Exportação de animais vivos no Brasil: uma análise segundo a Lei de Crimes Ambientais e a Constituição Federal

AutorTamiles Brandão Santos Neves, Guilhardes de Jesus Júnior
Páginas99-116
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, v. 5, n. 2, p. 99-116, jul.-dez., 2021 | ISSN 2595-0614
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EXPORTAÇÃO DE ANIMAIS VIVOS NO BRASIL: UMA ANÁLISE SEGUNDO A
LEI DE CRIMES AMBIENTAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LIVE ANIMALS EXPORT IN BRAZIL: AN ANALYSIS ACCORDING TO THE
ENVIRONMENTAL CRIME LAW AND THE FEDERAL CONSTITUTION
Tamiles Brandão Santos Neves
Guilhardes de Jesus Junior
Submetido em: 19 jan. 2022
Aceito em: 02 fev.2022
RESUMO: Assegurar a preservação ambiental e, principalmente o bem-estar dos animais
não-humanos, tem se mostrado um grande desafio no plano fático, uma vez que os aspectos
culturais, sociais e, sobretudo econômicos, se sobrepõem à correta aplicação da lei. Nesse
sentido, analisa as possíveis ilegalidades do transporte de animais vivos do Brasil para abate
ou engorda no exterior. Para isso, foram empregadas as pesquisas bibliográfica e documental,
além de um caso concreto para elucidar a problemática em questão. Conclui que esta
modalidade comercial deve ser proibida por violar o preceito constitucional de vedação de
práticas que submetam os animais a crueldade e infringir a Lei de Crimes Ambientais.
PALAVRAS-CHAVE: direito animal; crueldade; maus-tratos; bem-estar animal.
ABSTRACT: Ensuring environmental preservation, and especially the welfare of nonhuman
animals, has been a major challenge on the factual level, since cultural, social and, above all,
economic aspects outdo the correct application of the law. Therefore, it analyzes the possible
illegalities of transporting live animals from Brazil for slaughter or fattening abroad. For
that, there were used bibliographic and documentary researches, as well as a concrete case
to elucidate the issue in question. It concludes that this business modality should be
prohibited for violating the constitutional precept of forbidding practices that submit animals
to cruelty and infringing the Environmental Crimes Law.
KEYWORDS: animal law; cruelty; maltreatment; animal welfare.
Sumário: 1. Introdução; 2 Estudo do Caso; 3. Notas sobre o Halal 4. Maus-Tratos x
Crueldade; 5. Análise da Lei de Crimes Ambientais e da Constituição Federal; 6. Conclusão;
Referências.
1. INTRODUÇÃO:
A Constituição Federal estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado como um dos direitos fundamentais, de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, assim como impõe ao Poder Público e à sociedade o dever de preservá-lo e
defendê-lo. Além disso, para assegurar a efetividade desse direito, ela impõe ao Estado o
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Revista Direitos Fundamentais e Alteridade
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dever de proteger a fauna e a flora, além de proibir práticas que coloquem em risco sua função
ecológica ou que submetam os animais à crueldade.
Nesse sentido, no intuito de conceber efetividade ao comando constitucional, foi
promulgada a Lei nº 9.605/1998, a qual ficou conhecida como Lei de Crimes Ambientais.
Esse dispositivo trata basicamente sobre as sanções penais e administrativas derivadas de
condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, sendo que no art. 32 estabelece a pena de
detenção e multa a quem pratica ato de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de
animais, sejam eles domésticos ou não.
Muito embora o ordenamento jurídico brasileiro tenha mecanismos aptos a coibir
diversas condutas danosas ao meio ambiente, na prática, esses elementos muitas vezes se
tornam ineficazes. No que tange ao crime de maus-tratos, observa-se que a sua aplicabilidade
tem tido maior preponderância quando aplicado em casos de animais domésticos, como gatos
e cachorros, por exemplo, do que com os animais criados com finalidade comercial, tais como
suínos e bovinos.
O Brasil é um dos maiores exportadores de carne bovina do mundo, sendo a maior
parte desse mercado constituída de carne processada e congelada, na qual os animais são
abatidos no Brasil e depois exportados. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária Embrapa (2019), o Brasil é o país número um em exportação de carne bovina
do mundo, e responde por 21% das exportações mundiais, além de ser o segundo em
produção da carne bovina, sendo responsável por 17% da produção global.
Contudo, nos últimos anos, houve um crescimento acentuado do mercado de
exportação de animais vivos, também chamado de exportação de gado em pé, que consiste em
uma prática comercial na qual os bovinos são transportados em navios cargueiros para serem
abatidos em outros países. Segundo o Ministério da Economia (online), as exportações no ano
de 2020 chegaram a um valor FOB
1
de US$ 304,19 milhões, e cerca de 110 mil toneladas de
animais vivos, não incluído pescados ou crustáceos, foram exportados pelo Brasil.
O crescimento desse mercado se deve, sobretudo, aos países de religião islâmica,
como Turquia, Arábia Saudita, Iraque e Egito, por motivos religiosos, uma vez que a carne
consumida pelos muçulmanos, chamada de Halal, deve seguir o quanto prescrito no Alcorão,
sendo algumas das principais regras aquelas relacionadas à forma de abate do animal. Ainda
1
Free On Board (FOB) significa “Livre a Bordo”, em tradução livre. É um tipo de frete em que todos os custos e
riscos inerentes ao transporte do produto são assumidos pelo comprador, assim que for colocado a bordo no
navio.

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