A farmácia e a drogaria sob a nova ótica da rdc n. 44/2009 da Anvisa

AutorLucio Sanches Esteves Pinto
Páginas140-177
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A FARMÁCIA E A DROGARIA SOB A NOVA ÓTICA
DA RDC N. 44/2009 DA ANVISA
PHARMACY AND DRUGSTORE IN A NEW
PERSPECTIVE OF THE RDC N. 44/2009 ANVISA
Lucio Sanches Esteves Pinto(*)
RESUMO
Este artigo tem o propósito de estudar a função exercida por
estabelecimentos farmacêuticos no contexto da saúde pública, bem como
analisar se essa atividade é de saúde ou comercial, sob a nova perspectiva de
regulação da atividade aprovada pela ANVISA pela RDC 44/2009. Embora a
atividade desenvolvida por esses estabelecimentos seja de inquestionável
relevância para a saúde pública, isto não faz deles estabelecimentos de saúde,
mas sim estabelecimentos comerciais de interesse da saúde. Nesse sentido, os
objetivos almejados e os princípios defendidos pela ANVISA não serão
alcançados com as mudanças impostas pelo novo regulamento de boas práticas
farmacêuticas na medida em que os problemas existentes no comércio
farmacêutico são consequências de uma política de saúde incompatível e
insuficiente com as necessidades da população. Automedicação irresponsável,
intoxicação e o consumo excessivo e irracional de medicamentos são problemas
que serão solucionados apenas quando as autoridades agirem nas suas causas.
A construção de novos hospitais em municípios onde não exista nenhum, a
ampliação do atendimento médico-hospitalar, contratação de novos médicos e
melhoria das suas condições de trabalho, investimento em educação sanitária,
na formação e capacitação de farmacêuticos, integração da atenção farmacêutica
ao Sistema Único de Saúde, intensificação da fiscalização, implementação de
novas campanhas voltadas à defesa da saúde são exemplo de medidas que
seguramente serão mais eficazes para a solução dos problemas existentes no
comércio farmacêutico.
(*) Pós-graduando em Direito Sanitário pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (USP); Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Mackenzie. Advogado. São
Paulo/SP, Brasil. E-mail: .
Texto recebido em 16.09.10. Revisado em 28.09.10. Aprovado em 13.10.10.
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Palavras-chave
Drogaria; Estabelecimento de Saúde; Farmácia; Resolução ANVISA.
ABSCTRACT
This article aimed to explore what role exerted by pharmacies and
drugstores in the context of public health, and whether such establishments
are health establishments or businesses under the new perspective of
regulating the activity approved by the RDC 44/2009 ANVISA. Although the
activity performed by these establishments has its unquestionable relevance
to public health, this does not make them health facilities, but commercial
establishments of health concern. Accordingly, the proposed objectives and
principles espoused by ANVISA will not be reached with the changes required
by new regulation of pharmaceutical practice because the problems in the
pharmaceutical trade are consequences of a health policy inconsistent and
insufficient to the needs of population. Irresponsible self-medication,
intoxication and irrational drug use are problems that only will be solved if the
authorities act on the causes of them. The construction of new hospitals in
cities where there is not any, expansion of medical, hospital, hiring of new
doctors and improvement of their working conditions, investment in health
education, graduating and training of pharmacists, integration of
pharmaceutical care to the Health System, intensified surveillance,
implementation of new campaigns aimed at health protection are examples
of measures that will surely be more effective to solve the existing problems in
the pharmaceutical trade.
Keywords
Brazilian National Sanitary Surveillance Agency; Drugstore; Health
Facility; Pharmacy.
INTRODUÇÃO
I. O NOVO REGULAMENTO TÉCNICO DE BOAS PRÁTICAS
FARMACÊUTICAS
Em 18 de fevereiro de 2010 entrou em vigor a nova Resolução da
Diretoria Colegiada da ANVISA n. 44/2009. Desde então, ela tem sido objeto
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de duras críticas e também de elogios dos diversos setores da sociedade em
função de algumas inovações trazidas pelo texto normativo aprovado pela Agência.
Fruto de intensos debates desde a abertura da Consulta Pública n. 69/
2007, a proposta era regulamentar as boas práticas farmacêuticas nos
estabelecimentos farmacêuticos, transformando-os em estabelecimentos de
saúde, retirando deles o caráter comercial da atividade. Segundo o Diretor-
-Presidente da Agência
(...) é possível encontrar nesses locais produtos como lâmpadas, pilhas,
biscoitos, picolés, refrigerantes, revistas, calçados e até mesmo serviços,
como pagamento de contas, revelação fotográfica e plastificação de
documentos. Tudo isso traz prejuízo à correta orientação farmacêutica,
o que, em última instância, contribui para o uso incorreto de
medicamentos.(1)
Para a Agência, as farmácias e drogarias não podem ser consideradas
meros estabelecimentos comerciais, mas sim locais de promoção da saúde,
integrados aos serviços públicos a ela relacionados. Porém, no modelo de
negócio atualmente explorado no varejo farmacêutico, os estabelecimentos
estão mais comprometidos com resultados financeiros positivos do que
efetivamente com a saúde da população(2).
Embora as autoridades reconheçam a existência de leis e regulamentos
que já tratam da matéria, também reconhecem a dificuldade de fiscalizar a
atividade. A Lei Federal n. 5.991/73 proíbe aos estabelecimentos farmacêuticos
a exploração indiscriminada do comércio de produtos estranhos à atividade.
Porém, permite o comércio de alguns produtos classificados como “correlatos”.
É da definição legal que decorre a dificuldade no entendimento do que pode
ou não ser enquadrado no conceito de produto correlato(3).
Com efeito, a Constituição Federal classifica o direito à saúde como
um direito fundamental a cargo do Estado. Todavia, é certo reconhecer a
ineficiência dos serviços públicos de saúde. Nesse contexto, o Brasil enfrenta
um problema crônico e complexo de se resolver. A farmácia é, em geral, o
primeiro estabelecimento no qual a população busca auxílio em havendo
sinais de agravo à saúde. E se não são estabelecimentos de saúde, mas sim
(1) Entrevista concedida pelo então presidente da ANVISA. Guia da farmácia Disponível em:
.
reduzida-anvisa-propoe-que-produtos-considerados-conveniencia-deixem-167569-1.asp>. Acesso em:
24 maio 2010.
(2) ANVISA. Anvisa anuncia novas regras para farmácias e drogarias. 18 ago. 2009. Disponível em:
m> Acesso em: 24 maio 2010.
(3) Art. 4º, inciso IV da Lei Federal n. 5991/73: Correlato — a substância, produto, aparelho ou
acessório não enquadrado nos conceitos anteriores, cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e
proteção da saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins diagnósticos
e analíticos, os cosméticos e perfumes, e, ainda, os produtos dietéticos, óticos, de acústica
médica, odontológicos e veterinários.
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“meramente comerciais” — segundo entendimento de uma significativa
parcela das autoridades sanitárias — em tese, a população se expõe a um
risco grande.
Por outro lado, há o interesse privado envolvido no comércio de me-
dicamentos. Como toda e qualquer empresa, para sobreviver no mercado e
cumprir seu papel socioeconômico, a drogaria e a farmácia precisam produ-
zir lucros e resultados positivos para honrar seus compromissos trabalhistas,
previdenciários, fiscais, comerciais, dentre outros, sem o que será condena-
da à falência.
Visando a melhoria dos resultados, as farmácias e drogarias passaram
a explorar o comércio de diversos artigos que, em última análise, seriam
estranhos ao comércio farmacêutico. Tornou-se comum encontrar produtos
à venda que não se coadunam com o propósito destes estabelecimentos. É
o caso de alimentos como picolés, bolachas e chicletes, produtos de limpeza
e veterinários, roupas, calçados e materiais de cinema, fotografia e vídeo.
Para a ANVISA, “o consumidor sai com a sacola de plástico lotada(4).
Além do aspecto comercial com a venda desses produtos — tidos pelas
autoridades como alheios e pelos empresários do ramo como correlatos —,
as farmácias e drogarias estão sendo concebidas como se fossem verdadeiros
“mercados”, de modo que o cliente seja “induzido” ao consumo desnecessário
daqueles medicamentos cuja venda não necessita de prescrição médica.
Com o novo Regulamento Técnico de Boas Práticas em Farmácias e
Drogarias instituído pela RDC n. 44/2009 e respectivas Instruções Normativas,
a ANVISA estabeleceu que “os medicamentos deverão permanecer atrás do
balcão, para que os consumidores tenham acesso ao farmacêutico e possam
esclarecer dúvidas quanto ao uso correto do produto”. A ANVISA justifica
que “com essa medida, pretende-se reduzir a automedicação [sic] e o uso
abusivo de medicamentos”(5).
Uma das inovações trazidas pela resolução foi a regulamentação das
vendas de medicamentos por telefone e/ou internet, a permissão da realização
de alguns serviços como a medição da pressão arterial, glicemia capilar,
atenção farmacêutica domiciliar e perfuração do lóbulo auricular. Antes da
Resolução, a execução desses serviços nas farmácias e drogarias era
proibida. Porém, não foi a permissão de execução de determinados “serviços
farmacêuticos” que causou a enorme polêmica.
Os pontos mais polêmicos da resolução foram os textos das Instruções
Normativas ns. 9/2009 e 10/2009. Esta trata da necessidade dos estabelecimentos
adequarem suas instalações para que os Medicamentos Isentos de Prescrição
(4) ANVISA. Consumo e saúde, farmácia: local de promoção à saúde. Disponível em:
www.anvisa.gov.br/ouvidoria/consumo_saude/11_090909.pdf>. Acesso em: 29 mai. 2010.
(5) Id. Ibid.
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(MIP) sejam colocados atrás dos balcões, de modo que os consumidores não
mais tenham livre acesso a eles, sendo necessário o auxílio do funcionário do
estabelecimento para pegá-los. Já aquela traz a normatização — ou
“uniformização” — de quais produtos poderão ser comercializados nesses
estabelecimentos.
Os Medicamentos Isentos de Prescrição (MIP) são aqueles que
oferecem potencial de risco bem menor do que outros medicamentos (por
exemplo, medicamentos para dor de cabeça, náuseas, gases, antigripais,
etc.). Antes, eles ficavam dispostos diretamente nas gôndolas, ao alcance
dos consumidores e sem a necessidade de intervenção de um funcionário do
estabelecimento.
Para o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF/
SP), um dos maiores defensores da RDC n. 44/2009, o “Medicamento isento
de prescrição não é livre de orientação”.(6)
A retirada dos medicamentos isentos de prescrição do alcance dos
consumidores visa diminuir a chamada “automedicação” e uso irracional
de medicamentos, além da prevenir as “reações adversas” e a intoxicação.
Ao mesmo tempo, valoriza o profissional farmacêutico enquanto profissional
da saúde. Já a proibição de comercialização de medicamentos estranhos
ao comércio farmacêutico visa resgatar o papel das drogarias como
estabelecimentos de saúde, comprometidos e integrados com ações de
recuperação da saúde. Visa também evitar a contaminação do ambiente
com outros produtos que possam prejudicar ou interferir no tratamento
medicamentoso.
Com efeito, a nova RDC n. 44/2009 expõe uma questão de difícil
solução para o Direito Sanitário: a dicotomia e o conflito existente entre a
saúde, encarada como direito versus a saúde enquanto mercadoria ou bem
de consumo. Ambos os interesses, comerciais (caracterizados pelo
estabelecimento enquanto empresa) e sociais (refletidos no interesse que a
saúde pública tem, inerente ao comércio de medicamentos) são expostos e
se antagonizam. Nesse cenário, os estabelecimentos farmacêuticos estão
no centro da discussão.
