Entre o 'faça o que eu digo' e o 'faça o que eu faço': uma análise da coerência entre o ensinado e o decidido pelos Ministros do STF

AutorVictor Ribeiro da Costa - Marcelo Nunes Apolinário
CargoProfessor da Faculdade de Direito e do Programa de Mestrado em Direitos Sociais da Universidade Federal de Pelotas (Pelotas-RS, Brasil) - Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pelotas (Pelotas-RS, Brasil)
Páginas201-227
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Entre o “faça o que eu digo” e o “faça o que eu faço”: uma análise
da coerência entre o ensinado e o decidido pelos Ministros do STF
Between the “do what I say” and the “do what I do”: a coherence analysis
between the taught and the decided by Brazilian Supreme Court Justices
MARCELO NUNES APOLINÁRIO I, *
I Universidade Federal de Pelotas (Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil)
marcelo_apolinario@hotmail.com
http://orcid.org/0000-0001-7140-4625
VICTOR RIBEIRO DA COSTA I, **
I Universidade Federal de Pelotas (Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil)
victorribeirolag@gmail.com
http://orcid.org/0000-0001-7140-4625
Recebido/Received: 04.12.2021 / December 4th, 2021
Aprovado/Approved: 25.03.2022 / March 25th, 2022
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 9, n. 1, p. 201-227, jan./abr. 2022. 201
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v9i1.83927
Como citar esse artigo/How to cite this article: APOLINÁRIO, Marcelo Nunes; COSTA, Victor Ribeiro da. Entre o “faça o que eu digo”
e o “faça o que eu faço”: uma análise da coerência entre o ensinado e o decidido pelos Ministros do STF. Revista de Investiga-
ções Constitucionais, Curitiba, vol. 9, n. 1, p. 201-227, jan./abr. 2022. DOI: 10.5380/rinc.v9i1.83927.
* Professor da Faculdade de Direito e do Programa de Mestrado em Direitos Sociais da Universidade Federal de Pelotas (Pelotas-
-RS, Brasil). Doutor e Pós-doutor em Derechos Fundamentales pela Universidad Autónoma de Madrid. Coordenador do Projeto
de Pesquisa Estado, Constituição e Direitos Fundamentais (UFPEL). Coordenador do Grupo de Estudos Constituição, Cidadania
e Direitos Fundamentais (UFPEL). E-mail: marcelo_apolinario@hotmail.com.
** Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pelotas (Pelotas-RS, Brasil).
Bacharel em Direito pela UFS. Servidor Público Federal da UFS. Advogado. E-mail: victorribeirolag@gmail.com.
Resumo
Este artigo objetivou discutir se haveria ou não coerência
entre o que os Ministros do STF ensinam em suas doutri-
nas e aquilo que eles decidem em casos difíceis enquan-
to juízes constitucionais, considerando as polêmicas le-
vantadas pelo paradigma neoconstitucional. Para tanto,
construiu-se uma pesquisa bibliográca e documental
amparada no método hipotético-dedutivo. Acreditava-se
inicialmente que o grau de coerência entre o ensinado e
o decidido oscilaria conforme os interesses extrajurídicos
em jogo. Para testar essa hipótese, a pesquisa foi estru-
turada em três partes. Na primeira, foram debatidos os
Abstract
This paper aimed to discuss whether it would be or not
some coherence between what Brazilian Supreme Court
(STF) Judges taught in their doctrines and what they decide
in hard cases as constitutional Judges, considering yet some
neoconstitutional paradigm issues. It was initially believed
that the coherence grade between the taught and the decid-
ed would oscillate accordingly with the extrajudicial inter-
ests in each case. Thus, this research was divided into three
parts to test the drawn hypothesis. In the rst was debated
the main elements which compose neoconstitutionalism.
In the second, it was analyzed Judges Mendes, Moraes, and
MARCELO NUNES APOLINÁRIO | VICTOR RIBEIRO DA COSTA
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 9, n. 1, p. 201-227, jan./abr. 2022.
