O Fim do Jus Postulandi na Justiça do Trabalho

AutorFernando Galvão Moura
CargoMestre em Direito Constitucional. Professor de Direito Constitucional e Prática Trabalhista do UNIFEB
Páginas14-20

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A possibilidade de postular pessoalmente perante os tribunais brasileiros ainda é objeto de grandes divergências.

A promulgação da Emenda Constitucional 45, de 2004, introduziu importantes inovações no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, notadamente na Justiça do Trabalho, que experimentou substancial alteração na sua competência material, tal como disposto no artigo 114 da CF.

Constitui objetivo deste ensaio proceder algumas ponderações sobre a manutenção ou não do jus postulandi na Justiça do Trabalho, mesmo após referida alteração constitucional, considerando a figura do advogado, sua previsão constitucional, os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesas, além de entendimentos que já defendiam a revogação do artigo 791 da CLT antes mesmo da Emenda 45/04.

1. O advogado na Constituição Federal e o jus postulandi

Antes de discutirmos especificamente se o jus postulandi permanece vigente na Justiça do Trabalho, mesmo depois da promulgação da Emenda Constitucional

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45/04, releva analisarmos a figura do advogado no acesso à justiça.

Parece excessivo o papel dado ao advogado na Constituição Federal. No entanto, a resposta à objeção está no próprio sistema constitucional, pleno de salvaguardas e de direitos invioláveis. Necessária, então, a proteção daquele que estará sempre atento e pronto a lutar por tais direitos.

Essa proteção sempre existiu no plano legal, pois os advogados sempre foram protegidos por um envoltório de direitos, não de seu interesse pessoal, mas assemelhados à magistratura e aos parlamentares: predicamentos de defesa da sociedade e não de proteção individual. Por isso, a Carta Magna não deu graciosamente essa posição privilegiada.

Para o exercício profissional é necessária a habilitação acadêmica, pressuposto do ingresso na corporação desse ofício, técnico e científico, que é a Ordem dos Advogados do Brasil, numa interpretação sistêmica entre o artigo 5o, XIII e artigo 22, XVI da Constituição Federal, isto é, entre a liberdade de profissão e a possibilidade legislativa de criar condições para o exercício das profissões, dentre eles, a inscrição na OAB.

Além da condição de formação acadêmica, a lei pode estabelecer outras exigências, como a aferição de conhecimento mínimo para ingresso na profissão, naquilo que é chamado de exame de ordem ou de qualificação.

A inserção do advogado na Constituição decorre da sua presença na defesa dos direitos fundamentais, como à vida, à liberdade, igualdade, segurança e propriedade (artigo 5o), daí o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil considerar a advocacia como função social.

A afirmação de indispensabi-lidade do advogado à administração da justiça está contida no texto constitucional há mais de vinte anos.

As controvertidas interpretações do artigo 133 da Constituição Federal que define: "O Advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei", ainda permanecem até hoje e agora se intensificam, especialmente no campo da justiça laboral, que teve sua competência ampliada pela EC 45/04.

2. Princípios do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa

O conceito do devido processo legal encontra suas raízes no período medieval, na Magna Charta Libertatum de 1215, de vital importância no direito anglo-saxão. Igualmente, o artigo XI, n° 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem garante:

"Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenha sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa."1

Embora tenha nascido com ca-ráter contratual, esse princípio passou a se integrar nas constituições dos Estados modernos, reconhecido como um direito fundamental de todos os cidadãos e que não apenas garante a atuação do direito material como também impõe limites importantes à ação do Estado.

Inovando em relação às antigas cartas, a Constituição atual referiu-se expressamente ao devido processo legal, além de fazer referência explícita à privação de bens como matéria a beneficiar-se também dos princípios próprios do direito processual penal. Assim, segundo o inciso LIV do artigo 5o da Constituição Federal, "ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal".

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção de provas, de ser processado e julgado por juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).

O princípio do contraditório também indica a atuação de uma garantia fundamental de justiça.

Absolutamente inseparável da distribuição da justiça organizada, o princípio da audiência bilateral encontra expressão no brocardo romano audiatur et altera pars. Ele é tão intimamente ligado ao exercício do poder, sempre influente a esfera jurídica das pessoas, que a doutrina moderna o considera inerente mesmo à própria noção de processo.

A bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo. Em todo processo contencioso há pelo menos duas partes: autor e réu. O autor (demandante) instaura a relação processual, invocando a tutela jurisdicional, mas a relação processual só se completa e põe-se em condições de preparar o provimento judicial com o chamamento do réu em juízo.

O juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas equidistante delas. Ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra; somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre o convenci-

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mento do juiz. Somente pela soma da parcialidade das partes (uma representando a tese e a outra, a antítese) o juiz pode corporificar a síntese, em um processo dialéti-co. É por isso que foi dito que as partes, em relação ao juiz, não têm papel de antagonistas mas sim de "colaboradores necessários". Cada um dos contendores age no processo tendo em vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justiça na eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve.

A Constituição Federal de 1988 previu contraditório e ampla defesa num único dispositivo aplicável expressamente aos litigantes em qualquer processo, judicial ou administrativo, e aos acusados em geral. O artigo 5o, inciso LV, estabelece: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."

Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário. O contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo, pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito de defesa, de se opor ou dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.

Decorre de tais princípios a necessidade de que se dê ciência a cada litigante dos atos praticados pelo juiz e pelo adversário. Somente conhecendo-os, poderá efe-tivar o contraditório. Entre nós, a ciência dos atos processuais é dada através da citação, da intimação e da notificação.

Em virtude da natureza constitucional do contraditório, deve ele ser observado não apenas formalmente, mas, sobretudo, pelo aspecto substancial, sendo...

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