Qual é o verdadeiro papel que os estabelecimentos farmacêuticos
devem exercer na sociedade? Com base na legislação sanitária atual, é
possível que esses estabelecimentos cumpram o papel social reclamado
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária?
Este trabalho tem o propósito de cotejar ambos os lados da balança:
de um lado, os argumentos dos empresários do comércio farmacêutico, defen-
(6) Cf. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Projeto Farmácia
Estabelecimento de Saúde. Fascículo II — Medicamentos isentos de prescrição, São Paulo, 2009.
Disponível em
150&Itemid=108>. Acesso em: 26 mai. 2010.
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sores da tese segundo a qual a drogaria e a farmácia são estabelecimentos
comerciais e, na outra ponta, a ANVISA e os Conselhos Profissionais de
Farmácia, defensores do argumento segundo o qual esses são estabeleci-
mentos de saúde.
II. A DROGARIA COMO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE
A ANVISA defende o argumento de que a drogaria não pode ser
encarada como simples comércio. Os produtos comercializados nesses
estabelecimentos influenciam diretamente na saúde da população e os
medicamentos não podem ser tratados como simples mercadorias, tal como
aquelas que o consumidor simplesmente apanha e paga no caixa como se
estivesse em um supermercado.
Justificando a existência do novo marco regulatório, a ANVISA diz que
as metas buscadas são: (i) alinhar os estabelecimentos na perspectiva da
assistência e da atenção farmacêutica em busca da promoção do uso racional
de medicamentos; (ii) eliminar distorções no mercado com relação à
diversidade de produtos e serviços estranhos ao comércio farmacêutico; (iii)
contribuir para a melhoria no atendimento à população por meio de maior
comodidade e qualidade na perspectiva da saúde e não apenas do comércio
de produtos diversificados. Assim, esses estabelecimentos devem prover (1)
a informação e educação em saúde; (2) a prevenção e redução dos problemas
relacionados a medicamentos e a questões relacionadas à saúde; (3) atenção
farmacêutica; (4) atendimento focado na saúde do usuário e não somente no
lucro(7).
A transformação desse comércio em estabelecimento de saúde é
defendida por Romano-Lieber(8). Invoca ele a proposta da OMS:
a missão da prática farmacêutica é prover medicamentos e outros
produtos e serviços e auxiliar as pessoas e a sociedade a utilizá-los da
melhor forma possível. Posteriormente, em 2006, a mesma OMS publicou
um manual como referência para a reorientação da educação e da prática
farmacêutica e a incorporação da atenção farmacêutica nesta prática.(9)
(7) SENADO. Audiência Pública da Comissão de Assuntos Sociais do Senado de 06 de maio de
2009. Boas práticas farmacêuticas em farmácias e drogarias. Disponível em:
web/comissoes/cas/ap/ano-de-2009/ap20090506_apresenta%C3%A7%C3%A3oANVISA.pdf>. Acesso
em: 29 mai. 2010.
(8) ROMANO-LIEBER, Nicolina Silva; CUNHA, Marcelo Ferreira Carlos; RIBEIRO, Eliane. A farmácia
como estabelecimento de saúde. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 9, n. 3, p. 188-199, 2008.
(9) Cf. World health organization. International pharmaceutical federation. Developing pharmacy
practice: a focus on patient care, handbook 2006. Netherlands: World Health Organization/
International Pharmaceutical Federation. 2006. 97 p. Disponível em
publications/DevelopingPharmacyPractice/DevelopingPharmacyPracticeEN.pdf>. Acesso em: 26
jun. 2010.
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Prossegue, invocando em favor dessa tese que se alinha a essa
perspectiva, a Política de Medicamentos, a Política Nacional de Assistência
Farmacêutica e a 1ª Conferência Nacional de Vigilância Sanitária (2001), a
1ª Conferência Nacional sobre Medicamentos e Assistência Farmacêutica
(2003). Todos esses eventos convergem
para a perspectiva de um novo modelo de farmácia que defina as suas
funções no âmbito da recuperação, proteção e promoção da saúde.
(...) A 1ª Conferência Nacional sobre Medicamentos e Assistência
Farmacêutica vai além, com uma proposta de “transformar o conceito
de estabelecimentos farmacêuticos privados em estabelecimentos de
serviços de saúde, integrados ao SUS de forma complementar,
conforme legislação vigente”.(10)
Nesse sentido, esses estabelecimentos desempenhariam papel
importantíssimo no contexto da Saúde Pública e, em consequência, a
transformação dos mesmos em “meros distribuidores” os descaracterizariam
como estabelecimentos de saúde.
Segundo Gustavo Henrique Trindade da Silva, servidor da ANVISA e
defensor das mudanças propostas pela RDC n. 44/2009, “tratar farmácia e
drogaria como simples comércio tem sido um grande equívoco e tem
contribuído para adoção de práticas comerciais abusivas, ou inadequadas,
para a garantia de acesso seguro e qualificado da população a produtos
ligados à saúde”(11).
1. Medicamentos isentos de prescrição atrás do balcão
A quantidade de produtos expostos aos consumidores, o forte e
ostensivo apelo comercial das propagandas para o consumo de medicamentos,
o livre acesso a medicamentos potencialmente causadores de intoxicações
e de uso inadequado ou irracional, de fato, são argumentos contundentes.
De acordo com o SINITOX (Sistema Nacional de Informações Tóxico-
Farmacológicas), o medicamento é maior agente causador de intoxicação
humana(12).
(10) WORLD HEALTH ORGANIZATION. International pharmaceutical federation. Developing, cit.
(11) SILVA, Gustavo Henrique Trindade da; OLIVEIRA, Neilton Araújo de. Farmácia e drogaria:
simples comércio ou estabelecimento de saúde? Biblioteca Virtual em Saúde. Blog Direito Sanitário:
Saúde e Cidadania, 05 Mar. 2010. Disponível em
e-drogaria-simples-comercio-ou-estabelecimento-de-saude/>. Acesso em: 24 maio 2010.
(12) BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Sistema Nacional de Informações
Tóxico-Farmacológicas — SINITOX. Brasília, DF. Disponível em
cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home>. Disponível em: nado.gov.br/web/comissoes/cas/
ap/ano-de-2009/ap20090506_apresenta%C3%A7%C3%A3oANVISA.pdf>. Acesso em: 24 maio
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Assim, ainda que sejam medicamentos isentos de prescrição médica
(MIP), segundo entendimento da ANVISA, eles podem expor os usuários a
riscos se forem consumidos sem a necessária orientação e acompanhamento.
Retirando do alcance dos consumidores, espera-se a mudança da cultura
popular da automedicação e que eles sejam dispensados e consumidos
com orientação do farmacêutico.
Um dos defensores mais vigorosos da RDC n. 44/2009 é o Conselho
Regional de Farmácia do Estado de São Paulo. Antes mesmo da nova
Resolução ser aprovada, o CRF/SP já tinha proposto um projeto denominado
“Farmácia Estabelecimento de Saúde”. O projeto defende que a farmácia é
um estabelecimento sanitário irradiador dos conhecimentos e cuidados à
saúde e, sobretudo, a promoção do uso racional de medicamentos. Daí segue
que um estabelecimento farmacêutico com um apelo altamente comercial,
sem comprometimento com outras questões, mas apenas com o lucro,
induzem a população ao consumo desnecessário de medicamentos e, em
muitos casos, o consumo de produtos não relacionados com a saúde, talvez
até prejudiciais, como por exemplo, bebidas alcoólicas e cigarros(13).
O Conselho acredita que a farmácia poderia auxiliar o Estado na
implementação de diversas políticas de orientação, prevenção e recuperação
da saúde, para o que o farmacêutico responsável técnico desempenharia
papel fundamental:
Para que as farmácias e drogarias recuperem seu verdadeiro papel
social é imprescindível uma reorientação transformadora pela qual se
tornem reais estabelecimentos de saúde. Para isso é necessária a
assistência de profissionais tecnicamente habilitados e capacitados
que assegurem e fortaleçam a assistência farmacêutica, sobretudo a
dispensação e o uso correto, seguro e racional de medicamentos.(14)
A indução ao consumo desnecessário e irracional de medicamentos
— a conhecida prática da “empurroterapia” —, a propaganda enganosa e a
comercialização de todo tipo de produto nos estabelecimentos seriam
distorções existentes nesse ramo que contribuiriam ainda mais para o
agravamento da saúde da população que encontra nesses estabelecimentos
uma “alternativa para tratamento de sua saúde”.
As reuniões realizadas pela OMS em Nova Delhi (1988), Tóquio (1993),
Vancouver (1997) e Haia (1998), além do Fórum Farmacêutico das
Américas, repensaram a atuação do farmacêutico no Sistema de
(13) ESTABELECIMENTO de saúde. Disponível em:
PDFFciaEstSaude.pdf>.
(14) Cf. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Projeto Farmácia
Estabelecimento de Saúde. Fascículo I, São Paulo, 2009. Disponível em
joomla/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=149&Itemid=108>. Acesso em: 26
mai. 2010.
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Atenção à Saúde, pois até então este profissional era responsável
apenas pelo abastecimento de medicamentos, não exercendo sua
principal função, a saber, a atuação como co-responsável na terapia
do paciente e na promoção do uso racional dos medicamentos.
Na perspectiva desta nova prática profissional, o farmacêutico passa
também a ser o responsável pelo processo de utilização dos
medicamentos, bem como pela obtenção de resultados terapêuticos.
Seu enfoque principal é o usuário, e não mais apenas o produto. Dessa
forma, o farmacêutico passa a participar ativamente na prevenção das
enfermidades e na promoção da saúde, juntamente com outros
membros da equipe multidisciplinar. A consolidação do papel do
farmacêutico como um profissional a serviço da sociedade contribui
fortemente para o resgate, junto à população, da imagem da farmácia
como estabelecimento de saúde.(15)
Para o CRF/SP, só haverá sucesso com tratamento medicamentoso
por meio dos “MIP’s” se o farmacêutico estiver à frente da dispensação,
indicando qual o melhor medicamento a ser utilizado para a queixa do
paciente, alertando-o sobre o uso e o abuso daquele produto:
Além disso, evidencia-se o crescente estabelecimento de uma cultura
popular de que os MIP são produtos sem risco à saúde. Esses fatores
levam ao aumento da utilização irracional dessa categoria de
medicamentos. É nesse cenário que o papel do farmacêutico, enquanto
profissional de saúde responsável pela orientação da utilização correta
dos medicamentos, faz-se fundamental. Os MIP compõem uma categoria
de medicamentos na qual a intervenção farmacêutica é o principal
fator para o sucesso e a segurança da terapia, e por isso esse tema
integra-se ao projeto Farmácia Estabelecimento de Saúde.(16)
A proposta do CRF/SP é fazer com que o farmacêutico aplique um
questionário no paciente e, identificando possíveis e eventuais problemas
no uso dos medicamentos isentos de prescrição e “recomende”[!](17), de acordo
com os resultados da entrevista, qual o melhor medicamento a ser utilizado,
praticamente atuando como médico.
