
anos. Sob o prisma teórico, a delimitação do neoconservadorismo servirá para evidenciar

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