A Fama do Rábula

AutorPedro Paulo Filho
Ocupação do AutorFormado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, foi o 1º presidente da 84ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil
Páginas263-271

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José Café Filho chegou a revelar: "Eu não me diplomei - esta é a verdade - por uma questão de escrúpulos; exercendo já a advocacia, como provisionado, pois, para tanto fizera exame no Tribunal de Justiça, em Natal, acanhei-me de apresentar ao vestibular da Faculdade de Direito por haver feito quatro ou cinco preparatórios por decreto, como o permitia a legislação da época.

Dispersei-me na profissão de advogado, de pequeno advogado de estivadores, pescadores, tecelões e outras categorias, em Natal e no interior do Rio Grande do Norte.

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O meu sucesso no Tribunal do Júri se espalhou ao absolver aquele réu sem defensores. Fui sendo chamado para patrocinar outras causas, medindo-me, como advogado de defesa, com o promotor público Kerginaldo Cavalcanti, que fazia a acusação.

Como provisionado, cheguei a ser também promotor público interino.

Perguntaram, certa feita, ao rábula Café Filho de onde provinha o seu grande prestígio no Estado do Rio Grande do Norte.

Ele respondeu:

- De andar até sessenta léguas no lombo de um cavalo para ir ao interior fazer a defesa de presos pobres, que não podiam pagar advogados.

Deslocava-me, em algumas ocasiões, convidado ou contratado por pessoas que me podiam pagar alguma coisa. Mas, essa circunstância não invalida, absolutamente, a observação do meu comteporâneo. Os honorários não justificariam as ásperas jornadas que empreendia.

Teriam um valor simbólico, mesmo naquele tempo, não representando, assim, normalmente, o preço do esforço para estar presente em distantes sessões do Júri.

Movia-me dominado por um sentimento de justiça, que, sempre exerci e pratiquei, sem alarde, de uma forma quase instintiva.

Era muito raro, em minha carreira de advogado, faltarem-me oportunidades de defender pessoas que sequer me conheciam, nem eu a elas, defendendo-as gratuitamente.

Em Taipu, onde Café Filho foi advogar a causa de um cliente amigo, o dr. Virgílio Dantas, juiz de Direito, depois de atendê-lo com certa formalidade, disse-lhe:

- Estou aqui com um outro caso, que até hoje não pude julgar, porque ainda não encontro quem quisesse defender os réus.

Depois de Café Filho fazer considerações sobre a situação difícil dos que não podem custear a própria defesa, o Juiz interrompeu-o:

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- Mas, esse não é todo o problema. Outros criminosos na mesma situação têm encontrado quem os defenda. Trata-se de um caso escabroso que revoltou a população. Foi mais que um crime, uma aberração. Não sendo o senhor aqui de Taipu, tendo vindo de fora, talvez, possa funcionar como advogado de defesa. Se aceitar a causa, incluirei o processo desses réus na presente sessão do Júri.

Café indagou:

- Quem são os réus?

- Um velho e uma menina. A menina é filha do velho, que a violentou e engravidou. Ao nascer a criança, produto do incesto, os dois a mataram.

O rábula percebeu logo o constrangimento do magistrado ao narrar os detalhes do processo verdadeiramente escabroso, aduzindo:

- Uma coisa asquerosa. Para facilitar a defesa, talvez fosse melhor dividir o processo em dois. O senhor defenderá um dos réus, acusando o outro e, em seguida defenderá ou outro, acusando o primeiro.

Na realidade, havia dois crimes: o da violação sexual e o do assassínio da criança.

Relatou Café Filho: "Fui à cadeia pública, onde pai e filha aguardavam julgamento.

A expressão "o velho" poderia ou não definir a idade do homem. O físico encurvado e gasto confundia nele a noção do tempo. O rosto magro se destacava por uma crescida barba suja em que os fios se haviam desenvolvido, como tudo o mais naquele ser miserável, de uma maneira vegetativa.

Os olhos fundos não refletiam desespero ou vergonha. Não...

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