Manifestando-se a respeito da nova normatização proposta pela
ANVISA, a Presidente do CRF/SP Dra. Raquel Cristina Delfini Rizzi disse
que:
hoje a farmácia é um estabelecimento totalmente comercial, onde você tem
disponível aos olhos todos os medicamentos isentos de prescrição, num
(15) Cf. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Projeto Farmácia
Estabelecimento de Saúde. Fascículo II — Medicamentos isentos de prescrição, cit.
(16) Id. Ibid.
(17) “Recomendar” é o verbo utilizado pelo Manual.
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“self-service”. Alguns acham que acabar com isso é autoritarismo. Mas o
consumidor não deixará de comprar o que quer. Só vai ter a orientação
certa. Uma coisa é comprar sapato. Outra coisa é medicamento.(18)
Em que pese a proibição da exposição dos MIP’s ao alcance do
consumidor, curiosamente o novo regulamento técnico de boas práticas
farmacêuticas permitiu algumas exceções. A Instrução Normativa n. 10/2009
determinou que os medicamentos fitoterápicos, medicamentos administrados
por via dermatológica e, finalmente, os medicamentos sujeitos à notificação
simplificada, conforme legislação específica, podem continuar ao alcance
dos consumidores(19)(20).
O tema do uso racional de medicamentos foi objeto de um painel
realizado na ANVISA no último dia 11 de fevereiro de 2010. Nesse painel,
muitos participantes debateram o assunto, em especial a questão do consumo
de medicamentos isentos de prescrição e os riscos relacionados com o
consumo inadvertido e exagerado de determinados fármacos. Na
oportunidade, a Prof.ª Dra. Bagnólia Araujo da Silva destacou os riscos e
possíveis efeitos tóxicos decorrentes do consumo de diversos fármacos, bem
como possíveis efeitos indesejados ou reações adversas que podem ser
verificados pelo consumo desses medicamentos. O painel procurou
demonstrar, de maneira bastante técnica, quais os problemas decorrentes
(18) Disponível no site da ASSOCIAÇÃO MÉDICA DO PARANÁ. É drogaria ou supermercado?
Disponível em: . Acesso em: 28 mai. 2010.
(19) Medicamentos fitoterápicos são medicamentos obtidos a partir de plantas medicinais. Eles
são obtidos empregando-se exclusivamente derivados de droga vegetal (extrato, tintura, óleo,
cera, exsudato, suco e outros). Não é objeto de registro como medicamento fitoterápico, planta
medicinal ou suas partes, após processos de coleta, estabilização e secagem, podendo ser
íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada. Os fitoterápicos, assim como todos os medicamentos,
devem oferecer garantia de qualidade, ter efeitos terapêuticos comprovados, composição
padronizada e segurança de uso para a população. A eficácia e a segurança devem ser validadas
por meio levantamentos etnofarmacológicos, documentações tecnocientíficas em bibliografia e/ou
publicações indexadas e/ou estudos farmacológicos e toxicológicos pré-clínicos e clínicos. A
qualidade deve ser alcançada mediante o controle das matérias-primas, do produto acabado,
materiais de embalagem, formulação farmacêutica e estudos de estabilidade. ANVISA.
Medicamentos (Medicamentos Fitoterápicos). Disponível em:
medicamentos/fitoterapicos/definicao.htm>. Acesso em: 29 maio 2010. Já os medicamentos de
notificação simplificada são aqueles produtos farmacêuticos, tecnicamente obtidos ou elaborados,
com finalidade profilática, curativa ou paliativa na qual existe baixo risco de que seu uso ou
exposição possa causar consequências e ou agravos à saúde quando observadas todas as
características de uso e de qualidade descritas minuciosamente no Anexo I da RDC n. 199 de 26
de outubro de 2006 (ANVISA. Disponível em:
2006/res0199_26_10_2006_rep.html>. Acesso em: 29 mai. 2010.
(20) Este trabalho não teve o propósito de estudar sob o prisma técnico, qual foi o motivo que levou
a Agência a diferenciar, dentre os Medicamentos Isentos de Prescrição, quais poderiam ficar ao
alcance do consumidor e quais deveriam ser retirados das gôndolas. No entanto, esse foi um fato
que chamou a atenção da pesquisa, pois esses medicamentos – todos eles, indistintamente –
embora estejam enquadrados na classificação de medicamentos isentos de prescrição, ainda
podem ficar ao alcance dos consumidores.
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do consumo abusivo destes fármacos, reações adversas, intoxicações e
interações medicamentosas, contraindicações e eventuais grupos de risco(21).
Evidente que todos os fármacos produzem efeitos no organismo, é da
sua própria natureza. Aliás, essa propriedade é típica de qualquer medicamento,
isento ou não de prescrição. Por isso, parece-nos pouco produtivo discutir se
o consumo de medicamentos isentos de prescrição pode causar reações
não desejadas. O que é preciso analisar, com o devido respeito e acatamento,
é como se dá a automedicação e os motivos pelos quais esses
medicamentos estão sendo consumidos sem orientação.
Interessante trabalho publicado na Revista de Saúde Pública relata alguns
dados do perfil da automedicação no Brasil. O estudo concluiu que a
automedicação “é um procedimento caracterizado fundamentalmente pela
iniciativa de um doente, ou de seu responsável, em obter ou produzir e utilizar um
produto que acredita lhe trará benefícios no tratamento de doenças ou alívio de
sintomas”(22). Logo no início do trabalho, os autores afirmam que a automedicação:
é prática comum, vivenciada por civilizações de todos os tempos, com
características peculiares a cada época e a cada região. Considerando
a automedicação como uma necessidade, e inclusive de função
complementar aos sistemas de saúde, particularmente em países
pobres, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou diretrizes
para a avaliação dos medicamentos que poderiam ser empregados
em automedicação. Segundo esse informe, tais medicamentos devem
ser eficazes, confiáveis, seguros e de emprego fácil e cômodo.(...)
A automedicação inadequada, tal como a prescrição errônea, pode ter
como consequência efeitos indesejáveis, enfermidades iatrogênicas e
mascaramento de doenças evolutivas, representando, portanto,
problema a ser prevenido. É evidente que o risco dessa prática está
correlacionado com o grau de instrução e informação dos usuários
sobre medicamentos, bem como a acessibilidade dos mesmos ao
sistema de saúde. Certamente a qualidade da oferta de medicamentos
e a eficiência do trabalho das várias instâncias que controlam este
mercado também exercem papel de grande relevância nos riscos
implícitos na automedicação.(23)
(21) Disponível no site da ANVISA. Uso racional de medicamentos é assunto de painel em Brasília.
11 fev. 2010. Disponível em: ut/p/c5/
04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os3hnd0cPE3MfAwMDMydnA093Uz8z00B_AwN_Q_1wkA48
Kowg8gY4gKOBvp9Hfm6qfkF2dpqjo6IiAJYj_8M!/dl3/d3/L2dJQSEvUUt3QS9ZQnZ3LzZfS1FISUcw
MDI5T1Q4RDBJNFRSSDlLQ09GMTE!/?WCM_GLOBAL_CONTEXT=/wps/wcm/connect/Anvisa/Anvisa/
Sala+de+Imprensa/Noticias/Uso+racional+de+medicamentos+e+assunto+de+painel+em+Brasilia>.
Acesso em: 29 mai. 2010.
(22) PAULO, L.G.; ZANINE A.C. Automedicação no Brasil. Rev. Ass .Med. Bras., v. 34, p. 69-75, 1988.
(23) ARRAIS, Paulo Sérgio D.; COELHO, Helena Lutéscia L.; BATISTA, Maria do Carmo D. S.;
CARVALHO, Marisa L.; RIGHI, Roberto E.; ARNAU, Josep Maria. Perfil da automedicação no Brasil.
Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 1, 71-77, 1997.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo v. 12, n. 2 p. 140-177 Jul./Out. 2011
Lucio Sanches Esteves Pinto
151
Importante destacar que o trabalho acima mencionado levou em
consideração não apenas medicamentos isentos de prescrição, mas sim
todos os tipos de medicamentos — inclusive os de uso controlado.
Destarte, a retirada dos medicamentos isentos de prescrição das gôndolas
teve o propósito de reduzir o consumo inadequado desses fármacos, obrigando
o consumidor a solicitá-lo no balcão ao farmacêutico ou a outro funcionário do
estabelecimento para garantia da orientação farmacêutica adequada.
III. NORMATIZAÇÃO DO COMÉRCIO DE PRODUTOS CORRELATOS
Em outra parte, a Instrução Normativa n. 09/2009 aprovou a “relação
de produtos permitidos para dispensação e comercialização em farmácias e
drogarias”. A lista com os produtos permitidos incluiu o comércio de produtos
para bebês (mamadeiras, chupetas, bicos e protetores de mamilo) e produtos
de higiene e toucador, como lixas e cortadores de unha, escovas, toucas,
pentes entre outros.
Além disso, a norma descreveu com razoável nível de detalhes quais
os alimentos que poderão ser comercializados nesses estabelecimentos.
São eles: alimentos para dietas com restrição de nutrientes (adoçantes
dietéticos, restrição de carboidratos, sacarose, frutose ou glicose, etc.);
alimentos para ingestão controlada de nutrientes (alimentos para controle
de peso, praticantes de atividades físicas, repositores hidroeletrolíticos,
suplementos vitamínicos, etc.) e alimentos para grupos populacionais
específicos (bebês, gestantes, idosos, diabéticos, etc.).
Com isso, a Agência tentou uniformizar a exposição de produtos nas
farmácias e drogarias, bem como descaracterizar tais estabelecimentos do
modelo atual de “loja de conveniência” ou de “mercado”, resgatando por
consequência seu papel como estabelecimentos de saúde.
Com o novo marco regulatório, apenas os alimentos com alegação de
propriedades terapêutico-funcionais devidamente registrados no Ministério
da Saúde podem ser comercializados.
Curiosamente, a exemplo da exceção feita com relação a alguns
Medicamentos Isentos de Prescrição (de notificação simplificada, os
fitoterápicos e os de uso dermatológico), a Agência permitiu a comercialização
de outros alimentos que, antes do novo marco regulatório, eram sempre objeto de
questionamento por parte das autoridades como sendo produtos alheios ao
ramo farmacêutico. É o caso dos chás, mel, própolis e geleia real.
Não há necessidade de registro desses produtos no Ministério da
Saúde, mas, ainda assim, eles podem ser comercializados. Por outro lado,
foi vedado o comércio de água, produto para cuja comercialização é exigido
o registro no MS.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo v. 12, n. 2 p. 140-177 Jul./Out. 2011
A famárcia e a drogaria sob a nova ótica da RDC n. 44/2009 da ANVISA
152
Não são claras as motivações da ANVISA para tais diferenciações. O
modo de exposição desses produtos potencialmente estimularia os consumidores
a adquirir mercadorias desnecessárias, contribuindo para a contaminação dos
fármacos com outros produtos que poderiam comprometer sua eficácia.
Com efeito, o conceito legal de produto correlato(24) permite uma
amplitude não desejada pelas autoridades em relação ao comércio desses
produtos nas drogarias e farmácias. Assim, bastaria encontrar algum “uso ou
aplicação na saúde” para que esses produtos fossem comercializados.
Há, em algumas drogarias e farmácias, o comércio de determinados
alimentos e bebidas. Porém, muitas autoridades entendem que as bebidas
comercializadas (chás, sucos, refrigerantes, água de coco, entre outros) —
exceto aquelas com alegações de propriedades ou funcionalidades
(isotônicos e repositores hidrolíticos por exemplo) — não têm nenhuma
aplicação ou uso relacionado com a saúde.
