Fim da contribuição sindical obrigatória: liberdade cínica/Union contributions unobliged: cynical freedom.

AutorBrasileiro, Ana Clara Matias

1 introdução

Aprovada em quatro meses, tal como fora proposta, a lei 13.467/2017 teve tempo exíguo para ser debatida pelos seus destinatários, tanto empregadores, quanto trabalhadores, e pela comunidade jurídica, bem como para ser conhecida e criticada pela sociedade em geral. Em sua justificativa, constava o objetivo de se adequar a legislação trabalhista às necessidades das relações de trabalho contemporâneas, com maior flexibilidade, bem como o de ampliar a liberdade sindical.

Para tanto, uma das medidas implementadas foi a de acabar com a obrigatoriedade da contribuição sindical, que passou a ser facultativa e depender de prévia e expressa autorização do empregado. Neste artigo buscamos compreender de que forma essa mudança legislativa impactou os sindicatos de categoria profissional com base em Belo Horizonte.

Os dados aqui trazidos foram, em sua maioria, coletados em campo, por meio de entrevistas realizadas no segundo semestre de 2018, com quatorze dirigentes sindicais ligados a oito sindicatos de categoria profissional baseados em Belo Horizonte. Essas entrevistas focavam, a princípio, na introdução de temas em que a negociação coletiva teria força normativa superior à da lei, inclusive em casos prejudiciais ao empregado. Nada obstante, de forma espontânea, representantes de seis dentre os oito sindicatos participantes abordaram a questão do fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, de modo que percebemos a relevância do tema para o grupo pesquisado, ainda que o objeto original não tenha se mostrado de menor importância. Assim, esta pesquisa tem o objetivo de compreender de que forma o fim da contribuição sindical obrigatória impacta os sindicatos de categoria profissional com base em Belo Horizonte.

Empreendemos ainda pesquisas bibliográfica e documental, tratando como documentos a exposição de motivos da lei n. 13.467/2017 e as convenções n. 87 e 144 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a fim de compreendermos o fenômeno de forma mais abrangente.

Iniciamos examinando os mitos que, atrelados ao processo de desdemocratização neoliberal (BROWN, 2015), motivaram a Reforma Trabalhista. A seguir, aprofundamo-nos sobre as formas de custeio da atividade sindical, dentre as quais, a contribuição sindical obrigatória sempre teve posição de destaque. Em seguida, apresentamos os dados encontrados em campo, buscando promover debate com os autores que se debruçaram sobre o tema. Por fim, tecemos algumas considerações finais.

Salientamos que as discussões sobre o tema do financiamento da luta coletiva dos trabalhadores ainda estão em aberto. Prova disso foi a edição pelo presidente Jair Bolsonaro e por seu ministro da economia (responsável pela pasta do trabalho, uma vez que foi opção de governo extinguir o Ministério do Trabalho e Emprego), em março de 2019, após a realização das entrevistas para esta pesquisa, da medida provisória 873.

Apelidada de "MP dos Boletos", determinava que, mesmo após a expressa autorização do trabalhador, o recolhimento da contribuição para seu sindicato deixasse de ser automático. Passava a ser responsabilidade dos sindicatos enviar à residência dos representados ou, não sendo possível, à sede da empresa onde trabalhassem, boleto ou equivalente eletrônico para cobrança da contribuição. Notável a expressa vedação, inserida no [section]2 do artigo 582 da CLT, de enviar tal boleto àqueles trabalhadores que não autorizaram a cobrança da contribuição. Mesmo tendo a medida provisória perdido a validade sem análise pelo Congresso, seu conteúdo foi transformado no Projeto de Lei no 3814, de 2019, de autoria da Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS). Mas, após receber 43 emendas na Comissão de Assuntos Sociais, sob relatoria do Senador Paulo Paim (PT-RS), o projeto de lei foi retirado pela autora e teve sua tramitação encerrada (SENADO FEDERAL, 2019).

Além de complexificar o processo arrecadatório da contribuição sindical, a mudança geraria custos aos sindicatos, tanto para o envio quanto para a emissão dos boletos ou equivalentes eletrônicos. Custos esses que, retiram verbas da luta trabalhista e favorecem, diretamente, o setor financeiro.

Todas essas modificações, justificadas por uma suposta promoção da liberdade, causam, na materialidade da vida, uma mais fácil captura da luta organizada dos trabalhadores (ou sua própria desorganização), como veremos adiante.

2 Os mitos motivadores da reforma trabalhista e a desdemocratização neoliberal

A Reforma Trabalhista, instituída pela lei 13.467/17, alterou e introduziu mais de 200 dispositivos na Consolidação das Leis do Trabalho em tempo recorde de apenas 4 meses de tramitação. Isso se deu sem a devida consulta tripartite, orientada pela Organização Internacional do Trabalho na Convenção 144 (da qual o Brasil é signatário), em contexto político nacional conturbado e conduzido por governo pouco comprometido com valores democráticos. Tal situação faz questionar o intuito do legislador em sua aprovação (SOUTO MAIOR; ROCHA, 2017), sendo oportuna investigação hermenêutica para tanto.

