Execução de alimentos: reflexões sob a perspectiva da solidariedade familiar

AutorFernanda Tartuce
Ocupação do AutorMestra e Doutora em Direito Processual pela USP. Professora e coordenadora em cursos de especialização em Direito Civil e Processual Civil. Advogada e mediadora.
Páginas559-577
EXECUÇÃO DE ALIMENTOS:
REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA
SOLIDARIEDADE FAMILIAR
Fernanda Tartuce
Mestra e Doutora em Direito Processual pela USP. Professora e coordenadora em
cursos de especialização em Direito Civil e Processual Civil. Advogada e mediadora.
Sumário: 1. Introdução – 2. Alimentos e compreensão sobre a solidariedade; 2.1 Perspectiva de um
caso; 2.2 Solidariedade como princípio e fundamento do direito de família; 2.3 Obrigação de ambos,
endividamento dela? – 3. Consenso e inadimplemento de alimentos; 3.1 Conitos, subjetividades
e enganos; 3.2 Tentativa de negociação direta; 3.3 Participação em mediação ou conciliação; 3.4
Execução de alimentos e designação de audiência consensual – 4. Conclusão – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Abordar a execução de alimentos traz à mente situações como inadimplência,
justif‌icativa, prisão e busca de bens. Restringir a ref‌lexão a esses assuntos, contudo,
não é suf‌iciente para tratar o tema com a merecida profundidade.
O descumprimento da obrigação alimentar envolve diversos fatores, merecen-
do destaque os seguintes: a) a obrigação alimentar é contínua e podem ocorrer pro-
blemas posteriores tanto ao momento da f‌ixação como ao tempo do adimplemento;
b) a imensa maioria da população brasileira padece de signif‌icativas dif‌iculdades
econômicas; c) a guardiã f‌ica muito onerada pela falta de contribuição da outra
pessoa detentora do poder familiar; d) eventual pleito de prisão pela inadimplência
pode acabar piorando o relacionamento entre os familiares e distanciá-los ainda
mais.
Na base da obrigação alimentar há valores caros às pessoas e ao sistema jurídico;
afetividade, solidariedade e dignidade são diretrizes essenciais que não podem ser
perdidas de vista no enfrentamento dos impasses familiares.
É imperioso ainda atentar para o fato de que, ao prever a execução da pensão
alimentícia inadimplida com chance de coerção máxima (possível prisão), o orde-
namento jurídico busca passar uma forte mensagem sobre a importância do pleno
cumprimento da obrigação alimentar.
Por tramitarem no foro brasileiro incontáveis processos executivos sobre pen-
sões alimentícias, a contribuição doutrinária se revela essencial para o avanço da
ref‌lexão e o aprimoramento da interpretação das regras sobre os árduos temas à luz
do princípio da solidariedade familiar.
FERNANDA TARTUCE
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2. ALIMENTOS E COMPREENSÃO SOBRE A SOLIDARIEDADE
Para iniciar a abordagem do tema, revela-se importante compreender como a
solidariedade, valor essencial nas relações familiares, impacta na contribuição ali-
mentar entre alimentantes e dependentes.
2.1 Perspectiva de um caso
Claudelice e Edércio foram casados por 12 anos, período no qual tiveram 3 (três)
f‌ilhos (hoje com 2, 4 e 5 anos de idade). Após meses de discussões e distanciamento,
Claudelice reconheceu a ruína do casamento, decidiu se divorciar e comunicou ao
marido tal intenção. Após 5 (cinco) meses de resistência, Edércio concordou com a
separação e aceitou que Claudelice deixasse o lar conjugal levando as crianças para
morar na casa da mãe dela.
Passado um mês da separação de fato, Claudelice chamou Edércio para conversar
e lhe mostrou uma lista de gastos das crianças que somavam 2 (dois) salários-míni-
mos mensais (considerando inclusive parte das contas de água e luz da casa de sua
mãe, que aumentaram consideravelmente desde que para lá se mudaram). Por f‌icar
diversas horas do dia dedicada aos cuidados com as crianças, Claudelice explicou
que só conseguia trabalhar parcialmente e pagar as despesas que somavam meio
salário, pedindo a Edércio que pagasse o restante; ele, porém, se recusou a entregar-
-lhe qualquer valor a título pensão alimentícia, dizendo que apenas concordava em
entregar gêneros alimentícios e vestimentas para as crianças.
Ao ouvir a negativa de Claudelice quanto a tal intenção, Edércio procurou
uma advogada para saber se realmente precisava colaborar de forma mais ampla,
destacando não apreciar a ideia de “auxiliar a ex-esposa em sua nova fase de vida”.
Nesse ínterim, Claudelice buscou representação junto à Defensoria Pública
e promoveu ação de alimentos, como representante dos f‌ilhos, contra Edércio. Na
audiência conciliatória designada no início do processo, após signif‌icativos esforços
da facilitadora do consenso, foi acordado o valor de 1 (um) salário-mínimo mensal
a título de pensão para as três crianças.
Apesar de Claudelice ter achado que o ex-marido foi bem contemplado no acor-
do (já que o valor não representava o que os f‌ilhos efetivamente gastavam), Edércio
achou o valor excessivo e se recusou a pagar o montante já no mês seguinte ao da
f‌ixação por não se conformar em ter que “ajudar tanto a ex”.
O caso é interessante porque no discurso do ex-marido e pai inadimplente há
expressa resistência em adotar iniciativas para a ajudar a mãe e guardiã de seus f‌ilhos
na nova fase de vida. O devotamento de cuidados às crianças perdeu totalmente a
atenção de Edércio, que parece mais preocupado em não auxiliar Claudelice.
A compreensão sobre a solidariedade pode contribuir para o deslinde desse
conf‌lito?

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