Há também quem defenda a permissão do comércio de sorvetes e
picolés. Para os comerciantes, esses produtos são recomendados por
dentistas aos pacientes que fizeram extração de dentes — sobretudo os
dentes adultos (sisos). A justificativa seria que a baixa temperatura
proporcionada por esses alimentos ajudaria no tratamento e alívio da dor,
minimizando o inchaço do rosto. Tudo isso sem contar com os produtos
dietéticos, ou de baixa caloria. Considerando que o conceito de produto
correlato da norma legal contém a expressão “produtos dietéticos”, qualquer
tipo de suco light vira um produto dietético. Vale esclarecer que os produtos
dietéticos são aqueles elaborados sem adição de açúcar (para diabéticos),
enquanto que o produto light é aquele com redução de gorduras, apenas, ou
seja, é um alimento menos calórico.
Levando esses argumentos — e muitos outros — a certos “extremos”,
há de se reconhecer um certo abuso por parte dos empresários do ramo.
Contudo, o texto da Lei n. 5991/73 dá margem a interpretações diversas,
sobretudo após a reforma ocorrida em 1995 pela Lei Ordinária n. 9.069 que
permitiu a comercialização de diversos artigos de “primeira necessidade”
típicos de loja de conveniência e/ou drugstore(25).
Contudo, parece-nos que a ANVISA equivocou-se ao propor essas
mudanças no varejo farmacêutico, em que pese a validade e relevância
pública dos argumentos. A Agência tentou atingir um objetivo com as
justificativas certas, mas com ações e políticas erradas. É, pois, o que
passaremos a analisar.
(24) Vide nota 3 acima.
(25) A Lei Federal n. 9.069/1995 acrescentou no art. 4º da Lei o inciso XX que traz o conceito de loja
de conveniência e drugstore: “estabelecimento que, mediante auto-serviço ou não, comercializa
diversas mercadorias, com ênfase para aquelas de primeira necessidade, dentre as quais alimentos
em geral, produtos de higiene e limpeza e apetrechos domésticos, podendo funcionar em qualquer
período do dia e da noite, inclusive nos domingos e feriados.
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Lucio Sanches Esteves Pinto
153
IV. A DROGARIA É UM ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Como visto acima, a ANVISA argumenta que as farmácias e drogarias
são estabelecimentos de saúde. Desde logo, necessário reconhecer que
esses estabelecimentos comercializam produtos de saúde, atividade cujo
interesse público é inegável. Porém, a classificação deles como estabelecimentos
de saúde é um grande equívoco.
Não se pode atribuir às farmácias e drogarias a grave missão de
resolver problemas da saúde pública ou, pior ainda, imputar a elas a exclusiva
responsabilidade pelo problema do consumo irracional de medicamentos,
da intoxicação e da automedicação em decorrência da “postura comercial”
com a qual esses estabelecimentos buscam o lucro.
Se de um lado há interesse público na proteção da saúde, há também
relevante interesse público na expansão e fortalecimento da economia
nacional, da geração de empregos, da função social das empresas, da
arrecadação tributária, todos esses interesses de destaque constitucional.
Antes de atribuir a responsabilidade do problema às farmácias e
drogarias, é preciso analisar quais os motivos que conduzem os brasileiros
à automedicação e consumir medicamentos em demasia. É na ineficiência
das políticas públicas de defesa da saúde, é na falta de recursos, na
dificuldade de acesso aos médicos e nas suas péssimas condições de
trabalho, nas estruturas físicas dos hospitais e centros de saúde, pronto-
-socorros e ambulatórios, na falta de profissionais farmacêuticos e no fraco
ensino superior de farmácia que reside o problema.
Contudo, isso não significa dizer que o comércio de medicamentos
pela rede privada não faça parte da solução do problema. Muito pelo contrário.
Em um sistema de saúde devidamente estruturado e capaz de atender
todas as necessidades da população, as drogarias e farmácias poderiam
desempenhar um papel complementar aos serviços de saúde, sobretudo na
questão da atenção farmacêutica como um serviço de apoio na recuperação
da saúde dos pacientes.
Mas o novo regulamento técnico de boas práticas farmacêuticas
aprovadas pela ANVISA demonstra que as autoridades não estão atentas às
reais necessidades dos brasileiros, mas sim atentas apenas às questões
corporativas e totalmente ineficientes para solução da questão que envolve
o comércio e o consumo de medicamentos no Brasil.
Esses estabelecimentos têm sim parcela de responsabilidade na
questão e devem ser parte de um conjunto de ações e políticas voltadas à
defesa da saúde — mas na exata medida das suas responsabilidade e
possibilidades, observando-se acima de tudo o que determina a lei.
Não há dúvidas: as drogarias e farmácias são estabelecimentos
fundamentalmente comerciais. E sendo comerciais, para que existam e
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A famárcia e a drogaria sob a nova ótica da RDC n. 44/2009 da ANVISA
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permaneçam no mercado — atuando no seu papel de fornecer medicamentos
a um preço competitivo, expandindo e aprimorando seus negócios — não há
outra coisa a se fazer se não obter resultado financeiro positivo. Sem lucro, o
estabelecimento fecha.
De outro lado, como dissemos, é inerente ao interesse público a
regulação da atividade econômica desenvolvida pelas drogarias e farmácias.
Exatamente por isso que a essa atividade econômica deve-se submeter à
uma infinidade de exigências, tanto físicas quanto documentais. Esses
estabelecimentos precisam da renovação anual do seu licenciamento, o que
obriga as autoridades a realizarem inspeções sanitárias periódicas para
conferir e exigir do estabelecimento o cumprimento de várias exigências, tais
como a manutenção do ambiente em boas condições higiênico-sanitárias,
a contratação de farmacêutico responsável técnico presente durante todo o
horário de funcionamento, dentre outras.
Nesse sentido, será que a proposta de regulamentação das boas
práticas farmacêuticas aprovada pela ANVISA se coaduna com esse
propósito? Será que a ANVISA conseguirá atingir os objetivos almejados
com a RDC n. 44/2009? A resposta à indagação infelizmente é negativa,
senão vejamos.
V. DA AUTOMEDICAÇÃO, DO CONSUMO IRRACIONAL E DA
INTOXICAÇÃO POR MEDICAMENTOS
A ANVISA justifica a retirada dos MIP’s do alcance dos consumidores
pelo fato de que, pela forma como eles são expostos, o consumidor é “induzido”
a comprar sem necessidade, colaborando para piorar as estatísticas de
intoxicação, do uso irracional de medicamentos e da automedicação. Mas
será que essa medida contribuirá para reduzir os números do consumo
irracional de medicamentos?
Um dos maiores opositores da medida é o Presidente da Associação
Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (ABRAFARMA). Em diversas
manifestações, o executivo questiona a postura da Agência e coloca em
dúvida se a regulamentação da atividade nesses moldes contribuirá ou
atrapalhará a população:
O salário cai na sua conta e você pensa com o quê vai gastar seu
dinheiro. Comprar roupas em um Shopping Center? Renovar o estoque
de calçados? Fazer uma viagem? Ou passar na farmácia da esquina e
levar alguns medicamentos para casa? (...) a nova Resolução da
ANVISA (RDC 44/09) acabou colocando os remédios na categoria de
bens de consumo e as drogarias na de centro de compras. A medida,
além de restringir o acesso aos medicamentos isentos de prescrição
médica, proíbe a venda de alguns produtos na drogaria. A ANVISA
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Lucio Sanches Esteves Pinto
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alega que, na compra de um sorvete, por exemplo, o consumidor seria
influenciado a levar alguns remédios. O raciocínio oficial desmente
toda a Teoria Econômica que vimos na escola. Medicamento é bem
com demanda inelástica.
A medida da ANVISA, que defende transformar a farmácia em
“estabelecimento de saúde”, tem caráter ideológico e desconectado
da realidade mundial. Vai na contramão de mercados desenvolvidos
como EUA, França, Inglaterra, Itália e Suíça, onde a farmácia vem
evoluindo para incluir, nos últimos anos, conveniência com uma série
de facilidades para o consumidor.
(...) Esconder o remédio atrás do balcão, para evitar que as pessoas os
tomem em demasia ou desnecessariamente, é uma nova forma de
censurar os cidadãos, como se eles não soubessem comprar. Achar
que o funcionário da farmácia vai orientar e impor limites ao consumidor
não garante que os hipocondríacos continuem adquirindo remédios.
Basta ir a várias farmácias e ninguém perceberá. E, principalmente,
não evitará os excessos.(26)
O jornal O Estado de São Paulo de 20 de fevereiro de 2010 publicou
duras críticas à medida:
(...) As novas medidas, que determinam que os estabelecimentos
farmacêuticos comercializem somente produtos e serviços de saúde,
entraram em vigor esta semana e sua imposição foi justificada como
“garantia do cidadão à orientação farmacêutica”.
Segundo a ANVISA, a farmácia é um estabelecimento diferenciado e
seu “ambiente” não pode ser banalizado por produtos que não têm
relação com sua atividade-fim nem por “armadilhas” que levem os
clientes a adquirir medicamentos que envolvem riscos. Para a Agência,
muitas farmácias e drogarias estão organizadas como supermercados.
Ao colocar os mais variados tipos de remédios em gôndolas, de
analgésicos a vitaminas, fortificantes, plantas medicinais e essênciais
florais, elas estimulariam a automedicação por parte dos clientes.
Para a ANVISA, além de estimular os consumidores a comprar remédios
de que não necessitam, as farmácias — amparadas por leis estaduais
e municipais — vinham se transformando em verdadeiras lojas de
conveniência, como as existentes em postos de gasolina, vendendo
perfumes, brincos, barbeadores, lâminas, alimentos para dietas, chás,
refrigerantes, sucos, energéticos, frutas, sorvetes e jornais.
(...)
(26) BARRETO, Sérgio Mena. A RDC 44 e normativas: o Brasil na contramão do mundo. São Paulo,
02 mar. 2010. Disponível em . Acesso
em: 24 mai. 2010.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo v. 12, n. 2 p. 140-177 Jul./Out. 2011
A famárcia e a drogaria sob a nova ótica da RDC n. 44/2009 da ANVISA
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Com isso, a ANVISA colocou numa camisa de força um tipo de comércio
varejista cujo funcionamento tem características próprias, que variam
conforme o tamanho da cidade, a força econômica da região onde ela
está situada e o perfil social de seus habitantes.
Além de prejudicar comerciantes e consumidores, a resolução da
ANVISA os trata como pessoas desinformadas e incapazes de discer-
nir o que estão adquirindo. Pelas novas regras, os medicamentos —
inclusive os vendidos sem receita médica — deverão ficar atrás dos
balcões, fora do alcance dos clientes. Isso vai causar filas desnecessá-
rias, limitar o poder de escolha dos consumidores e estimular a velha
prática dos “diagnósticos e orientações” feitas por balconistas — também
chamada de “empurroterapia”.(27)
Corretas as críticas acima. Não se pode concordar com o argumento
da Agência no sentido de que a população adquire medicamentos por puro
impulso. Até porque são poucos aqueles que têm dinheiro sobrando para
“gastar” ou consumir sem necessidade. Mas a liberdade que o cliente tinha
de consultar os medicamentos que a própria Agência classificou como
medicamentos de risco potencialmente baixo (isentos de prescrição, de venda
livre) acabou. Assim, caberá ao próprio funcionário do estabelecimento pegar
o medicamento.
Qual medicamento será que ele pegará? O mais caro ou o mais barato?
O de alta ou de baixa rotatividade? O de marca (referência) ou o similar?
