Movimento Social de Defesa do Consumidor

AutorNelson Nery Costa
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela Universidade Lusíada, em Lisboa (Portugal)
Páginas149-217
caPítulo iii
movimento social de defesa do
consumidor
Ementa: 3.1. Noção de Movimento Social; 3.2.
Movimento de Defesa do Consumidor; 3.3. Pri-
meiras Proteções no Brasil; 3.4. Movimento do
Consumidor Pré-Constituição; 3.5. Constitucio-
nalização da Defesa do Consumidor; 3.6. Reação
aos Direitos do Consumidor; 3.7. Agenda Públi-
ca do Consumo; 3.8. Defesa do Consumidor no
Brasil.
3.1. NOÇÃO DE MOVIMENTO SOCIAL
A sociedade, como infraestrutura, abriga a vida real dos tra-
balhadores, no dia a dia, distante em geral do Estado, dos seus
órgãos, dos seus servidores e de suas leis, ainda que se ande
pelas ruas e passeie-se pelas praças e pelos parques públicos. É
lá que as pessoas se reúnem para lutar por seus ideais, por suas
convicções e por seus interesses, como na defesa do consumi-
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Nelson Nery Costa
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dor. Por meio de forma associativa, formal ou não, existem reu-
niões, deliberações e determinadas ações, que podem ser sit-in,
boicotes de produtos ou de marcas e passeatas de protestos. O
movimento social é capaz de inuenciar as ações do Estado e
assim participar do processo de elaboração das políticas públi-
cas de relações de consumo, como ocorreu no Brasil, no nal
do século XX.
O movimento social pode ter um conceito unicado, mas
também variado, conforme as noções acerca dele tenham ori-
gem nos Estados Unidos, na Europa ou na América Latina. No
entanto, existe um liame que liga os movimentos sociais, seja
quanto à organicidade, quanto à origem ou quanto ao objetivo.
É possível dizer, resumidamente, que se trata de reações sociais
a determinados desaos ou reivindicações, fora do Estado e,
por isso, no âmbito da sociedade civil, com objetivos diversos,
mas de modo geral clamando por novos direitos ou pela manu-
tenção de outros existentes (BOBBIO, 1986: 51).
Ao analisar o fenômeno dos movimentos sociais, Maria da
Glória Gohn disse que:
Portanto, a temática dos movimentos sociais é uma área clássi-
ca de estudo da sociologia e da política, tendo lugar de desta-
que nas ciências sociais. Não se trata apenas de um momento
de produção sociológica, como pensam alguns, confundindo a
própria existência concreta do fenômeno e suas manifestações
empíricas, seus ciclos de uxo e reuxo, com produção acadê-
mica sobre aqueles ciclos. [...] Entretanto, o conceito tem sofri-
do, historicamente, uma série de alterações. Resumidamente
podemos dizer que os anos 50 e parte dos 60, os manuais de
ciências sociais, e parte dos estudos especícos, abordavam os
movimentos no contexto das mutações sociais, vendo-os usu-
almente como fontes de conitos e tensões, fomentadoras de
revoluções, revoltas e atos considerados anômalos no contexto
dos comportamentos coletivos vigentes. Usualmente classica-
vam-se os movimentos de forma dualista: religiosos-seculares,
reformistas-revolucionários, violentos-pacícos. Movimentos
sociais e revolução eram termos sinônimos e sempre que se fa-
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Política de Consumo: Movimento Social de Defesa do Consumidor no Brasil
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lava em movimentos a categoria “trabalhos” era destacada. [...]
Nas abordagens fundadas no paradigma decorrente da teoris-
ta marxista, até nos anos 50, o conceito de movimento social
sempre esteve associado ao de lutas de classes e subordina-
do ao próprio conceito de classe, que tinha centralizadas em
toda análise. [...] Como as categorias da organização da classe
e o processo de formação da consciência social eram centrais
no modelo de projeto da sociedade que se desenhava e aspi-
rava-se como ideal, não havia muita preocupação quanto à
diferenciação entre movimento social ou político, ou quanto
a movimentos ou organizações. Essas últimas eram suportes
dos movimentos e, de outra forma, um movimento atingia
seus objetivos quando transformava a demanda reivindicada
numa política ou organização institucionalizada. O surgimen-
to de novas modalidades de movimentos sociais – como o dos
direitos civis nos Estados Unidos, ainda nos anos 50; os dos
estudantes em vários países europeus anos 60; os das mulhe-
res, pela paz, contra a guerra do Vietnã etc. – contribuiu para
que novos olhares fossem lançados sobre a problemática. [...]
Na América Latina, em especial no Brasil, as mudanças advin-
das com a globalização da economia e a institucionalização dos
processos gerados no período da redemocratização levaram ao
surgimento de um novo ciclo de movimentos e lutas, menos
centradas na questão dos direitos e mais nos mecanismos de
exclusão social. [...] A tendência predominante nos anos 90, na
análise dos movimentos sociais, tem sido unir abordagens ela-
boradas a partir da vida cotidiana, por meio de conceito que
fazem mediações sem excluir uma ou outra das abordagens.
Sabemos que a divisão entre teorias da ação (micro) e teorias
estruturais (macro) marcou a produção e o debate teórico nos
últimos vinte e cinco anos (GOHN, 2010: 329-37).
Como a autora acima observou, nos países em desenvolvi-
mento, os chamados movimentos sociais progressivos ou po-
pulares entraram em crise, com muitos deles se decompondo
ou retrocedendo à forma de resistência em que se manifestava
o uso da força, como no dos sem-terra, no Brasil. No entanto, as
organizações que se articularam mais, com a agenda de novos
movimentos sociais, redeniram-se e conseguiram sobreviver
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