Uma vez vigente a norma, para efeitos interpretativos, é necessário levar em conta os motivos explicitados institucionalmente. Em parecer proferido pela Comissão Especial destinada ao então PL 6.787/16, dentre as razões apresentadas, encontram-se i) a modernização da legislação do trabalho, ii) a facilitação à criação de empregos frente à forte crise econômica que o país atravessava, iii) a diminuição da litigiosidade na Justiça Trabalhista e iv) a ampliação da liberdade sindical nas relações coletivas. Todavia, estas afirmativas são, por vezes, identificadas como mitos por estudiosos do Direito do Trabalho. Passamos, então, à análise de cada uma delas.

A ideia de que a legislação trabalhista era, até então, antiquada e de origem fascista é conhecida como "mito da outorga" (SILVA, 2017). Promulgada na década de 40, no governo de Getúlio Vargas, conhecido como "pai dos pobres", a CLT teria sido outorgada em ato de bondade e inspirada na Carta del Lavoro italiana (ROMITA, 2001). Ora, essa visão invisibiliza a luta dos trabalhadores negros e o anarcossindicalismo atuantes no país desde o fim do século XIX que resultaram na conquista desses direitos (MATTOS, 2009). Associado a isso, a historiografia do Direito do Trabalho revela que, ao contrário do que esta afirmativa supõe, o período da Primeira República não foi um vazio normativo quanto ao âmbito trabalhista (GOMES, 2014). Por fim, outra faceta ignorada por esse ponto de vista são as inúmeras alterações normativas realizadas na própria CLT e na legislação esparsa desde 1943, ou seja, as leis do trabalho não estiveram imutáveis desde então.

Se para Carlos Drummond de Andrade "os lírios não nascem das leis", a tentativa de solucionar problemas econômicos estruturais, típicos do capitalismo tardio em economia periférica, por meio de alterações legislativas que flexibilizam direitos tampouco é capaz de criar demanda por contratação. Pelo contrário, a possibilidade de explorar mais dos serviços de um trabalhador reduz a demanda pelos serviços de outro. Jorge Luiz Souto Maior (1999) explica essa dinâmica:

A desregulamentação, a despeito de servir para atacar o desemprego, acaba provocando mais desemprego. Isto porque a grande empresa, racionalizando sua produção, reduz o número de empregos protegidos pela legislação trabalhista. (...) Essa mão-de-obra passa a se voltar para a pequena e média empresa e mesmo para o mercado informal, onde o trabalho não é protegido. Com isso, o nível de desemprego tende a aumentar, até porque 'não é clara a existência de uma relação entre desregulamentação e recomposição da capacidade de geração de novos empregos das grandes empresas', ainda mais quando se tenha em vista que empregos precarizados e de curta duração, em verdade, equivalem a desemprego (SOUTO MAIOR, 1999, p. 4). Assim, essa estratégia, fundada no "mito dos custos" (BECK, 1997), ao invés de sanar, gera outros reveses socioeconômicos, por provocar o empobrecimento da classe trabalhadora em favor do aumento dos lucros empresariais.

Quanto à tentativa de desobstrução da Justiça do Trabalho, o legislador acredita que a criação de diversos ônus processuais (despesas processuais, honorários de sucumbência, etc) diminui a litigância descompromissada e a tendência de judicialização do conflito, reduzindo a crescente sobrecarga do Judiciário. Todavia, ao cruzar dados sobre o número de novas ações trabalhistas, o número de vínculos empregatícios e o número de desligamentos entre 2002 e 2015--período em que se fortaleceu a Justiça do Trabalho e o acesso à Justiça--, Alessandro da Silva (2017) demonstra numericamente que, na realidade, houve declínio da taxa de acionamento, e a maioria dos acionamentos foi posterior à dispensa do empregado, o que refuta, com veemência, o mito da litigiosidade.

Por fim, no que se refere à tentativa de aumento da liberdade sindical, ponto mais controverso e que mais interessa ao objeto de estudo deste artigo, as principais estratégias utilizadas pela Reforma foram o fim da contribuição sindical obrigatória e o instituto do negociado sobre o legislado. Vale dizer que o modelo de "sindicalismo de Estado" vigente no Brasil é criticado pelo próprio movimento sindical desde as décadas de 1970 e 1980, quando do surgimento do "novo sindicalismo", que reivindicava, dentre outras pautas, por liberdade sindical. Nesse sentido, o discurso de Luís Inácio "Lula" da Silva em 1978, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, que protagonizou as históricas greves do ABC Paulista:

A estrutura sindical brasileira (...) é totalmente inadequada. Não se adapta à realidade, foi feita de cima pra baixo (...). É preciso acabar com a contribuição sindical que atrela o sindicato ao Estado. A estrutura e a legislação sindical deveriam ser reformuladas como resultado das necessidades. O sindicato ideal é aquele que surge espontaneamente, que existe porque o trabalhador exige que ele exista...

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