Quais as garantias a mais que terá o consumidor por essa intermediação
relacionada aos medicamentos isentos de prescrição?
É pura ilusão que, pelo simples fato do consumidor ter que solicitar o
produto no balcão, haverá garantia da orientação farmacêutica. Primeiro,
porque o quadro de funcionários do estabelecimento não é composto somente
por farmacêuticos (aliás, em muitos casos, será privilégio do consumidor se
houver algum responsável técnico presente, disponível para ser consultado).
Segundo, é da própria natureza econômica do estabelecimento a busca
da melhor venda, a cobertura da oferta, a famosa frase do “leve dois, pague
um”. A prática da “empurroterapia” seria quase absoluta.
Imaginando pelo limite: o consumidor aparece com um pedido de
compra enorme de analgésicos. Alguém acredita seriamente que o
vendedor se recusará a fechar o negócio? Digamos que o balconista
ainda pergunte: Mas por que o senhor quer tanta coisa? E o
consumidor, mal-humorado, responda: Não é da sua conta.
Pode o vendedor negar a venda? Não pode. Não há lei que proíba
uma pessoa de comprar 50 envelopes de analgésicos. O consumidor
poderia até acusar o vendedor de discriminação.
(27) O EXCESSO de zelo da Anvisa. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. A3, 20 fev. 2010.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo v. 12, n. 2 p. 140-177 Jul./Out. 2011
Lucio Sanches Esteves Pinto
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Admitamos que o balconista consiga não fazer a venda. O que faz o
consumidor? Vai a outras farmácias.
Mas o vendedor pode orientar o comprador, tal é a alegação. Pode?
Difícil. Esse funcionário do balcão não é farmacêutico. Pode ter
experiência, mas raramente será um técnico treinado no assunto. Sim,
ele pode chamar o farmacêutico que deveria estar ali 24 horas. Pode,
talvez num estabelecimento pequeno, não certamente nas lojas
maiores, dado o imenso movimento.
Além disso, sabe-se que muitas farmácias não cumprem a regra de ter
sempre um farmacêutico por ali. Eis um ponto interessante: em vez de
encontrar um meio de resolver esse problema, a ANVISA cria outras
regras, que complicam a vida daquelas farmácias que já cumprem as
atuais e mantêm o profissional de plantão.(28)
Qual é a efetiva medida do risco relacionado ao consumo de medicamentos
isentos de prescrição?
Como se sabe, há muitas categorias de medicamentos. Assim, apenas
com fins didáticos (ou seja, sem o compromisso de se nominar tecnicamente
cada uma das categorias), vamos admitir apenas a existência de três grandes
categorias: (i) medicamentos sujeitos a controle especial (de tarja preta).
vendidos apenas com a retenção da receita(29); (ii) medicamentos de venda
sob prescrição médica (tarja vermelha); e (iii) medicamentos isentos de
prescrição, de venda livre.
Desde o início, já se verifica um equívoco. A ANVISA não está levando
em consideração que a automedicação é praticada pelo uso de medicamentos
cuja apresentação da receita é necessária ou obrigatória, no caso dos
medicamentos controlados. Então, seguindo pela lógica da Agência,
admitamos apenas por ora que os “vilões” da intoxicação, da automedicação
e do consumo irracional de medicamentos sejam apenas os medicamentos
isentos de prescrição.
Ora, se os medicamentos isentos de prescrição já foram classificados
como medicamentos com potencial de risco bem menor do que outros
medicamentos, cujo consumo não causará maiores problemas, por que a
retirada deles do alcance dos consumidores diminuirá os índices de
intoxicação, de automedicação, do consumo irracional ou de reações
adversas? Parece-nos, com todo o respeito, que se a preocupação é o “risco”
pelo consumo desmedido, irracional e sem orientação desses medicamentos,
a ANVISA deveria reclassificá-los para a categoria de medicamentos de
venda sob prescrição médica.
(28) SARDENBERG, Carlos Alberto. Quem sabe comprar um comprimido? O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 22 fev. 2010, p. B2.
(29) A Portaria SMS/MS n. 344/98 aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos
sujeitos a controle especial vendidos apenas com apresentação e retenção de receita.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo v. 12, n. 2 p. 140-177 Jul./Out. 2011
A famárcia e a drogaria sob a nova ótica da RDC n. 44/2009 da ANVISA
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Outra questão: todos os medicamentos isentos de prescrição causam
intoxicação, automedicação, consumo irracional e provocam reações adversas?
Em caso positivo, por que alguns deles ainda podem ficar ao alcance
dos consumidores? O risco desses medicamentos é menor do que os demais?
O meio de administração (oral, por exemplo) causa menos risco ou provoca
menos reações adversas do que a forma de pomada (uso tópico, dermatológico)?
Os medicamentos fitoterápicos também não provocam reações indesejadas,
se consumidos irracionalmente?
Por que todos os medicamentos isentos de prescrição não foram para
trás do balcão? Qual a diferença existente entre os medicamentos isentos de
prescrição que levou a Agência a abrir exceção e permitir a exposição na
forma atual dos medicamentos fitoterápicos, de notificação simplificada e de
uso dermatológico? O risco não é o mesmo? Ora, há ou não há risco a ser
prevenido com a retirada dos medicamentos de venda livre das gôndolas?
À luz destas questões, parece-nos que o objetivo da ANVISA de
beneficiar o consumidor, garantir a assistência e a orientação farmacêutica,
evitar a automedicação e o uso irracional de medicamentos não se harmonizam
com as mudanças trazidas pela RDC n. 44/2009. Se há riscos a serem
prevenidos, todos os medicamentos isentos de prescrição deveriam ir para
dentro do balcão. Ou então, a Agência deve reconsiderar os riscos
relacionados a esses medicamentos, promovendo-os para a categoria de
venda com prescrição médica.
Outro aspecto que chama a atenção é o destaque dado pela Agência
no sentido de que os números e as estatísticas apresentadas pelo Sistema
Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX) comprovam que
os maiores agentes causadores de intoxicação em seres humanos são os
medicamentos.
Infelizmente o estudo não diferencia quais as classes de medicamentos
(controlados, de venda sob prescrição ou de venda livre) são os maiores
causadores de intoxicação. Seria preciso qualificar, dentro do universo de
medicamentos, quais deles seriam os maiores causadores da intoxicação humana.
Não nos parece apropriado dizer que as intoxicações são causadas
(todas ou, pelo menos a maioria) por medicamentos isentos de prescrição,
dado o próprio potencial de risco inferior oferecido por esses medicamentos.
No entanto, um estudo revela que “A livre compra de medicamentos,
para cuja dispensação seria obrigatória a apresentação de receita médica
(44,1%), se por um lado demonstra o pouco caso ou desconhecimento em
relação às normas regulamentares, por outro evidencia as dificuldades de
acesso a uma atenção médica e farmacêutica adequadas.(30) (grifos nossos)
(30) ARRAIS, Paulo Sérgio D.; COELHO, Helena Lutéscia L.; BATISTA, Maria do Carmo D. S.;
CARVALHO, Marisa L.; RIGHI, Roberto E.; ARNAU, Josep Maria. op. cit., p. 71-77.
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Ora, os medicamentos mais procurados segundo o estudo, são os
medicamentos para cuja dispensação já seria obrigatória a apresentação de
receita médica. Aparentemente, ao que nos parece, não são os medicamentos
isentos de prescrição que são as maiores causas de intoxicação, mas sim os
medicamentos de venda sob prescrição médica, exatamente aqueles que já
estavam atrás do balcão!
Merece destaque: o não cumprimento da obrigatoriedade da
apresentação da receita médica e a carência de informação são os
principais problemas que levam à automedicação e à intoxicação. Ora, a
automedicação é o efeito e a intoxicação é a consequência. Muito mais
eficazes seriam as ações dos órgãos reguladores se elas estivessem
direcionadas às causas do problema, não aos efeitos, nem tampouco às
consequências!
O estudo ainda revela que a tendência dos países desenvolvidos é de
aumento do número de medicamentos de venda livre — bem como a
disponibilidade desses produtos em outros locais não farmacêuticos. No entanto,
nesses países, os rígidos controles estabelecidos pelas agências
reguladoras e o crescente envolvimento dos farmacêuticos com a
orientação dos usuários de medicamentos, tornam menos
problemática a prática da automedicação. Já no Brasil, (...) a má
qualidade da oferta de medicamentos, o não cumprimento da
obrigatoriedade da receita médica e a carência de informação e
instrução na população em geral justificam a preocupação com a
qualidade da automedicação praticada no País.(31) (grifos nossos)
E porque são vendidos medicamentos de venda sob prescrição médica
sem a apresentação da respectiva prescrição? Simplesmente porque se eles
não fizerem a venda, o consumidor atravessa a rua e o adquire em outra
farmácia. Ou seja, não há fiscalização. Se os estabelecimentos fossem
autuados e punidos de acordo com as leis já existentes por não observar
essas regras — todos eles, — será que a dispensação desses medicamentos
continuaria? Seguramente, não.
O estudo acima ainda concluiu que a população não está corretamente
instruída com relação ao consumo dos medicamentos:
a escolha de medicamentos é baseada principalmente na recomendação
de pessoas leigas (51,0%), sendo também relevante a influência de
prescrições anteriores (40,0%). Com relação ao segundo aspecto, é
possível que a última visita ao médico (36,0% durante o período da
pesquisa) tenha influenciado sobremaneira o perfil dos medicamentos
escolhidos.(32)
(31) ARRAIS, Paulo Sérgio D.; COELHO, Helena Lutéscia L.; BATISTA, Maria do Carmo D. S.;
CARVALHO, Marisa L.; RIGHI, Roberto E.; ARNAU, Josep Maria. op. cit., p. 72.
(32) Id. Ibid., p. 76.
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A famárcia e a drogaria sob a nova ótica da RDC n. 44/2009 da ANVISA
160
Essa conclusão do estudo é de fácil explicação: quantos desses
pacientes tiveram acesso a médicos e hospitais?
Destarte, o problema a ser atacado — e que o Governo, os órgãos
reguladores e demais instituições não conseguem resolver — é o problema
do acesso aos serviços de saúde. Se a farmácia ou a drogaria é o primeiro
estabelecimento que o cidadão procura quando se encontra em situação de
agravo à sua saúde, contra esse problema é que os esforços devem se
concentrar!
Mais uma vez, uma relação de causa e de efeito. A Agência agiu no
efeito: a automedicação irresponsável e a intoxicação. Não considerou os
motivos que levam a essa consequência. A falta de médicos é um problema
grave que assola o País, que ainda possui diversos municípios sem nenhum
hospital público e diversas cidades sem médico em nenhum dia do ano(33).
