A função social e o controle do poder de controle nas companhias

AutorFrederico Augusto Monte Simionato
Páginas94-109

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I - Introdução

Na lição de Yves Djian, controle possui o significado de verificar, examinar, fiscalizar e de submeter à analise a administração colocada a efeito pelo controlador.1 Carlos Pasteris, analisando o controle sobre os órgãos administrativos, considera que, em teoria, esses deveriam ser perfeitamente livres, nos limites fixados pelo estatuto, para agirem no melhor modo na consecução do objeto social. Se o grupo de controle coloca-se em posição de exercitar influência direta sobre o órgão administrativo, tal influência será normalmente endereçada para fins extra-sociais em vantagem do grupo e em contrariedade com a minoria.2

O controle sobre o poder de controle é o último estágio do desenvolvimento capitalista com a separação entre propriedade e produção e diante do sistema produtivo empresarial a questão primordial não se restringe à proteção contra turbações externas, mas à fiscalização do seu exercício evitando o abuso. O "controle do controle", assevera Comparato, "é o desafio permanente que se apresenta nesta matéria".3 O controle é algo único, como uno é o poder e suas formas de direção, seja realizado sob comandos internos, externos ou gerenciais.

II - Os limites éticos da administração na macroempresa

As normas éticas não envolvem somente um juízo de valor a respeito dos comportamentos humanos, entretanto, resultam na escolha da diretriz considerada obrigatória para uma coletividade. Essa posição axiológica resulta na imperatividade da forma escolhida, que não corresponde a um mero resultado de decisão arbitrária, mas é a expressão de um complexo processo de perspectivas valor ativas no qual

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o poder decisorio se encontra condicionado.4

A norma jurídica, o poder ou qualquer outra força social deve ser dirigido para a igualdade social. Em verdade, indivíduo e todo se complementam. A decisão política deve ter em mira a defesa do organismo. Essa postura de propender para o coletivo torna as relações jurídicas mais seguras, sem retirar proteção ao indivíduo. A complementaridade dos sistemas alcança a moderna concepção da conjugação do liberal e do social, sem renunciar às conquistas transcendentais do individuo.

A construção de uma comunidade humana importa equacionar uma série de fatores sociais e econômicos que somente o momento histórico é capaz de tipificar e dar-lhe resposta. A realidade empresarial, por sua vez, e com a instalação do poder econômico que irrompe fronteiras, desperta uma nova condição para a própria conduta do controlador. O discurso que serve de apoio à teoria do liberalismo requer nova análise, talvez mesmo calcada em admitir que a concorrência seja algo distante do cenário comercial contemporâneo. Sob essa perspectiva a administração das sociedades deveria seguir as premissas éticas e os postulados do direito ao desenvolvimento como um direito intrínseco à humanidade.

Como e qual deveriam ser os mecanismos de controle sobre a conduta do controlador na atividade empresarial? Ao relacionar algumas práticas administrativas que são proibidas a legislação societária não levou em consideração a ética que deve presidir a conduta do administrador, com exceção dos deveres (arts. 153-157), constatándole a falta de uma noção precisa da ética empresarial, a qual, em verdade, é desconhecida pelas próprias empresas que adotam uma política de desperdício e de exploração do consumidor.5

Com a economia de massa a ética foi relegada e considerada como limite externo ao sistema então proposto, que na época visava o acúmulo desenfreado de capitais. Esse acúmulo foi notado com bastante intensidade nos países que tiveram tardia industrialização, quando o mercado econômico e de consumo já estavam divididos em blocos, comandados pelos grandes conglomerados econômicos internacionais.

O Código de Conduta para a ma-croempresa, elaborado pela ONU, ficou como texto normativo de tipo a ser seguido pela legislação interna dos próprios países e certamente essa foi realmente a sua maior função, ou seja, persuadir o legislador nacional a regular decisivamente a atuação dessas empresas. A pressão que os grupos econômicos fazem sobre o poder estatal dificulta o desenvolvimento de política social sobre meio ambiente, a qualidade dos produtos, redução dos preços, distribuição de renda etc. O que pode ocorrer na realidade empresarial é uma administração social pouco preocupada com a situação macroeconômica do país, limitando-se aos reclamos sobre os níveis tributários, coma absoluta ausência de política industrial em âmbito nacional e sua inserção no comércio internacional. A ética da atuação empresarial foi inexoravelmente infirmada com as técnicas de produção mundiais. Fica fácil para uma grande transnacional diminuir a sua produção em determinado país e proceder a importação dos mesmos equipamentos de suas outras filiais localizadas em países com mão-de-obra farta, isenções fiscais etc. Elas têm o comando da política econômica do Estado, como é a grande empresa capitalista que determina os locais de desenvolvimento, de geração de empregos, redução da incidência tributária etc.

