A crítica de friedrich müller à prática da corte constitucional alemã: a insuficiência dos instrumentos tradicionais de interpretação constitucional

AutorArgemiro Cardoso Moreira Martins
CargoMestre em instituições jurídico-políticas pela UFSC
Páginas177-179

Argemiro Cardoso Moreira Martins1

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A obra Métodos de Trabalho do Direito Constitucional2 de Friedrich Müller foi publicada originalmente em 1972 e, de modo geral, constitui uma espécie de síntese da proposta extensamente tratada na importante obra publicada no ano anterior: Metódica Jurídica3. Fundamentalmente, a proposta de Müller é formular uma nova metodologia de interpretação constitucional, para tanto, ele parte da análise crítica da hermenêutica constitucional, em especial, a praticada pela Corte Constitucional alemã.

Toda a resenha de uma obra significativa é sempre uma leitura parcial dela. Em face disso, optou-se aqui por focar a crítica de Müller à prática da Corte Constitucional alemã. A razão dessa opção deve-se a adoção pelo Supremo Tribunal Federal, sob a Constituição de 1988, dos instrumentos e técnicas de interpretação utilizados por aquele Tribunal Constitucional, os quais encontram em Müller um importante crítico.

Inicialmente, a noção de "metódica" em Müller possui um significado mais amplo do que a tradicional noção de "métodos de interpretação", alcançando a "hermenêutica", entendida como os pressupostos do processo de interpretação normativa, bem como, a própria interpretação tida como as possibilidades jurídicas de concretização do texto legal. A idéia central que norteia Müller é que a "concretização prática da norma é mais do que a interpretação do texto".4 Por tal razão, suas considerações procuram envolver todos os aspectos relevantes no trabalho de concretização do direito, especialmente, aqueles que dizem respeito às pré-compreensões jurídicas e ideológicas, bem como, aos pressupostos teóricos, tais como, os relacionados às teorias do estado, do direito, da política e da constituição.

Müller volta sua crítica contra o positivismo, especialmente na sua versão kelseniana, cujo esforço teórico em fornecer um status científico ao direito, terminou por isolar as normas jurídicas no âmbito do "dever-ser", reduzindo-as a um enunciado lingüístico contraposto ao mundo do "ser". A relação entre esses dois mundos se dá em termos unilaterais de uma "imputação", onde todo o esforço jurídico está concentrado em extrair o significado dos enunciados lingüísticos normativos e aplicá-los aos fatos.

Para Kelsen, a indeterminação do direito pode derivar tanto da intencionalidade do legislador (que atribui uma margem de discricionariedade ao aplicador) quanto da pluralidade de significados que pode conter um texto normativo. Pouco importa, o fato é que o aplicador move-se livremente dentro dessa moldura legal. Embora a determinação dos limites do quadro normativo dependa de um ato de cognição, em última instância a determinação da norma individual a ser aplicada ao caso é uma "função voluntária". O motivo que leva o julgador a escolher uma das alternativas dispostas no quadro fixado na lei é uma questão de "política jurídica" que implica noções de justiça, princípios morais ou juízos de valor. Em razão disso, a noção de interpretação de Kelsen busca legitimar a decisão por meio do artifício da "moldura normativa" capaz de delimitar o campo das decisões cabíveis.5

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Na teoria pura, os fatos a serem regidos pelas normas aplicáveis são livremente considerados pelo julgador sem qualquer critério ou rigor metodológico. Para Kelsen, não há método ou procedimento capaz de garantir uma decisão justa: "não há qualquer critério com base no qual uma das possibilidades inscritas na moldura do Direito a aplicar possa ser preferida à outra."6 Com isso, toda a discussão em torno do processo de concretização das normas é esvaziada em prol de um decisionismo insondável e injustificado dentro de um critério racional. Assim sendo, uma decisão judicial dependeria, em larga medida, de quem a toma, ou seja, dependerá quase sempre do senso de justiça do magistrado. Portanto, como conclui Müller: "Ali onde Kelsen pensou dever se...

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