O CRF/SP é uma das entidades que mais apoia a RDC n. 44/2009. Em
seu projeto “Farmácia estabelecimento de Saúde”, expõe que (i) os
Medicamentos Isentos de Prescrição oferecem baixo risco à saúde —
inclusive de abuso; (ii) a automedicação, se for feita em uma certa medida
e com a necessária orientação, pode favorecer a recuperação da saúde:
Geralmente, os MIP são indicados para doenças com alta morbidade e
baixa gravidade e são considerados de elevada segurança de uso,
eficácia comprovada cientificamente ou de uso tradicional
reconhecido, de fácil utilização e baixo risco de abuso, como, por
exemplo, os antiácidos, os analgésicos e os antitérmicos. Os MIP
podem ser vendidos, comprados, solicitados, fornecidos, dispensados
(33) Sobre essa questão, oportuno conferir matéria veiculada na Rede Globo de Televisão, no
programa “Fantástico” exibida no último dia 16 de abril de 2010, disponível no site de notícias de
Rede Globo de Televisão (www.g1.com): APESAR de novo código de ética, médicos continuam
faltando. Disponível em:
APESAR+DE+NOVO+CODIGO+DE+ETICA+MEDICOS+CONTINUAM+FALTANDO.html> Acesso em:
10 jun. 2010. Nesse mesmo sentido, manifesta-se Sérgio Mena Barreto em seu blog disponível no
site da ABRAFARMA, no comentário FALTAM médicos e por consequência receitas médicas
/www.abrafarma.com.br/blog.htm> Acesso em: 29 mai. 2010. “Matéria do Programa Fantástico da
Rede Globo exibida no último domingo, dia 16/Abril, exibiu uma cena comum: a falta de médicos nos
hospitais. Esse é o Brasil de verdade. Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais
apontaram, em estudo recente, que a população de 455 municípios do Brasil não tem acesso a
nenhum médico na rede pública de saúde EM NENHUM DIA DO ANO. Em cerca de 1.000 municípios
há médico em média SOMENTE UMA VEZ POR MÊS. Pra deixar claro: 30% dos municípios brasileiros
têm grave problema de acesso a profissional médico, e por consequência, a tratamento e receitas
de medicamentos.O problema não se resume à Região Norte, geralmente mais carente, onde o
percentual de cidades que não possuem nenhum médico em sua estrutura de saúde chega a 25,7%.
Em 25,5% dos municípios do Sul e 24,4% do Sudeste também não há médicos. No PSF (Programa
de Saúde da Família), 35% dos municípios brasileiros continuam sem atendimento algum. Levanto
esse tema em razão da recorrência em se colocar a culpa nas farmácias e drogarias pela venda de
medicamentos sem receitas. Na verdade falta acesso. E é muito simplório, pra não dizer vexatório,
alguém falar que esse é um problema do varejo, como vemos sempre por aí. É um problema de
gestão pública. E de todos nós, sociedade brasileira.”
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ou doados sem obrigatoriedade de nenhuma formalização de
documento emitido por profissional legalmente habilitado para
prescrevê-lo (OPAS, 2008). O seu uso tende a ser aceito hoje pelos
órgãos sanitários como parte integrante do sistema de saúde. O fácil
acesso aos MIP torna-os diretamente atrelados à automedicação,
prática comum, devida (sic) à dificuldade de atendimento médico
(demora na marcação de consultas médicas, atendimento precário
em pronto-socorros, etc.). A automedicação, condenada por muitos,
em alguns casos, se feita de forma correta, pode ser desejável. A
Organização Mundial de Saúde (OMS) define a automedicação
responsável como “prática dos indivíduos em tratar seus próprios
sintomas e males menores com medicamentos aprovados e disponíveis
sem a prescrição médica e que são seguros quando usados segundo
as instruções” e a recomenda como forma de desonerar o sistema
público de saúde. É válido ressaltar que o conceito da automedicação
responsável não deve ser confundido com autoprescrição (uso sem
receita médica de medicamentos tarjados). Em países como EUA,
Canadá, Japão e países da União Europeia, a automedicação é
prática consolidada, sendo a automedicação responsável utilizada
principalmente para o tratamento de sintomas e doenças sem
gravidade, como gripes, resfriados, dores de cabeças comuns,
alguns tipos de micoses, dores musculares, entre outras
enfermidades.(34) (grifos nossos)
A passagem acima denota que o problema não é a automedicação,
mas sim a falta de acesso à informação e ao tratamento médico, seguido
pela orientação do farmacêutico. Se realizada com a supervisão e orientação
de profissional habilitado, a automedicação é prática desejável e recomendada
pelas organizações supranacionais, inclusive como forma de desonerar os
serviços de saúde. Porém, a automedicação só ocorrerá de modo responsável
e com a necessária orientação se o farmacêutico responsável técnico estiver
presente no estabelecimento.
É o farmacêutico o profissional regularmente habilitado e capacitado
para supervisionar o consumo racional de medicamentos. Aliás, no aspecto
da assistência farmacêutica nesses estabelecimentos, o CRF/SP e a ANVISA
estão cobertos de razão.
Em verdade, é justamente a necessidade da presença do farmacêutico
responsável técnico nesses estabelecimentos durante todo o horário de
funcionamento que os colocam na classificação de estabelecimentos
comerciais de produtos de interesse da saúde. Não há a necessidade de
responsável técnico em outros estabelecimentos comerciais. Mas, no comércio
(34) Disponível no site CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Fascículo
II — Medicamentos isentos de prescrição. Disponível em: <http://www.crfsp.org.br/joomla/
index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=205&Itemid=108>. Acesso em: 26 mai. 2010.
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A famárcia e a drogaria sob a nova ótica da RDC n. 44/2009 da ANVISA
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farmacêutico, a presença dele é imprescindível. É o farmacêutico presente
nos estabelecimentos que garantirá a exata medida de equilíbrio e harmonia
entre o “consumismo”, próprio do mundo capitalista — acentuado no mercado
brasileiro — com as reais necessidades dos consumidores.
De fato, a presença do responsável técnico nos estabelecimentos
farmacêuticos é uma das questões mais importantes para solucionar o
problema do uso irracional de medicamentos, consumo inadequado e
cuidados com interações medicamentosas. Porém, aqui se impõe destacar
outro problema: o Brasil não possui profissionais farmacêuticos em número
suficiente para atender a demanda.
Segundo informações do Conselho Federal de Farmácia(35), há mais
de 79.000 farmácias e drogarias registradas. Entretanto, os farmacêuticos
inscritos nos Conselhos Regionais somam pouco mais de 133.000 profis-
sionais. Sabe-se que nem todos esses profissionais trabalham em farmácias
e drogarias, mas apenas para argumentar, levemos em consideração so-
mente os dados relacionados às farmácias e drogarias existentes no País.
Admitindo que todos esses profissionais fossem absorvidos pelas farmácias
e drogarias, fica evidente a insuficiência na assistência farmacêutica. Um
estabelecimento comum que funcione apenas em horário comercial precisaria,
no mínimo, de dois farmacêuticos. Daí por que, embora a lei exija a presença
de técnico responsável, a maioria dos estabelecimentos não conta com a ne-
cessária assistência, o que torna impossível cumpri-la.
Silva e Vieira (2004) publicaram um estudo com o propósito de
caracterizar o perfil dos responsáveis técnicos nas drogarias e avaliar o
conhecimento sobre alguns aspectos da legislação que rege o funcionamento
de drogarias e da profissão. Os dados são preocupantes: de acordo com a
metodologia do estudo, o nível de conhecimento a respeito da legislação
sanitária foi considerado insuficiente para 28% dos profissionais; regular
para 50%; e bom apenas para 22%(36).
Mais preocupante ainda, o estudo revelou carência de conhecimento
no próprio exercício da profissão. Por exemplo, quase metade dos
farmacêuticos entrevistados (46%) afirmaram que “(...) o medicamento
Dorflex® (um relaxante muscular que contém uma associação de orfenadrina,
dipirona e cafeína) é de venda livre, ou seja, 46% desconhecem a exigência
de prescrição médica para esse medicamento.(37) De acordo com o estudo
(35) Cf. no site do CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA. Estatísticas, estabelecimentos farmacêuticos
no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2010 e
CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA. Relação de profissionais inscritos. Disponível em:
www.cff.org.br/#[ajax]pagina&id=139>. Acesso em: 26 mai. 2010.
(36) SILVA, Luci Rodrigues da; VIEIRA, Elisabeth Meloni. Conhecimento dos farmacêuticos sobre
legislação sanitária e regulamentação da profissão. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 38, n.
3, p. 429-437, 2004.
(37) Id. Ibid., p. 429.
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163
(...) as faculdades de farmácia provavelmente não fornecem
subsídios teóricos básicos e práticos para que os futuros
farmacêuticos possam atuar na dispensação de medicamentos.
Os farmacêuticos que trabalham nas drogarias não têm sua formação
voltada para a prática da atenção farmacêutica, sendo em sua maioria
habilitados para a indústria e as análises clínicas. Fica constatada a
necessidade de formação do farmacêutico centrada no conheci-
mento dos medicamentos, inclusive da legislação sanitária, para
que no futuro possam exercer plenamente a profissão, sem amea-
ças penais ou prejuízos à população. Os treinamentos e reciclagens
(em serviço) na área de dispensação de medicamentos, acompa-
nhados pela supervisão direta e educação continuada, deveriam
também integrar as propostas de ações das entidades de classe e
associações da categoria, com a efetiva participação do aparelho
formador. (grifamos)
Por isso, antes de se pensar na automedicação responsável e no
consumo racional de medicamentos, é preciso capacitar os profissionais
que dirigem tecnicamente os estabelecimentos para que eles tenham
condições de assumir essa grave responsabilidade.
Se nem mesmo os farmacêuticos sabem que é necessário ter um
responsável técnico presente durante todo o horário de funcionamento do
estabelecimento, se são incapazes de apontar as diferenças entre um
medicamento genérico de um similar, ou um medicamento de venda livre
para outro de venda sob prescrição, como é que eles poderiam assumir a
responsabilidade de “estabelecimentos de saúde”? Não há como atribuir
a eles a responsabilidade para dirigir esses estabelecimentos, sem antes
pensar na capacitação desses profissionais.
Por outro lado, preocupa-nos bastante a proposta do Conselho Federal
de Farmácia no sentido de propor uma normatização para a regulamentação
das “atribuições e competências do farmacêutico na prescrição farmacêutica”(38).
Mesmo não estando preparados sequer para assumir responsabilidades
técnicas e desenvolver atividades elementares enquanto técnicos farmacêuticos
das drogarias e farmácias, o Conselho Federal de Farmácia quer aprovar uma
Resolução que dê ao farmacêutico da drogaria a atribuição de prescrever
medicamentos isentos de prescrição. Essa medida é realmente absurda.
A prescrição é um ato privativo do médico, assim como é privativo do
farmacêutico a dispensação de medicamentos sujeitos a controle especial.
(38) Cf. a Consulta Pública n. 01/2010, disponível no site do CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA.
Consultas Públicas. Disponível em: . Acesso em: 26
mai. 2010.
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A famárcia e a drogaria sob a nova ótica da RDC n. 44/2009 da ANVISA
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Não é a classificação do medicamento que atribui a este ou aquele profissional
a realização de determinado procedimento. Em se tratando de prescrição de
medicamentos (qualquer medicamento que seja) estamos diante de uma
capacitação técnico-profissional, da formação em curso superior em medicina
e da obtenção de um diploma. Ainda que a grade curricular dos cursos de
medicina e farmácia sejam parcialmente convergentes e se pareçam em
determinados momentos — o que a propósito é salutar — não é por isso que
o farmacêutico pode praticar atos privativos dos médicos!
Com uma crítica bastante dura contra a proposta do Conselho Federal
de Farmácia, Carlos Alberto Sardenberg assim se manifestou:
(...) Mas o Conselho Federal de Farmácia (...) prepara uma resolução
determinando que todos os medicamentos isentos de prescrição
médica só poderão ser vendidos com uma prescrição farmacêutica.