As empresas públicas tinham importante função de propulsão econômica das

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regiões não industrializadas e com pequeno desenvolvimento financeiro e social. Essa função foi desvirtuada pelos governos que viam na empresa pública uma forma de auferir ganhos políticos com o prejuízo da sociedade e das próprias empresas. Essa situação provocou a ruptura lógica do sistema, que não mais suportava a falta de liquidez. A privatização demonstrou com toda a força como a ética administrativa não se encontra entre os princípios do estado mínimo.

O controle do controlador, dentro da Lei n. 6.404/1976, permanece sem efetividade prática. A Lei coloca normas de controle sem que haja um órgão social que represente com mais ênfase os trabalhadores e a sociedade, o que poderia ser feito nos moldes do sistema jurídico das sociedades por ações como na Alemanha. A implementação de um sistema eficaz de controle da gestão exigiria a reformulação jurídica das sociedades em função da importância que cada uma delas possui na coletividade, porque parece um tanto quanto irrea-lizável aplicar um mesmo sistema de controle da gestão sobre as grandes, médias e pequenas empresas.0

A discussão, nesse caso, ocorre sobre a forma de representatividade. Toda sociedade precisa possuir uma sistemática de controle. Esse controle varia conforme a qualidade da sociedade, ou seja, o tipo societário, mas o princípio é o mesmo, alterando-se somente a composição dos representantes e sua atuação. Esse é um princípio secular que nenhuma legislação conseguiria alterar. Há casos ainda em que podem ser encontradas sociedades desse tipo, inclusive de grandes proporções. Em parecer sobre tal assunto, o Prof. Fábio Konder Comparato analisa a participação dos sócios dentro de uma sociedade em nome coletivo. Se os sócios em nome coletivo se unem para comerciar em comum, isso significa que todos participam, necessanamente, da administração, mesmo que exista diversidade nessa participação.1

O controle sobre a conduta do controlador se intensifica nas holdings, que precisamente também estão vinculadas às noções sociais do comando empresarial, obedecendo ao capítulo do abuso de poder e do desvio de finalidade. Com efeito, o art. 117 da Lei n. 6.404/1976 determina a responsabilidade do controlador quando promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o objetivo de auferir, para si ou para outrem, vantagem em prejuízo dos acionistas, dos trabalhadores e dos investidores. Essa hipótese pode ocorrer nos grupos de sociedade, quando das reorganizações societárias.

A existência e o funcionamento dos grupos de sociedade estão fundamentados antes de tudo sobre a noção de controle. A distinção entre a administração do patrimônio social e a direção técnica da empresa coloca em prática uma função importante na constituição e na organização dos grupos de sociedade. A holding estabelece o esquema de divisão de poderes que deve ser seguido nas sociedades filiadas. Nesse sistema os administradores subordinados têm conhecimento do poderio dos comandantes e seguem as ordens que lhe são transmitidas com presteza, mantendo-se os vínculos de subordinação e de poder.8

Tal perspectiva de distribuição de poder é profundamente bem desenvolvida, o que permite o controle dos órgãos sociais das filiadas, os quais devem observar as decisões da direção do grupo. Com isso, facilita-se, sobremaneira, que a administração seja feita no interesse do grupo (holding), principalmente na distribuição dos recursos, investimentos, acordos com empresas concorrentes e outras formas de aproveitamento da sua posição dominante e de controle.

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O controle do controlador também tem lugar nos casos dos grupos de fato e de direito, o que se torna evidente diante das posturas sociais que a administração das sociedades tem demonstrado. A Lei n. 6.404/ 1976 trata dos Grupos de Sociedades principalmente sobre a noção de "Convenção de Grupo". As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas pela convenção do grupo, mas cada sociedade conservará personalidade jurídica e patrimônios distintos (art. 266). O art. 273 deixa claro o nível de hierarquia do grupo. Assim, aos administradores das sociedades filiadas, sem prejuízo de suas atribuições...

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