Estréia do Rábula

AutorPedro Paulo Filho
Ocupação do AutorFormado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, foi o 1º presidente da 84ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil
Páginas259-263

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Em suas memórias, Café Filho relatou que perto do Ateneu Norte-Rio-Grandense ficava a Prefeitura, em cujo edifício funcionava o Tribunal do Júri; gostava de sair das aulas, e assistir os julgamentos.

Quase todas as tardes, detinha-se ali, na curiosidade dos seus dezessete para dezoito anos, a ouvir o diálogo entre o promotor e os advogados de defesa.

Atravessava um corredor e uma ante-sala para chegar ao plenário.

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"Mais tarde, encontrei em uma dessas dependências uma jovem mulher amamentando uma criança.

Outras duas crianças, mais crescidas, esfarrapadas, tinham os rostos assustados, procurando proteção junto ao colo materno, contra o ambiente desconhecido e hostil.

Era ao todo um grupo familiar miserável, ante a indiferença dos que entravam e saíam.

No banco dos réus, sentava-se o chefe de família, também paralizado e abandonado, na sua camisa rota de fora das calças velhas e curtas que não baixavam, mesmo que ele se erguesse do banco, até os pés descalços e maltratados.

Impressionou-me o quadro: a mulher amamentando a criança e o homem largado ali, sem encontrar quem o defendesse do seu crime.

Numa briga, esfaqueara um desafeto.

Assisti a vários advogados declinarem do chamado para defendê-lo e deixavam o recinto.

Outros, antes de serem chamados, desapareciam.

Não começara ainda o julgamento e ameaçava não começar, existindo, como só existia, a presença do acusador".

O oficial de justiça desceu até o auditório e foi perguntando de um a um se alguém dos presentes, poderia defender o réu.

Os assistentes, um a um, e bem assim os advogados de ofício, foram se escusando.

De repente, o oficial passou diante de João Café Filho que olhava constritado o pobre homem sem defesa, encolhido e imóvel no seu infortúnio.

Com jeito de caçoada, perguntou:

- Você quer defender aquele infeliz? Rápido, Café Filho respondeu:

- Defendo!

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O corpo de jurados já se impacientava com a longa espera, tendo-se a impressão de que todos estavam ansiosos para condenar o réu, até mesmo porque ali estavam por longo tempo pessoas que tinham outros afazeres na vida.

A demora, por culpa que não era do réu, tornava-o culpado duas vezes.

Culpado de haver cometido um crime infamante e por criar um impasse irritantemente protelatório no julgamento, que deveria ser rápido, a fim de permitir o retorno dos jurados às suas casas e aos seus negócios.

O meirinho Abílio Cavalcanti, mais tarde, Juiz de Direito, ao escutar o taxativo "Defendo" de Café...

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