(...) Haverá, portanto, uma espécie de consulta obrigatória, com o
farmacêutico, para a compra de qualquer medicamento, por mais
simples que seja, e isso tudo seria determinado por uma resolução
do Conselho Federal de Farmácia. A ANVISA apoia essa proposta do
conselho, pois é uma maneira de contrabandear e ampliar aquela outra
resolução [a RDC n. 44/2009]. Pela norma da ANVISA, o consumidor
vai precisar fazer uma ficha e obter a receita do farmacêutico, mesmo
para um medicamento que ele mesmo, consumidor, escolheu e que
normalmente usa. Difícil imaginar outro meio de torrar a paciência dos
consumidores. Difícil também imaginar outro meio de tumultuar e
encarecer um comércio que funciona relativamente bem. O argumento
da ANVISA e do conselho sustenta que as regras destinam a evitar o
uso indevido de medicamentos isentos de prescrição e, assim, prevenir
reações adversas e/ou interações medicamentosas. Mas esse tipo de
problema não é, propriamente, uma calamidade nacional, nem sequer
uma preocupação grave. Não há notícia de que a coisa no Brasil esteja
fora de controle. O que ocorre mais é problema com o uso indevido de
medicamentos, digamos, mais perigosos, justamente aqueles que
precisam de prescrição — e que são vendidos sem a receita. Tem a
venda no contrabando que vem do Paraguai, por exemplo, que é um
assunto da polícia. Mas muitas farmácias legalmente estabelecidas
também vendem sem prescrição e depois compram receitas de médicos.
Ora, em vez de tratar desse assunto, a ANVISA e o Conselho de
Farmácia querem introduzir outra prescrição e outra ficha. O argumento
de que o brasileiro não sabe comprar remédio não se justifica. Os
números não indicam uso excessivo dos medicamentos livres, mesmo
porque as pessoas não estão com dinheiro sobrando para comprar um
remédio novo só para experimentar a novidade. (...) o Conselho está
obviamente preocupado em garantir mais postos de trabalho para os
farmacêuticos. Resultado: se isso tudo vingar, vão conseguir duas
Revista de Direito Sanitário, São Paulo v. 12, n. 2 p. 140-177 Jul./Out. 2011
Lucio Sanches Esteves Pinto
165
coisas: aumentar o preço dos remédios e tirar a liberdade de o cidadão
comprar um simples comprimido para dor de cabeça.(39)
A proposta atribui ao farmacêutico uma responsabilidade para cujo
exercício ele não foi capacitado. Além do que, como já dissemos acima, se o
problema que se quer evitar é o risco pela intoxicação por medicamentos
isentos de prescrição, a ANVISA deveria propor uma reclassificação para
os isentos de prescrição, de modo que os fármacos que, em tese, oferecem
mais riscos, sejam vendidos mediante a apresentação de receita médica.
Além disso, os medicamentos que causam maior intoxicação na população
não são os medicamentos isentos de prescrição, mas sim aqueles que para
serem vendidos, já é exigida a receita médica. Portanto, não seria o caso de
se intensificar a fiscalização, punindo os infratores de acordo com a lei? Por
óbvio que sim.
Ademais, a proposta do Conselho Federal de Farmácia para
implementar a prescrição de medicamentos pelo farmacêutico é um
verdadeiro absurdo. Nem mesmo suas atribuições elementares, típicas da
função como responsável técnico de drogaria ou de farmácia, o farmacêutico
domina, conforme demonstrou o estudo de Silva e Vieira (2004). Imaginemos,
pois, as consequências desastrosas dessa proposta. Como bem afirmou
José Ruben de Alcântara Bonfim, da Sociedade Brasileira de Vigilância de
Medicamentos (Sobravime), nem sempre é fácil definir o que é um “transtorno
menor”. “É preciso experiência e algumas habilidades que se aprendem na
faculdade de Medicina.” Já o vice-presidente do Conselho Federal de
Medicina (CFM), Carlos Vital, afirma que a legislação brasileira prevê que o
diagnóstico e a prescrição são atos que pertencem ao âmbito médico(40).
VI. O COMÉRCIO DE PRODUTOS ALHEIOS AO RAMO FARMACÊUTICO
Além da questão dos medicamentos isentos de prescrição, a ANVISA
também proibiu o comércio de outros produtos, classificados pelas
autoridades como produtos estranhos à atividade. A ampliação do mix de
produtos comercializados nas farmácias e drogarias desvirtua esses
estabelecimentos de suas funções, que devem ser comprometidas com a
recuperação da saúde. Segundo o CRF/SP.
(39) SARDENBERG, Carlos Alberto. O brasileiro sabe cuidar de sua vida? O Estado de S. Paulo, São
Paulo, SP, p. B2, 07 jun. 2010.
(40) PROJETO prevê que farmacêutico prescreva analgésicos e antiácidos. O Estado de São Paulo,
São Paulo, SP, 22 Jun. 2010. Disponível em:
preve-que-farmaceutico-prescreva-analgesicos-e-antiacidos,570349,0.htm#bb-md-noticia-tabs-1>.
Acesso em: 22 jun. 2010.
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A famárcia e a drogaria sob a nova ótica da RDC n. 44/2009 da ANVISA
166
Quanto maior a quantidade de outros produtos comercializados, menor
o tempo gasto com o acompanhamento farmacoterapêutico, a atenção
farmacêutica e a farmacovigilância. O usuário por desconhecimento da
legislação nem sempre exige a assistência farmacêutica no momento
da dispensação, ou será que ele se distrai com as outras mil opções de
compra encontradas? A definição dos produtos cuja venda é permitida
em farmácias e drogarias atende os anseios de toda a classe farmacêutica,
uma vez que existem divergências até entre os órgãos de fiscalização.(41)
A questão aqui a ser analisada é o alcance do conceito de produto
correlato. De acordo com o art. 4º, inciso IV da Lei n. 5.991/73, correlato é:
a substância, produto, aparelho ou acessório não enquadrado nos conceitos
anteriores, cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e proteção da
saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins
diagnósticos e analíticos, os cosméticos e perfumes, e, ainda, os produtos
dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e veterinários.
Além disso, a lei permite o comércio de outros produtos, típicos de lojas
de conveniência. A Lei n. 9.069/1995 acrescentou no art. 4º da Lei n. 5.991/73
o inciso XX que traz o conceito de loja de conveniência e drugstore:
“estabelecimento que, mediante auto-serviço ou não, comercializa diversas
mercadorias, com ênfase para aquelas de primeira necessidade, dentre as
quais alimentos em geral, produtos de higiene e limpeza e apetrechos
domésticos, podendo funcionar em qualquer período do dia e da noite,
inclusive nos domingos e feriados.
O comércio de outros produtos não tira o foco da natureza desses
estabelecimentos, até porque a própria lei permite o comércio de produtos
de “primeira necessidade”. É até plausível admitir que o consumidor vá à
farmácia para comprar um medicamento qualquer e acabe levando um
chocolate ou um suco. Mas não se pode admitir o contrário: ninguém vai à
farmácia para comprar um chocolate e acaba levando um comprimido por
mero acaso. E isso não ocorre pela própria natureza desses estabelecimentos.
A concorrência que abre um leque de ofertas desapareceria, dando
lugar ao monopólio de algumas marcas e acarretando preços mais
altos que os atuais. Essa decisão é um caminho inverso do de mercados
desenvolvidos, em que a farmácia tem incluído não medicamentos
com uma série de facilidades para o consumidor. Vale lembrar também
que a norma da ANVISA está na contramão do que pensa a população.
Para os brasileiros, é clara a diferença entre medicamentos e não
medicamentos.(42)
(41) Disponível no site do CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Fascículo I — Projeto. Disponível em:
PDFFciaEstSaude.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2010.
(42) BARRETO, Sérgio Mena. Medicamento nunca foi bem de consumo. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 20 fev. 2010. Disponível em . Acesso em: 26
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167
A ABRAFARMA propôs uma ação coletiva em face do CRF/SP com
vistas a obter medida para assegurar a expedição do Certificado de
Regularidade independentemente do fato de seus associados comercializarem
produtos alheios ao ramo farmacêutico. Não é objeto deste trabalho analisar
o mérito daquela ação, porém, um trecho da sentença proferida em 31 de
maio de 2010 merece destaque:
(...) Deixo, ainda, registrado que o estabelecimento farmacêutico deve
ser visto como estabelecimento comercial, que atende, dentro do
possível, as necessidades da população. Não acredito que o fato
deste estabelecimento comercializar medicamentos e correlatos
deve impedir a população de ter acesso a outros produtos alheios
ao ramo farmacêutico — claro, desde que não haja a constituição de
outro estabelecimento totalmente díspare dentro da farmácia ou drogaria
— sob a alegação de atender ao interesse público. Ora, o interesse
público é o interesse de todos, o bem comum sempre buscado com
a atuação da Administração, onde estaria este bem comum com a
proibição em questão? O que se tem de evitar e proteger o indivíduo
é no que se refere à automedicação, em que o Brasil é campeão
mundial, mas isto se faz não com a proibição de comercialização
nestes estabelecimentos de outros produtos, mas sim com
fiscalização adequada.
Outrossim, alegações de que a comercialização de produtos alheios
aos do ramo farmacêutico implicaria em contaminação destes últimos,
devido a presença de insetos no armazenamento, dentre outros
argumentos, é causa para a adequada e intensa fiscalização, e não
para o impedimento do exercício da livre iniciativa. Ademais, insetos
podem haver até mesmo em se tratando de farmácias e drogarias que
nada comercializem além de produtos farmacêuticos, bastando
encontrarem-se em lugar propício a tanto, o que não é difícil encontrar-
se. E ainda, se fossemos impedir a comercialização de produtos sob
este argumento, simplesmente os supermercados não existiriam.(43)
(grifos nossos)
Além de inoportuna e imprestável ao objetivo almejado, a proibição de
comercialização de outros produtos nas farmácias e drogarias esbarra em
leis estaduais e municipais que permitem expressamente o comércio desses
produtos. No Estado de São Paulo, a Lei n. 12.623/2007 permite às farmácias
e drogarias o comércio de diversos produtos tipicamente questionados por
mai. 2010. É oportuno destacar que, em pesquisa realizada pelo IBOPE em novembro de 2009, 73%
dos entrevistados afirmaram ser contra a proibição de venda de produtos de conveniência e
serviços nas farmácias. O levantamento ouviu 1.302 pessoas de seis capitais. A margem de erro foi
de 3%.
(43) Juíza Federal Substituta da 14ª Vara Cível da Justiça Federal da Seção Judiciária de São Paulo
Cláudia Rinaldi Fernandes (Processo n. 2007.61.00.031844-5).
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A famárcia e a drogaria sob a nova ótica da RDC n. 44/2009 da ANVISA
168
autoridades, como sendo produtos estranhos à atividade farmacêutica. O
então Governador José Serra havia vetado a Lei, porém, os deputados
paulistas derrubaram o veto. O Governo propôs então uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, que ainda se encontra em tramitação no Supremo
Tribunal Federal. Romano-Lieber (2008)(44) diz que:
Lei Estadual n. 12.623/07 contrapõe-se ao conjunto de Leis Federais,
cuja evolução vem buscando trazer conotação mais precisa ao
significado restrito de estabelecimento de saúde às farmácias e
drogarias, em consonância com as recomendações supranacionais
que o país procura atender. A Ação Direta de Inconstitucionalidade,
em face da Lei Estadual n. 12.623/07, orienta-se no fato de que, na sua
concepção, existe contrariedade com a competência da União em
legislar sobre as normas gerais da proteção e defesa da saúde. A lei
extrapola os limites determinados pela Lei Federal que disciplina a
matéria ao estabelecer a venda de produtos de conveniência em
farmácias e drogarias. Em resumo, como salientado na própria Ação, o
legislador estadual, ao disciplinar o comércio de artigos de conveniência
em farmácias e drogarias, não se restringiu àqueles produtos que se
enquadrassem na modalidade de correlatos, conforme a Lei n. 5.991/
73, diretamente ligados à defesa e proteção da saúde individual ou
coletiva, mas entendeu como lícita a comercialização de todo e qualquer
artigo de conveniência, contemplando inúmeros itens que nada têm a
ver com a saúde pública.
