Experiência genética com animais: Uma análise à luz do princípiodo desenvolvimento sustentável

AutorFernanda Ravazzano Azevedo Lopes
CargoMestre em Direito Público da Universidade Federal da Bahia
Páginas151-179

Ver nota 1

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1. A manipulação genética

A manipulação genética consiste na alteração do material genético de uma espécie através da inserção de DNA (ácido desoxirribonucléico) no denominado "corpo de prova", a fim de obter características novas que não fazem parte naturalmente do ser objeto da experiência.

Todos os organismos vivos possuem células, que por sua vez são constituídas por conjunto de cromossomos. Estes cromossomos são as cadeias de DNA, responsáveis por todas as informações existentes acerca do ser vivo.

Conforme ex vi, a manipulação genética irá inserir genes na cadeia de DNA do indivíduo, que reproduzirá aquela alteração, fazendo surgir uma espécie geneticamente modificada.

Com tais experiências o que se quer é formar espécies de seres vivos mais resistentes às condições adversas do meio ambiente, o que nos faz ponderar até que ponto o ser humano tem o direito de intervir

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no processo da seleção natural, fundamental para o aprimoramento, adaptação e conseqüente sobrevivência de toda e qualquer espécie.

Existe a manipulação do material genético dos vegetais, com o escopo de se criar seres mais resistentes às pragas, como, por exemplo, os transgênicos. Com efeito, assistimos durante séculos experiências genéticas com animais, o que resulta na formação de espécies novas, como a mula. Outra finalidade apontada para a realização desta manipulação é a experimentação de drogas em animais para saber quais os possíveis efeitos nos corpos humanos. Ora, será legítimo o discurso do pesquisador que altera a composição genética de um animal sob a escusa de que estaria sacrificando uma vida que não a humana? Primeiramente, estamos diante de um discurso antropológico, difuso em nossa cultura. Entende-se que qualquer sacrifício à outra espécie que não a humana é plausível, posto que se estaria buscando alcançar novas formas de se preservar os humanos das mazelas da vida, mesmo que por eles próprios provocadas.

Por fim, há ainda a discutível e intimidadora manipulação genética humana, também com a finalidade de se curar doenças contraídas e de se criar embriões para a doação de órgãos.

Dentro deste quadro, temos a forma mais polêmica de manipulação genética, qual seja a clonagem dos seres vivos. A idéia de se reproduzir cópia fiel do ser original assusta pela confrontação de argumentos religiosos, éticos, morais e pela própria questão concernente aos aspectos biológicos destas reconstruções. A exemplo disto temos o primeiro animal clonado, a ovelha Dolly, que embora exteriormente igual à ovelha original, seu material genético não resistiu às condições naturais do meio ambiente, vindo a ter um envelhecimento extremamente rápido, falecendo.

Preocupa aos estudiosos a entrada desses Organismos Geneticamente Modificados (OGM) nos corpos humanos, através, por exemplo, da ingestão. Se o resultado de tais experimentos é difícil de se determinar com precisão, é mais incerto ainda os efeitos que podem ser produzidos no organismo humano. Com efeito, é interessante transcrevermos a opinião do ilustre Carlos Fontes:

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Estas objecções são refutadas pelos defensores destes procedimentos, avançado com duas razões fundamentais: Em primeiro lugar na natureza nada é estático, dos organismos é uma realidade, embora não tenhamos a perspectiva suficiente para a observar. Não faz pois sentido falar da integridade de uma coisa que não existe. Por último, os engenheiros genéticos quando manipulam gene-ticamente os organismos não manifestam falta de respeito pelos mesmos. A sua perspectiva é outra. A vida para eles não passa de um conjunto de reacções químicas, um gene fora do seu contexto não é mais do que uma molécula. Concluindo: os engenheiros genéticos não trabalham com seres, mas apenas com reacções químicas, moléculas, sistemas mecânicos sofisticados, etc. O seu trabalho consiste em operar laboratorialmente com estes elementos.2É duvidosa ainda a questão envolvendo o direito que o homem tem de interferir no mecanismo biológico da natureza, em relação à seleção natural, podendo vir a provocar uma redução da biodiversidade. Por fim, e mais importante, se pondera o sofrimento que é experimentado por essas espécies vivas que, vítimas da ação predatória e manipuladora do homem, padecem e vêem seus direitos afrontados, desrespeitados, sobretudo o direito a uma vida livre e a integridade física, psíquica e moral.

2. A questão ética

Da análise destas experiências exsurge a preocupação com a questão ética: até que ponto podem os grandes cientistas afirmar que tais experimentos são legítimos, pois buscam novas soluções para o conforto, bem-estar e saúde dos homens? Não se deve considerar a dor e sofrimento sentidos pelos seres vivos objeto dessas experiências?

