Base de cálculo na substituição tributária 'para frente': estudos sobre os fatores que compõem a base de cálculo na substituição tributária 'para frente' e sua admissibilidade em face dos mandamentos constitucionais

AutorFlorence Haret
CargoDoutoranda pela Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco/USP
Páginas222-244

Page 226

1. Palavras introdutórias

A substituição tributária "para frente" é regime jurídico até hoje discutido enquanto forma de exceção de se tributar uma cadeia produtiva. É meio eficaz e muito prático criado pelo sistema tributário atual em beneficio da Administração Pública, pois num só tempo faz tributar, arrecadar e fiscalizar o tributo, amarrando todos os sujeitos da cadeia produtiva entre si, numa sequência de presunções que garantem os ingressos de receitas tributárias nos cofres públicos e fazem cumprir, em regra, com as funções extrafiscais em Direito admitidas.

Na tributação do ICMS a substituição "para frente", enquanto regime introduzido por meio da Emenda Constitucional 3, em 17.3.1993, disposto no texto maior no

§ 1° ao art. 150, tem três grandes efeitos jurídicos na regra-matriz de incidência, modificando os critérios temporal (antecipando a ocorrência do fato jurídico do ICMS), subjetivo (fazendo ingressar na relação a figura do substituto) e quantitativo (convencionando em termos arbitrários a base de cálculo da exação).1

Em face das diferentes formas de fixação da base de cálculo autorizadas em lei é que, nesse trabalho, iremos voltar nossas atenções aos modos modificativos des-

Page 227

te último critério - quantitativo. Buscaremos identificar as diversas maneiras presuntivas previstas no texto legal e suas limitações vis-à-vis o texto constitucional.

2. Histórico legislativo da substituição tributária "para frente"

A substituição tributária em matéria de ICMS foi disciplina na CF de 1988 pelo art. 155, II, e § 2a, XII, "b", segundo o qual:

"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no Exterior; (...).

"§ 2°. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) XII - cabe à lei complementar: (...) b) dispor sobre substituição tributária; (...)•"

No mesmo ano, promulgada a Carta Maior, em 16.12.1988, o Convénio ICMS-66/1988, no plano infraconstitucional, instituiu a substituição tributária, nos seguintes termos: "Art. 25. Alei poderá atribuir a condição de substituto tributário a: (...) II - produtor, extrator, gerador, inclusive de energia, industrial, distribuidor, comerciante ou transportador, pelo pagamento do imposto devido nas operações subsequentes".

De fato, antes mesmo de qualquer permissivo constitucional, o enunciado do inciso II do art. 25 do Convénio ICMS-66/1988 previu a figura da substituição tributária "para frente", extrapolando suas competências legislativas. Autorizou a antecipação do recolhimento do ICMS em face de fato jurídico futuro presumido, estabelecendo valor estimado em tabela como base de cálculo do tributo, conforme se observa no art. 17 do referido convénio. Contudo, mesmo em face da inconstitucio-nalidade à época, o regime de substituição tributária instituído em 1988 manteve-se em vigor com a publicação dos sucessivos Convénios ICMS-105/1989,107/1989,132/ 1992 e 111 a 113/1993.

Somente em 17.3.1993 foi publicada Emenda Constitucional 3, introduzindo o § 7a ao art. 150 da CF de 1988, nos seguintes termos:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...).

"(...).

"§ 7a. A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido."

Com a referida alteração, o regime de substituição "para frente" passou a ser autorizado e disciplinado em sede constitucional. Contudo - já nos alertou o Min. Carlos Velloso -, "foi preciso que uma emenda constitucional, a Emenda Constitucional n. 3, de 1993, acrescentasse o § 7a ao art. 150 da CF, autorizando a substituição tributária 'para frente'".2 Com efeito, firmemos que a substituição tributária para frente só foi admitida no sistema nacional após promulgação da Emenda Constitucional 3/1993.

Em 1.11.1996, observando as imposições do art. 155, § 2a, XII, "b", entrou em vigor a Lei Complementar 87/1996, editada sob a égide da Constituição Federal de 1988, já alterada pela nova redação que lhe deu a Emenda Constitucional 3/1993. Os arts. 5a a 10 da referida lei complementar disciplinaram o regime da substituição tributária, prescrevendo o art. 10 sobre a restituição devida pelo Fisco ao contribuinte do valor do tributo pago a maior ou o quan-

Page 228

tum pago com base em fato gerador presumido que não se realizou:

"Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.