Em que pese tais ponderações, a improcedência dos argumentos é
manifesta. O Advogado-Geral da União manifestou-se nos autos daquela
Ação Direta de Inconstitucionalidade e, com argumentos robustos, rebate:
(...) a presente controvérsia limita-se a aferir a (in)constitucionalidade
da Lei n.12623/07, do Estado de São Paulo, em face do art. 24, XII da
Constituição da República, cuja inteligência, em síntese, determina
competir à União, no âmbito da competência legislativa concorrente
entre ela, os Estados e o Distrito Federal, ditar normas gerais sobre
proteção e defesa da saúde.
Tal disposição encontra-se intimamente ligada àquela constante do
art. 196 da mesma Carta Política, que determina ser a saúde direito de
todos e dever do Estado, este, no caso, compreendido pelos entes
integrantes da Federação, especialmente União, Estados e Distrito
Federal, responsáveis pela alocação de grande parte dos recursos
destinados à saúde.
A propósito, essa confluência de competências levada a efeito pelo
caput e pelos incisos do referido art. 24 encontra-se certo grau de
(44) ROMANO-LIEBER, Nicolina Silva; CUNHA, Marcelo Ferreira Carlos; RIBEIRO, Eliane, op. cit., p.
188-199.
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169
distribuição interna nos parágrafos subsequentes. O primeiro deles
limita a competências da União ao estabelecimento de normas gerais,
ou seja, normas principiológicas, de interesse geral; o segundo e o
terceiro cuidam da competência suplementar (complementar e
suplementar propriamente dita) dos Estados e do Distrito Federal, isso
é, diante das normas gerais fixadas pela União, podem complementá-
las, orientados pelas circunstâncias de interesse local. (...)
Aplicando esse raciocínio ao caso sub judice, evidencia-se que a Lei n.
12623/07, do Estado de São Paulo, foi editada em perfeita consonância
com o disposto no § 2° do art. 24 da Constituição de 1988, porquanto
cuidou de questões de interesse regional, sem afastar a observância à
norma geral quanto ao tema, já editada pela União (Lei n. 5991/73,
que traça normas gerais sobre ‘o controle sanitário do comércio de
drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos)’.
Assim, ao contrário do que afirmado pelo Requerente, a lei estadual
impugnada impõe-se, expressamente, às farmácias e drogarias
instaladas no estado, o dever de ‘cumprir todas as normas técnicas e
preceitos legais específicos à comercialização de cada produto’, dentro
as quais se inclui o diploma federal supramencionado.
A Ação ainda não foi julgada em definitivo, mas espera-se que o
Supremo Tribunal Federal julgue a ação improcedente, reconhecendo-se
que a lei observa os princípios constitucionais e em nada prejudica o comércio
farmacêutico. E na medida em que a lei seja considerada constitucional,
seguramente não será nociva à saúde. Pelo contrário, contribuirá para a
economia, para a livre iniciativa e se coadunará com os interesses da
população revelados na pesquisa feita pelo IBOPE em novembro/2009.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todos os aspectos acima expostos, parece-nos que a ANVISA não
acertou ao interferir em um comércio que já funcionava com relativa eficiência.
A medida que propôs a retirada dos medicamentos isentos de prescrição do
alcance dos consumidores não trará os resultados almejados pelas
autoridades.
Primeiro, porque a simples retirada não evitará que os produtos sejam
adquiridos livremente. Além do mais, não são esses produtos que provocam
as intoxicações, as reações adversas e o uso irracional de medicamentos.
Os medicamentos que mais provocam intoxicação são aqueles para os quais
a dispensação já exige apresentação de receita médica. Pior ainda, pois em
alguns estabelecimentos, o consumidor tem acesso até mesmo a medicamentos
controlados — para cuja dispensação é necessária a retenção da receita
médica.
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A famárcia e a drogaria sob a nova ótica da RDC n. 44/2009 da ANVISA
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Se a culpa do problema da intoxicação realmente fosse dos medicamentos
isentos de prescrição, ou seja, se de fato esses medicamentos expusessem
o consumidor a um risco de relevância pública, eles deveriam ser
reclassificados como medicamentos de venda sob prescrição. Com essa
medida, de modo muito mais técnico e rigoroso, os medicamentos seriam
dispensados aos consumidores, inclusive porque a propaganda — uma das
ferramentas mais efetivas dos fabricantes relacionadas aos medicamentos
de venda sob prescrição — obedece a requisitos ainda mais rigorosos.
Assim, se os medicamentos que mais causam intoxicação não são os
isentos de prescrição, a retirada deles do alcance do consumidor será para
esta finalidade, inócua. Por outro lado, transferirá para o funcionário do
estabelecimento a decisão da venda. Além do mais, como vimos, ao oferecer
o medicamento de venda livre, isento de prescrição, o funcionário sempre
buscará a melhor venda, o que implicará em aumento do custo dos
medicamentos e diminuição da concorrência em prejuízo do consumidor.
Antes de se propor medida como essa, os órgãos reguladores deveriam
identificar os motivos pelos quais os consumidores vão às drogarias e
farmácias para comprar medicamentos por conta própria. Não é opção da
população, que não tem acesso aos serviços públicos de saúde. Nos hospitais
e postos de saúde, é raro encontrar um médico disponível. E se há médico,
ele não dá conta de atender à imensa demanda.
A dificuldade em se agendar consultas, a falta de profissionais (e de
especialistas) são problemas muito mais importantes e muito mais complexos
que geram consequências no mercado farmacêutico. Se o paciente não
consegue agendar consulta, consequentemente, não terá prescrição. Não
tendo prescrição, mas sentindo dor, ele se automedica.
A automedicação é um efeito, ou uma consequência de um problema.
Ora, se não há médicos, não há prescrições; não havendo prescrições, não
há (ou haveria) consumo de medicamentos. Mas, como vimos, há consumo.
Então, se mesmo sem prescrições médicas, há consumo de medicamentos
(a ponto de ele ser o maior agente causador de intoxicação no Brasil), é certo
que não há fiscalização.
A fiscalização não é da responsabilidade dos estabelecimentos
farmacêuticos, assim como não é da farmácia a responsabilidade pela
intoxicação por medicamentos. A automedicação e o uso irracional são efeitos
decorrentes de uma política de saúde ineficiente e incapaz de atender à
demanda da população. No modelo universalista de saúde pública adotado
pela Constituição Federal, o Governo e as autoridades ainda têm muito que
fazer antes de propor medidas como essa, de retirar do alcance dos
consumidores os medicamentos isentos de prescrição sob o argumento de
que os medicamentos causam intoxicação e a automedicação deve ser
evitada.
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Além do mais, as novas regras para o comércio farmacêutico se revelam
insuficientes para enfrentar o problema da automedicação e do uso irracional
de medicamentos. Pior do que insuficiente, será a futura constatação de
que essas medidas contribuíram para o agravamento da situação. Isto
porque, como vimos, será o recrudescimento definitivo da “empurroterapia”.
Se couber aos funcionários do estabelecimento a “indicação” de
medicamentos, por motivos óbvios, os consumidores acabarão sendo
“convencidos” de que o medicamento deve ser adquirido. O consumo não
será só certo, mas será mais caro, na medida em que o funcionário sempre
procurará a melhor venda, em detrimento da concorrência entre os fabricantes.
Ficando sob a responsabilidade do farmacêutico da drogaria ou farmácia a
indicação do medicamento, seguramente o paciente pagará mais caro por
um produto que tinha um concorrente de menor preço.
E mais: terá sorte o consumidor que encontrar um farmacêutico presente.
Mais sorte ainda, se esse farmacêutico tiver conhecimentos considerados
“mínimos” para o exercício da profissão. As universidades não estão
preparando e capacitando os profissionais de modo adequado. O ensino
superior do curso de farmácia precisa urgentemente de uma reformulação,
para que esses profissionais possam exercer plenamente suas tarefas na
drogaria.
Despejados no mercado de trabalho, boa parte desses farmacêuticos
mostra-se incapaz de assumir responsabilidades elementares, inerentes do
exercício de sua função como diretor técnico do estabelecimento. Daí por
que eles não podem assumir uma “nova” responsabilidade de prescrever
medicamentos isentos. A prescrição de medicamentos é ato privativo do
médico e o exercício dessa atribuição pressupõe conhecimentos que não
fazem parte da grade curricular do ensino de farmácia.
Atribuir ao farmacêutico a responsabilidade de prescrever medicamentos,
de realizar alguns serviços tipicamente feitos por médicos, ou seja, transformar
um estabelecimento comercial em um estabelecimento de saúde será
desastroso. Como demonstrado acima, poucos são os farmacêuticos que
estão capacitados para assumir tamanha responsabilidade. A maioria desses
profissionais sequer sabe diferenciar um medicamento de referência do
genérico. Pouquíssimos dominam suas atribuições na farmácia e na drogaria
e pouquíssimos conhecem a legislação sanitária que regula suas atividades.
Antes de se pensar em atribuir tamanha responsabilidade a eles, seria
necessário melhorar a qualidade do ensino nas faculdades, aprimorar a
qualificação e capacitação desses profissionais para exercerem suas funções
nesses estabelecimentos. Além do mais, é preciso incentivar a formação de
novos profissionais, pois as faculdades não conseguem formar tantos
profissionais quanto se faz necessário para atendimento da demanda.
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Por fim, é inerente da sociedade capitalista o conflito existente entre a
saúde-direito e a saúde-mercadoria. Sem nenhuma dúvida, a solução deste
conflito não está na simples edição de regulamentos e normas jurídicas.
Pelo contrário, a tensão se expressa nesses regulamentos, expondo ainda
mais suas fragilidades.
Essa tensão fica bastante clara em se tratando do comércio de produtos
de conveniência e primeira necessidade nos estabelecimentos farmacêuticos.
Conforme exposto, a presença desses produtos não trará nenhum prejuízo à
população e à saúde pública, nem tampouco contaminará o ambiente com
vetores nocivos à saúde. Mesmo porque a exposição desses produtos nas lojas
observa a separação física e totalmente desvinculada do ambiente destinado
aos medicamentos, sendo, portanto, um procedimento economicamente viável,
sem qualquer implicação nociva à saúde.
Por óbvio, aqui não se defende que os estabelecimentos transformem-
-se em verdadeiros mercados, açougues, lojas de material escolar ou de
construção. Porém, observadas as leis esparsas existentes nas várias esferas
de Governo, o comércio de produtos de conveniência é possível e não traz
prejuízo algum.
Destarte, é possível que a retirada dos medicamentos isentos de
prescrição traga algum resultado no sentido de diminuir o consumo. Mas,
seguramente, a medida se revela absolutamente ineficiente e ineficaz contra
o propósito para o qual ela foi instituída. A automedicação, infelizmente,
continuará se o Governo não agir nas causas do problema. Há muito ainda a
se fazer ANTES da retirada dos medicamentos isentos de prescrição do
alcance do paciente.
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