Extinção do vínculo societário

AutorJoão Manoel de Lima Junior/Gustavo Tavares Borba/José Gabriel Assis de Almeida
Páginas127-241
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CAPÍTULO 2
EXTINÇÃO DO VÍNCULO
SOCIERIO
A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a extin-
ção de vínculo societário em sociedades empresárias, tanto no
que se refere ao desligamento de sócio por sua própria vontade
como no caso de sua exclusão por iniciativa dos demais sócios, não
caminhou de forma satisfatoriamente técnica, o que decorreu, dentre
outros motivos, do caráter equívoco da expressão “dissolução par-
cial”, da relevância exagerada atribuída ao caráter pessoal do vínculo
societário e da leitura enviesada da regra do inciso XX do art. 5º da
CF/88, que trata da liberdade associativa, e do art. 1.029 do CC/02,
que permite, para as sociedades simples, a retirada imotivada da so-
ciedade por mera noticação aos demais sócios.
A retirada discricionária promove a descapitalização inespera-
da da sociedade, prejudicando, em consequência, a sua eficiência
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DIREITO EMPRESAR IAL NO SUPERIOR TRIBUNAL D E JUSTIÇA
empresarial e, em certos casos, a própria continuidade da empresa.
Por outro lado, a exclusão de sócio por quebra de afeição societária,
sem que se observe o requisito da justa causa (arts. 1.030 e 1.085,
do CC/02), implica que, com fulcro em critérios extremamente eté-
reos, alije-se da sociedade aquele que atribuiu capital para a empresa,
muitas vezes no estágio inicial e mais perigoso do empreendimento,
o que, além de injusto, também não parece conferir estímulos sau-
dáveis ao ambiente empresarial.
Excepcionadas as sociedades de natureza simples (art. 1.029
do CC/02), quem atribui capital a uma sociedade empresária não
pode simplesmente pedir para retirar o capital investido, por en-
tender que não mais possui “afeição” aos demais sócios, uma vez
que esse sentimento subjetivo entre os sócios não é um requisito
para constituição ou permanência de uma sociedade empresária,
em que prepondera a conjugação de capital nos termos contratados.
Trata-se, portanto, como bem alertam Erasmo Valadão e Marce-
lo Adamek,1 de um critério equívoco e superado, que não fornece
elementos relevantes para a definição do fenômeno societário, ra-
zão pela qual jamais poderia ser utilizado como fundamento para
justificar o direito de retirada.
Quem atribui capital a uma sociedade empresária participa dos
resultados do empreendimento, sendo justamente por isso que as
regras sobre recesso são diferentes para as sociedades limitadas em-
presariais e para as sociedades simples. Talvez esse posicionamento
ampliativo adotado pela jurisprudência tenha decorrido das distor-
ções que existiam (e ainda existem, em menor grau) sobre responsa-
bilização dos sócios de sociedade limitada, mesmo em relação àqueles
1. ADAME K, Marcelo Vi eira von; FR ANÇA, E rasmo Valladão. A. e. N. “Affectio socie -
tatis”: um conceito juríd ico superado no moderno direito soc ietário pelo conceito de m
social. In : Revista de di reito mercantil i ndustrial , econômico e n anceiro, v. 149/150, p.
108- 130, 20 09.
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ExTINÇÃO DO VÍNCULO SOCIETÁRIO
que não exercem a administração ou não são controladores, o que
gerou uma ânsia – justificada – para que minoritários tivessem uma
válvula de saída das sociedades que estavam sendo mal administra-
das. Uma distorção parece ter levado a outra.
Ressalve-se que, em casos excepcionais, poder-se-ia permitir a re-
tirada de sócio de sociedade empresária, mas jamais seria recomendá-
vel a permissão, tão ampla quanto possível, da saída de cotistas, e até
mesmo de acionistas de companhia fechada, com base em alegações
de quebra de affectio societatis.
A Jurisprudência, contudo, embora com divergências,2 passou a
permitir a exclusão e a retirada ampla de sócios de limitada3 e, em
seguida, das próprias sociedades anônimas fechadas (inicialmente em
casos disfuncionais,4 e, posteriormente, em determinados precedentes,
de forma ampla),5 o que não nos parece o caminho mais adequado
a ser trilhado, considerando os termos da lei e as externalidades daí
decorrentes para o ambiente empresarial.6
Além disso, a ideia de que se deve ressarcir os sócios retirantes
de forma mais ampla possível acabou por gerar nefastos estímulos à
retirada “discricionária” dos sócios, que, assim, obtêm um retorno
certo e imediato, deixando para os sócios remanescentes os riscos do
empreendimento, agora descapitalizado pela apuração de haveres.
Havia, ademais, uma tendência de permitir o cálculo dos haveres
com base no uxo de caixa descontado, o que, dado à falta de previ-
2. V.g., REsp nº 1.129.22 2/PR e Agr. em REsp nº 1.026.239/RJ.
3. V.g., REsp nº 1.602 .240/MG
4. V.g., REsp nº 1.321.2 63/PR.
5. V.g., Emb. de Divergência e m REsp nº 1.079.763/SP e REsp nº 1.128.431/SP.
6. Regis tre-se que o inciso XX do a rt. 5º da CF/88 não se aplica às s ociedades, mas sim
às associaçõ es de natureza pesso al, como é o caso das assoc iações, sindicatos e c lubes,
em que o relevante não é o capit al atribuído à pe ssoa jurídic a, mas sim os ví nculos
de uma pessoa c om a entidade. Se as sim não fosse, p oder-se-i a retirar de u ma com-
panhia aber ta com fulcr o no referido disposit ivo constituc ional, o que conf iguraria
um evidente despr opósito.

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