Com efeito, o que se realiza são atrocidades com outras espécies, sobretudo animal, que não se justificam pela suposta necessidade de se

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preservar a integridade humana. Os cientistas ultrapassam os limites da razoabilidade e criam espécies animais anômalas, sem qualquer necessidade plausível, apenas para o deleite, como por exemplo, recentemente foram criados porcos que "brilham no escuro". Ora, qual a necessidade de se injetar substâncias em porcos para que tenham seus corpos acesos? Temos ainda as diversas experiências com ratos, a mais conhecida foi a criação do "oncorato", criado em 1981 para que adquirisse câncer e tivesse uma morte lenta e sofrida, sem, todavia, ter sido descoberta a cura desta doença.

Neste diapasão, adotamos a lição do biólogo Sérgio Greif, citado pelos alunos do curso de pós-graduação em Jornalismo Científico, do Labjor/Unicamp no artigo "Ética para os animais":

Costumo analisar a indústria da exploração de animais como analiso a indústria da exploração humana: será que a alegação de que a economia depende da escravidão justificaria moralmente a exploração de escravos? E o número de empregos gerados pela indústria do tabaco justificaria o incentivo a esta produção? (...)se por uma hipótese improvável nos tornássemos todos, repentinamente, vegetarianos e abolíssemos o uso de couro, peles, medicamentos testados em animais e tudo o que deriva da exploração animal, certamente haveria um período de transição para um novo modelo econômico onde um número significativo de pessoas estariam desempregadas. Mas novas empresas e uma nova geração de técnicos logo surgiriam, alterando o perfil da mão-de-obra.3A questão ética que envolve essas experiências já preocupa inclusive alguns cientistas - quer porque esses animais utilizados são caros, quer porque é enorme a pressão da sociedade civil, sobretudo das ONG´s

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em defesa dos direitos dos animais - a ponto de terem elaborado recomendações aos departamentos de bioética. Dentre as recomendações, encontramos preceitos que asseveram que os homens são mais importantes que os animais, mas que estes devem ser também respeitados. Percebemos aqui a consagração da falida visão antropocêntrica, difusa e aceita em nossa sociedade, em detrimento aos direitos dos animais. Com tal recomendação, o que se quer dizer é que as práticas cruéis com animais devem ser evitadas, mas se forem necessárias para o "bemestar" do homem, elas serão aceitas e legítimas. Em outro tópico encontramos a afirmação que, toda vez que puder ser evitado o conflito entre os direitos dos homens e dos animais, devem os cientistas usar os meios disponíveis para tanto. Assim sendo, quando for possível a utilização de outros recursos que não-animais, devem os cientistas lançar mão deles. Por fim, chamam a atenção para o fato de que nem sempre os animais ou vegetais trangênicos podem ser ingeridos pelos homens, nem as conclusões destas experiências podem ser aplicadas ao organismo humano, posto que embora guardem semelhanças, existem diferenças que são por nós incompreensíveis, pois não conhecemos toda a natureza e a sua biodiversidade.

Ressalte-se ainda que, os argumentos dos cientistas, buscando sempre colocar o homem num patamar hierárquico superior, se valendo da teoria do especismo, que será mais adiante analisada e criticada, com o escopo único de justificar suas atrocidades, não as legitima em hipótese alguma. A afirmação de que são adotadas sempre medidas que visam reduzir o sofrimento dos animais é um discurso falso e fadado ao fracasso. O que se quer com isso é acalmar a opinião pública, e enganar os olhos cegos e os ouvidos surdos. Não se trata aqui de uma benesse concedida pelos cientistas aos animais, compadecidos com sua situação dolorosa, mas afirmações que não consideram os animais sujeitos de direitos, tampouco capazes de sentir dor, sofrer e de determinar-se quanto a este entendimento. É um discurso antropológico que deve ser derrubado: o que se quer é a substituição dos animais por outras formas de experiências, como o uso de células, tecidos e simulações em computadores.

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Por fim, interessante transcrevermos alguns artigos formulados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal-COBEA, entidade filiada ao INTERNATIONAL COUNCIL FOR LABORATORY ANIMAL SCIENCE (ICLAS), com o escopo de regulamentar os experimentos com animais:

Artigo I. Todas as pessoas que pratiquem experimentação biológica devem tomar consciência de que o animal é dotado de sensibilidade, de memória e que sofre sem poder escapar à dor;

Artigo. II. O experimentador é moralmente responsável por suas escolhas e por seus atos na experimentação animal;

Artigo V: Os investigadores devem considerar que os processos...

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