Formação da Sociedade do Consumo no Brasil

AutorNelson Nery Costa
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela Universidade Lusíada, em Lisboa (Portugal)
Páginas83-147
caPítulo ii
formação da sociedade do
consumo no Brasil
Ementa: 2.1. Sociedade Colonial Brasileira; 2.2.
Economia e Estado no Império; 2.3. Sociedade
de Consumo Pré-Moderna; 2.4. Capitalismo De-
pendente no Brasil; 2.5. Modernização Conser-
vadora do Consumo; 2.6. Constituição e Refor-
ma Neoliberal; 2.7. Sociedade e Estado no Século
XXI; 2.8. Reforma para o Consumo Consciente.
2.1. SOCIEDADE COLONIAL BRASILEIRA
A economia colonial brasileira foi baseada no modelo agrá-
rio-exportador10, em que a colônia exportava todos os bens
10 Economia agro-exportadora, ou modelo primário-exportador, é caracte-
rizada por fazer parte da forma como a economia dos países dependen-
tes relacionou-se com o mercado capitalista moderno, sendo colocado
na posição de fornecedor de produtos agrícolas e pecuários, além de
metais e de minerais, consumindo produtos industrializados dos cer-
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Nelson Nery Costa
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com valor de mercado internacional para Portugal, que se apro-
priava do excedente produzido. Os empreendimentos econô-
micos eram voltados para a exportação de bens agrícolas, como
açúcar, fumo e depois café, de produtos da pecuária, como char-
que e couro, e de minerais, como pedras e metais preciosos. A
produção principal da fazenda alimentava suas necessidades de
exportação, mas existia uma produção agrícola doméstica e mes-
mo a produção de marcenaria e de metalurgia de pequeno por-
te. Essas se constituíram em verdadeiras ilhas de consumo, sem
a formação de uma sociedade de consumo brasileira. Por outro
lado, o trabalho escravo alimentava os sonhos de aristocracia
dos fazendeiros e dos latifundiários, desenvolvendo estes uma
natural prepotência e desprezo das elites pelos mais pobres.
Caio Prado Júnior procurou explicar a evolução das socie-
dades com base em um sentido. Este devia ser percebido não
nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos e
dos acontecimentos essenciais que a constituíam em um largo
período de tempo. Ao se observar aquele conjunto, tirando o
secundário que o acompanhava sempre, percebia-se uma linha
mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucederam em
ordem rigorosa, sempre dirigida para uma determinada dire-
ção. A análise da história de um país precisava ter esse compro-
misso, com o historiador devendo procurar o essencial e não
o periférico. Ou seja, a pesquisa devia ser compromissada por
meio da metodologia aplicada pelo pesquisador. Era preciso
denir o tempo e o espaço, bem como a individualização da
parcela da humanidade que interessava ao pesquisador, como
povo, país, nação, sociedade ou Estado, seja qual fosse a de-
signação apropriada ao caso. Apenas aí, o pesquisador pode-
tos países desenvolvidos. Para Luiz Carlos Bresser Pereira, a economia
estava para fora. As exportações eram o fator determinante da renda
nacional que passava pela economia monetária, já que o latifúndio auto-
suciente e a pobreza geral da economia mantinha o mercado interno
reduzido (PEREIRA, 1981: 69).
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Política de Consumo: Movimento Social de Defesa do Consumidor no Brasil
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ria encontrar aquela unidade que lhe permitiria destacar uma
parcela da humanidade para estudá-la à parte, como armou
o autor acima.
Como exemplo do seu raciocínio, Caio Prado Júnior analisou
a evolução portuguesa, sinteticamente, nos seguintes termos:
O sentido da evolução de um povo pode variar; acontecimento
estranho a ele, transformações interna profundas do seu equilí-
brio ou estrutura, ou mesmo ambas essas circunstâncias conjun-
tamente, poderão intervir desviando-o para outras vias até en-
tão ignoradas. Portugal nos traz disso um exemplo frisante que
para nós é quase doméstico. Até o m do século XIV, e desde a
constituição da monarquia, a história portuguesa se dene pela
formação de uma nova nação europeia e articula-se na evolução
geral da civilização do Ocidente de que faz parte, no plano da
luta que teve de sustentar, para se constituir, contra a invasão
árabe que ameaçou num certo momento todo o continente e sua
civilização. No alvorecer do século XV, a história portuguesa
muda de rumo. Integrado nas fronteiras geográcas naturais
que seriam denitivamente as duas, constituído territorialmente
o reino, Portugal se vai transformar em um país marítimo; des-
liga-se, por assim dizer, do continente, e volta-se para o oceano
que se abria para o outro lado; não tardará, com suas empresas
e conquistas no ultramar, em se tornar uma grande potência co-
lonial (PRADO JÚNIOR, 2011: 15-6).
Para Caio Prado Júnior, no Brasil não houve a simples feito-
ria comercial, pelo contrário, ocorreu a formação de um tipo de
sociedade inteiramente novo, apesar de conservar seu acentu-
ado caráter mercantil na empresa do colono branco. Este usou
a natureza com a prodigalidade de recursos aproveitáveis para
a produção de gêneros de grande valor comercial. O trabalho
foi recrutado entre as raças consideradas inferiores que domi-
naram, como os indígenas e os negros africanos. Para o autor,
houve um ajustamento entre os tradicionais objetivos mercan-
tis que assinalaram o início da expansão ultramarina da Euro-
pa, e que foram conservados, e as novas condições em que se
realizaria a empresa. Os objetivos que se viram em segundo
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