Exceções de impedimento e suspeição: em favor da imparcialidade do magistrado

AutorRoberto Victor Pereira Ribeiro
CargoAdvogado Assessor Jurídico Especial do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Ceará Membro-diretor da Academia Cearense de Letras Jurídicas
Páginas6-11

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“Os cidadãos não tem um direito adquirido quanto à sabedoria do juiz, mas tem um direito adquirido quanto à independência, autoridade e responsabilidade do juiz.”

(Eduardo Couture)

1. Introdução

Calamandrei já nos norteava:

“Quando o direito está ameaçado e oprimido, desce do mundo astral, onde descansara no estado de hipótese, e espalha-se pelo mundo dos sentidos. Encarna-se, então, no juiz e torna-se a expressão concreta de uma vontade operante por intermédio de sua palavra. O juiz é o direito tornado homem.”1E por ser homem, muitas vezes, senão todas, acabam sendo falhos. Afinal de contas, a falibilidade é algo intrínseco à natureza humana. Para aparar algumas dessas arestas, os cientistas jurídicos processualistas desenvolveram as exceções, verdadeiros remédios processuais contra as moléstias humanas dos magistrados.

Não podemos perder de vista e de mente que:

“O juiz é um terceiro estranho no processo, que não partilha dos interesses e dos sentimentos das partes litigantes, com uma postura externa, examina o processo com serenidade e desapego. O juiz está acima das partes. O motivo que o leva a julgar não é um interesse pessoal e nem é movido pelos sentimentos individuais existentes no conflito, o interesse que o move é o interesse superior de ordem coletiva, para que a contenda se resolva de modo pacífico, a fim de preservar a paz social.”2

Mas por ser homem, o magistrado pode possuir sentimentos idiossincráticos que atentam contra a imparcialidade de julgar. Esses sentimentos podem ser de cunho familiar, financeiro, moral, político3 etc., como tão bem lecionava o inolvidável Pontes de Miranda: “O interesse do magistrado não é só em questões jurídicas, podendo ocorrer também interesse moral e ético, inclusive interesse religioso.”4

Neste contexto, urge a necessidade imperiosa das exceções de impedimento e suspeição. Tais procedimentos são como uma espada a descortinar sensações às vezes até ignoradas pelo magistrado condutor do processo. Como tão bem advertia Edgard de Moura Bittencourt, magistrado dos mais notáveis, “a Magistratura, um dos poderes políticos da nação, é o próprio povo feito função”5. E quem do povo não traz em sua essência a tábula do proceder, das afinidades, dos gostos, dos sentimentos, dos repúdios? Como podemos querer que um magistrado extremamente católico julgue uma demanda contra a Igreja Apostólica Romana? Como podemos exigir de um magistrado que o mesmo depois de ter sido violentamente assaltado possa, de forma totalmente imparcial, julgar um celerado contumaz em roubar pessoas?

O próprio códice de Processo Civil leciona que o “juiz que violar o dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser recusado

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por qualquer das partes”; portanto, é um dever do magistrado declararse suspeito ou impedido, podendo lançar mão inclusive do motivo de foro íntimo. Ao perpetuar este dever, o magistrado homenageará, de certo modo, a máxima do desembargador Augusto Duque, de que, em algumas situações, o “que pode fazer o juiz para ser melhor do que é? Sentir-se pequeno para ser grande”.

Em não se perfazendo tal ato (dever), as partes poderão por meio de procedimento próprio recusar o magistrado. Estamos, pois, diante da fundamentação da existência das exceções de impedimento e suspeição. Ademais, estamos diante da preservação de dois grandes princípios fundamentais do processo: o princípio da imparcialidade do juiz e o princípio do devido processo legal.

Com vigor, assegurando a plena imparcialidade do magistrado, a Constituição Federal de 1988, a carta cidadã, estipulou certas restrições e vedações aos magistrados. Dentre as quais, citamos, não poder “receber custas ou participação em processo”, “exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério” e “dedicar-se à política partidária”.

Destarte, o magistrado deve caminhar pela trilha independente de paixões e sentimentos. Para tanto, o sistema jurídico brasileiro lhe doou também o princípio do livre convencimento, que em outras palavras assegura ao juiz as condições para julgar de forma livre a partir do que lhe foi apresentado por meio de petitórios e provas. Nessa assertiva, pode existir a figura do inconformismo, ou não aceitação da prestação jurisdicional emanada pela autoridade judicante. Assim, não se pode fazer confusão entre a postura parcial do juiz e a não aceitação de sua decisão. Diante de um processo, o juiz, em regra, acolhe os petitórios formulados pelo demandante ou pelo demandado, não havendo, portanto, nenhuma mácula em se nor-tear pelo pedido da parte. Caminhar nessa direção não quer dizer parcialidade, e as partes devem se sujeitar à decisão. Alegar que o magistrado acolheu a tese de uma das partes não é, de forma alguma, motivo que enseje parcialidade de sua parte.

Devemos ter em mente e consciência que a parcialidade é personificada nas condutas de desvio emocional do magistrado, amizade notória e íntima com uma das partes, sentimento público de apoio ou repúdio ao objeto da demanda, julgamento totalmente contrário ao posto no processo, conduta benéfica direcionada a uma das partes sem motivo ou necessidade, entre outras.

Diante de tais posturas prefaladas, o ordenamento jurídico brasileiro gestou medidas para o afastamento do magistrado que incorre em parcialidade: são as exceções de impedimento e suspeição.

Exceções são procedimentos endoprocessuais nos quais se alegam fatores que aleijam os pressupostos processuais ou as condições da ação e servem para disciplinar, retirando do trajeto processual os obstáculos ou barreiras que podem corromper a imparcialidade da justiça.

Alguns doutrinadores diferem exceção de objeção. Para eles, exceção é uma defesa em strictu sensu que só pode ser conhecida pelo juiz quando alegada pela parte, enquanto, por seu expediente, objeção é a defesa que será conhecida pelo juiz exoficcio.

Tem-se conhecimento de duas espécies de exceção: dilatória e peremptória.

A exceção dilatória é formada pelo desejo de procrastinar o processo, fazendo-o, realmente, trilhar mais devagar seus passos até esclarecer a possível mácula. A exceção de suspeição é um exemplo.

Em seu turno, a exceção peremptória se concretiza na busca real de extinção do processo. A exceção de litispendência, no processo penal, é um exemplo.

A propósito, na esfera processual penal podemos falar ainda de incompatibilidade. Ou seja, além da suspeição e impedimento do magistrado, é possível falar ainda na sua incompatibilidade. A conduta do magistrado pode ser incompatível quando ele tem à sua frente julgamento de fato ocorrido dias antes com ele. Exemplo já citado do magistrado que foi assaltado violentamente e dias depois vai julgar um assaltante contumaz. Seu julgamento poderá ser suscitado incompatível.

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