Feminicídio ou homicídio doloso?. A caracterização de crimes contra a vida de mulheres na cidade do recife

AutorFernanda Cruz da Fonseca Rosenblatt, Fábia Lopes Gomes da Silva
CargoUniversidade Católica de Pernambuco, Recife, PE, Brasil/Universidade Católica de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
Páginas183-205
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Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
FEMINICÍDIO OU HOMICÍDIO DOLOSO? A CARACTERIZAÇÃO
DE CRIMES CONTRA A VIDA DE MULHERES NA CIDADE DO
RECIFE
FEMINICIDE OR HOMICIDE? THE CATEGORIZATION OF CRIMES AGAINST
THE LIVES OF WOMEN IN THE CITY OF RECIFE
Fernanda Cruz da Fonseca RosenblattI
Fábia Lopes Gomes da SilvaII
Resumo: A Lei nº 13.104/2015, que alterou o Código Penal
para prever o “feminicício” como circunstância qualificadora
do crime de homicídio, é mais uma norma brasileira criada no
bojo de legislações que nascem da promessa de que o Direito
Penal é um caminho seguro para erradicar a violência contra
as mulheres. Contudo, passados sete anos de sua entrada em
vigor, o texto legal da novel qualificadora, apesar de ajudar a
denunciar a prática da misoginia no Brasil, apresenta lacunas
quanto à fiel caracterização do Feminicídio, obrigando
delegados(as), promotores(as) e juízes(as) a envidar esforços
para identificar as circunstâncias e as condutas praticadas
no ato executório do crime que denotam ter a mulher sido
morta por “razões da condição de sexo feminino”. Nessa
perspectiva, o presente artigo relata pesquisa na qual foram
analisadas Denúncias e Sentenças de Pronúncia de crimes
contra a vida de mulheres cometidos no Recife, entre 2015
e 2020, observando-se os argumentos apresentados pelo
Ministério Público e pelos juízos das varas do Tribunal do
Júri para aplicar a qualificadora. Os achados da pesquisa
apontam, principalmente, para a necessidade de capacitação
do Sistema de Justiça Criminal.
Palavras-chaves: Feminicídio; Homicídio doloso contra a
mulher; Violência contra a mulher.
Abstract: e Act nº 13.104/2015, which amended Brazil’s
Penal Code to include “feminicide” as a form of aggravated
homicide, is yet another Brazilian example of legislation that
was born from the promise that the Criminal Law can help
to eradicate violence against women. However, seven years
after it coming into force, and despite its role in helping to
denounce the practice of misogyny in Brazil, the gaps in
terms of how to accurately characterize an act as feminicide
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v17i41.702
Recebido em: 17.03.2022
Aceito em: 19.04.2022
I Universidade Católica de Pernambuco,
Recife, PE, Brasil. Doutora em
Criminologia. E-mail: fernanda.
rosenblatt@unicap.br
II Universidade Católica de Pernambuco,
Recife, PE, Brasil. Mestranda em Direito.
E-mail: fabialgomes@gmail.com
184 Revista Direitos Culturais | Santo Ângelo | v. 17 | n. 41 | p. 183-205 | jan./abr. 2022
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v17i41.702
remain. is has led the police, public prosecutors and judges
to make individual efforts to identify what circumstances
and conducts denote that a woman was killed for “reasons of
her female condition”. In this vein, the present article reports
a research study conducted through a documentary analysis
of charging documents by prosecutors and sentences by
judges, all related to crimes against the lives of women that
were committed in Recife, between 2015 and 2020. Special
attention was paid to observing the arguments presented by
prosecutors and judges to apply the aggravated circumstance.
e research findings point to the need for (gender related)
training in the Criminal Justice System.
Keywords: Femicide; Intentional homicide against a woman;
Violence against women.
1 Introdução
O presente artigo é baseado em pesquisa empírica conduzida pela primeira autora sob
a orientação da segunda. A referida pesquisa adotou como material de análise as Denúncias
e as Sentenças de Pronúncia referentes a crimes dolosos praticados contra a vida de mulheres
na cidade do Recife, entre os anos de 2015 e 2020. Objetivou-se, a partir da análise de casos
concretos, identificar os argumentos utilizados pelos(as) promotores(as) e juízes(as) das varas do
Tribunal do Júri da capital pernambucana para caracterizar o Feminicídio.
Em relação ao locus da pesquisa, a cidade do Recife foi escolhida por congregar mais
de 16% dos assassinatos de mulheres ocorridos em Pernambuco no período de 09 de março
de 2015 (data de sanção da Lei nº 13.104) e 09 de março de 2020 (cinco anos de vigência da
novel qualificadora). Nesse período, de acordo com a Secretaria da Mulher de Pernambuco
(SecMulher–PE), das 1.280 mortes violentas de mulheres registradas no Estado, 208 ocorreram
na capital.1 Assim, a cidade foi escolhida por registrar o maior número de crimes letais contra as
mulheres, e também por ser a comarca do Estado que congrega o maior número de varas do rito
especial.2 Quanto às peças processuais analisadas, a pesquisa trabalhou com um universo de 34
Denúncias3 e 34 Sentenças de Pronúncia, uma vez que a proposta foi analisar apenas o conteúdo
de processos com réus que seriam levados a júri popular.
Para emprestar sustentação teórica à referida investigação, fez-se, outrossim, uma análise
histórica do fenômeno misógino e de seu oponente (os Feminismos). Nesse ínterim, ressaltamos a
denominada “Caça às bruxas”, na Europa Ocidental, que se constituiu num verdadeiro holocausto
1 Esses e outros dados podem ser acessados pelo sítio eletrônico da SecMulher–PE, em: http://www2.secmulher.
pe.gov.br/web/secretaria-da-mulher (acesso em 17/03/22).
2 A Lei Complementar nº 100/2007 – Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco – implantou
quatro varas do Tribunal do Júri na comarca do Recife.
3 A pesquisadora, durante visita às quatro varas do tribunal do júri da capital, acessou 30 Denúncias. As demais já
se encontravam no arquivo público, ou na Procuradoria de Justiça, tramitando em grau de recurso. Contudo,
o resumo dessas Denúncias foi extraído das Sentenças de Pronúncia, que são publicadas no sistema Judwin do
Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Assim, mesmo sem o texto originário de quatro peças acusatórias,
não houve prejuízo para a pesquisa.

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