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principais elementos que compõem esse paradigma. Na
segunda, analisou-se as doutrinas dos Ministros Mendes,
Moraes e Barroso. Na terceira, foram estudados os votos
deles na ADO 26 – sobre a equiparação da homotransfo-
bia ao crime de racismo, e na ADI 5.526 – sobre a aplica-
bilidade de cautelares penais aos congressistas. Ao nal,
refutou-se a hipótese levantada, pois o grau de vincula-
ção às ideias e métodos neoconstitucionais manifestado
pelos Ministros em suas respectivas doutrinas também
foi vericado nas ações analisadas. Como reexão nal,
a pesquisa aponta para a necessidade de pesquisar em-
piricamente a atuação da jurisdição constitucional como
forma de scalizá-la e controlá-la democraticamente.
Palavras-chave: jurisdição constitucional; neoconstitu-
cionalismo; doutrina; STF; casos difíceis.
SUMÁRIO
1. Introdução; 2. O que é o neoconstitucionalismo? 3. O “faça o que eu digo” doutrinário: o que Vossa Ex-
celência tem ensinado sobre neoconstitucionalismo? 4. O “faça o que eu faço” decisório: análise da ADO
26 e da ADI 5.526; 4.1. ADO 26, criminalização da homotransfobia e os limites da atuação jurisdicional;
4.2. Análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.526; 5. Considerações nais; 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
“Faça o que eu digo, não faça o que eu faço” é um ditado popular geralmente
utilizado para indicar a falta de coerência entre o discurso e as atitudes concretas de
alguém. Trata-se de algo similar ao distanciamento entre teoria e prática vulgarmente
traduzido pela frase “na prática, a teoria é outra”. Este artigo parte dessa reexão sobre
as incongruências entre o falar e o fazer para analisar se há coerência entre o que os
Ministros do STF ensinam sobre o neoconstitucionalismo em suas doutrinas e aquilo
que eles decidem nos difíceis casos concretos1 levados à Corte.
O problema que guiou essa pesquisa pode ser assim resumido: existe coerência
entre as posições doutrinárias dos Ministros sobre como deve ser exercida a jurisdição
constitucional em um cenário de neoconstitucionalismo e o modo como eles a exer-
cem ao decidir casos difíceis? Para respondê-lo, realizou-se uma pesquisa bibliográca
(doutrinária) e documental (em acórdãos) amparada no método hipotético-dedutivo.
Como hipótese central, imaginou-se inicialmente que a coerência entre o ensinado e
1 Embora falte um critério claro e adequado para distinguir entre casos fáceis e difíceis, a diferença é in-
tuitiva e por contraste. Por exemplo, não se pode comparar a relevância de decisões em ações como o AI-
-608.883AgR-ED-ED-ED-AgR-segundo-AgR com a que foi dada na ADI 3510 (sobre a constitucionalidade da Lei
de Biossegurança e o futuro das pesquisas com células-tronco embrionárias). Em casos fáceis, é comum que
haja apenas o voto do relator. Já nos difíceis, costuma haver onze votos e muito dissenso. Para mais detalhes,
ver SILVA, Virgílio Afonso da. O relator dá voz ao STF? Uma réplica a Almeida e Bogossian. REI-Revista Estudos
Institucionais, vol. 2, n. 2, pp. 648-669, jul./dez. 2016. p. 666.
Barroso’s doctrines. In the third, it was studied theirs votes
in two lawsuits - at Declaratory Action of Unconstitution-
ality by Omission nº 26 (about the analogical application
of racism law to homotransphobia), and Declaratory Ac-
tion of Unconstitutionality nº 5.526 (on the applicability of
criminal preventive measures to parliamentarians. In the
end, the raised hypothesis was disproved, since the Judges’
attachment degree to neoconstitutional ideas and methods
showed in their books was also veried in both lawsuits. As a
nal lesson, this paper indicates the necessity of researching
empirically Constitutional Courts as a way of supervising
and controlling them democratically.
Keywords: constitutional jurisdiction; neoconstitucional-
ism; scholarship; STF; hard cases.

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