"§ le. Formulado o pedido de restituição e não havendo deliberação no prazo de 90 (noventa) dias, o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor do objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios aplicáveis ao tributo.

"§ 2°. Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão contrária irrecor-rível, o contribuinte substituído, no prazo de 15 (quinze) dias da respectiva notificação, procederá ao estorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis."

Em 21.3.1997 foi editado o Convénio ICMS-13, que, ao harmonizar o "procedimento referente à aplicação do § 1- do art. 150 da Constituição Federal e do art. 10 da Lei Complementara 87/1996, de 13 de setembro de 1996", estabeleceu:

"Cláusula Primeira. A restituição do ICMS, quando cobrado sob a modalidade da substituição tributária, se efetivará quando não ocorrer operação ou prestação subsequente à cobrança do mencionado imposto, ou forem as mesmas não tributadas ou não alcançadas pela substituição tributária.

"Cláusula Segunda. Não caberá a restituição ou cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação subsequente à cobrança do imposto, sob a modalidade da substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no art. 8- da Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996.

"Cláusula Terceira. Este Convénio entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União."

Ora, com o advento da Emenda Constitucional 3/1993, acrescentando o § 7a ao art. 150 da CF, ficou autorizado ao Fisco em planos constitucionais instituir regime de substituição tributária "para frente" (progressiva). Antes de 1993, contudo, a figura era rejeitada pela maioria da doutrina, tendo em vista algumas incompatibili-dades entre o aludido regime jurídico e as garantias constitucionais do sistema nacional tributário. Citemos, por exemplo, Geraldo Ataliba e Aires F. Barreto,3 Eduardo Marcial Ferreira Jardim,4 José Eduardo Soares de Melo5 - entre tantos outros. Com a

Page 229

Emenda Constitucional 3/1993 o alvoroço foi maior, discutindo-se se a referida Emenda ou, melhor, o constituinte derivado está apto a instituir, em face dos princípios constitucionais, a substituição tributária "para frente", presumindo-se ou supondo-se a ocorrência de fato típico futuro e incerto e, na sequência, a base de cálculo a ser tributada. Dito de outro modo, em um ordenamento que preserva a segurança jurídica, a capacidade contributiva, a tipici-dade tributária, como admitir ou adequar a antecipação do pagamento e a base de cálculo estimada? É isso que veremos em seguida.

3. Substituição tributária "para frente": esquematização geral da matéria

Substituto tributário é a pessoa escolhida pelo legislador para figurar desde já na relação jurídica tributária, mesmo sem que tenha vínculo direto com o contribuinte, conquanto o tenha com o fato tributado. A relação entre substituído e substituto justifica-se pois pela união de ambos os sujeitos com o fato tributado, ainda que não di-retamente, tal como já firmou o Min. Carlos Velloso em 1998: "Essa terceira pessoa, que é posta, pela lei, no lugar do contribuinte, deve estar, entretanto, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 128)".6

Para Rubens Gomes de Souza esse tipo de responsabilidade indireta "ocorre quando em virtude de uma disposição expressa de lei a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação económica com o ato, o fato ou negócio tributado. Neste caso é a própria lei que substitui o sujeito passivo direto por outro indireto".7

Pois bem, em face de um preceito normativo legal, acontecido e relatado em linguagem competente o fato jurídico-tri-butário e instituída a regra-matriz cujo consequente estabelece relação entre Fisco e "contribuinte", surge, no mesmo instante, relação entre o Fisco e um terceiro, não titular da situação tributada mas que, em face de estar associado à situação factual prevista pela lei, assume o papel de sujeito passivo ou devedor, por força do dispositivo legal. A partir daí dá-se o cálculo propo-sicional entre a regra-matriz e a norma da responsabilidade substitutiva, cujo resultado é a colocação do terceiro no lugar do substituído na obrigação principal. Ou seja, a regra-matriz já nasce alterada pela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT