Fundamentos e/ou Níveis de Racionalidade da Produção Normativa Legislativa e da Produção Normativa Judicial

AutorCláudio José Pinheiro
CargoDoutorando e Mestre em Ciência Jurídica pelo CPCJ/UNIVALI
Páginas97-112

Fundamentos e/ou Níveis de Racionalidade da Produção Normativa Legislativa e da Produção Normativa Judicial1

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1. Introdução

O objetivo imediato desse texto é apresentar algumas idéias ocorridas na investigação, que foram organizadas para, provisoriamente, esclarecer sobre o que deve ser entendido por fundamentos e/ou níveis de racionalidade da produção normativa legislativa e da produção normativa judicial, no sistema jurídico brasileiro, sob a ótica da Política Jurídica.

O objetivo mediato desse artigo é despertar o estímulo do leitor para novas pesquisas, visando o debate científico, voltado para a conceituação, identificação do objeto, aplicabilidade e delimitação do tema ora abordado.

A necessidade de conhecer o significado das proposições tratadas neste texto, e o desejo de contribuir, divulgando o resultado para outras pessoas, foi o motivo estimulador desta pesquisa.

Foi utilizado o método indutivo2 na investigação e aproveitadas as seguintes técnicas3: do referente4, da categoria5, do conceito operacional6 e da pesquisa bibliográfica, registrada em fichamentos.

2. A lex ferenda e a sententia ferenda

O Poder Legislativo deve ser visto na sua atribuição primordial de legislar ou de elaborar leis, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A lei é considerada como norma genérica e abstrata dotada de força proeminente dentro do ordenamento jurídico brasileiro.7 Portanto, entende-se por produção legislativa todo o processo8 legislativo de elaboração de lei ou lex ferenda, com a observância dos requisitos formais (legitimação do processo de produção da norma) e materiais (legitimação do conteúdo ou do produto), através do Poder Legislativo. A lei é, em sentido estrito, o resultado da produção legislativa.

O Poder Judiciário é aqui observado na sua função típica jurisdicional de julgar, através do juiz ou tribunal, ao prolatar sentença e criar norma jurídica individual para o caso concreto. Neste caso a norma jurídica geral é sempre uma simples moldura, dentro da qual há de ser produzida a norma jurídica individual.9

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Assim, entende-se por produção judicial todo o processo de elaboração da sentença ou sententia ferenda, com o cumprimento dos requisitos formais (legitimação do processo de aplicação do Direito) e materiais (legitimação do conteúdo da prestação jurisdicional ou do produto), através do magistrado singular ou do tribunal. Neste texto, a expressão sentença judicial compreende a norma jurídica individual, que põe fim a uma controvérsia e é capaz de se converter em res judicata (coisa julgada), prolatada por juiz monocrático ou tribunal competente. A sentença judicial é, em sentido estrito, o produto jurisdicional.

3. Fundamentos da produção normativa legislativa e judicial

Fundamento é a razão pela qual alguma coisa é ou acontece.10 Neste sentido, verifica-se que o princípio "fundamental" é o que estabelece a condição primeira e mais geral pela qual alguma coisa possa existir.11 Os fundamentos referidos no título deste item, representam, primeira, e especialmente, os princípios e regras específicas que se relacionam direta ou indiretamente com a produção da norma jurídica legislada e a produção da norma jurídica judicial e que se encontram vigentes na Constituição da República Federativa do Brasil.12 São estes princípios e regras constitucionais, inspirados na ética, na justiça, na utilidade e no socialmente desejado, que dão os fundamentos para a lei ou para a sentença judicial, nos seguintes sentidos: - como uma ordem ou um conjunto de proposições e de idéias gerais; - como garantia ou razão de ser dos atos normativos.

A categoria princípio deve ser entendida no sentido aristotélico de que é ponto de partida do ser, do devir ou do conhecer.13 O princípio é uma razão fundamental do ser da lei e da sentença judicial, nele compreendido as máximas jurídicas da cultura do Direito14, compatíveis com o sistema jurídico brasileiro. A Constituição Federal, promulgada em 5/10/1988, contém diversos princípios que se destacam desde o seu preâmbulo, com uma concentração em maior número no artigo 5º. Entre outros, destacam-se os princípios da igualdade, da liberdade, da segurança, da justiça, do Estado Democrático de Direito.

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Juridicamente, regra é o modo de proceder, é a imposição de forma ou a conduta imposta no texto legal. A regra importa sempre na imposição de um "princípio" ou "preceito legal", para ser cumprido.15

Para elucidar o que se entende por regra específica, segue um exemplo de fundamento da produção normativa individual, como preceito constitucional: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.16

4. Três momentos da experiência jurídica

Antes de discorrer sobre os níveis de racionalidade da produção normativa legislativa e judicial, é necessário situar o papel da Política Jurídica17 nos três momentos da experiência jurídica.18

A experiência jurídica19 se dá, na dinâmica do Direito, através de três elementos básicos ou em um dos três momentos como segue: 1º - momento da produção de normas jurídicas (resulta na lei); 2º - momento da interpretação das normas jurídicas (Dogmática Jurídica); 3º - momento aplicação do Direito (resulta na sentença judicial). A Política Jurídica tem atribuições em todos os três momentos da experiência jurídica.

O primeiro momento é da produção da norma jurídica, cujo produto é a lei legislada ou lex ferenda. Neste elemento, destaca-se a pessoa do legislador (Senador, Deputado, Vereador). A Teoria da Produção Legislativa20 e a Política Jurídica participam da orientação desse processo. Considera-se uma norma jurídica legislada com legitimidade,21 quando brota do seio da sociedade. Nesta etapa da atividade jurídica, e nas outras também, é relevante e indispensável a participação da Política Jurídica, através dos denominados Políticos do Direito, que deve ser o advogado, o parecerista, o professor, o assessor jurídico, o juiz, o legislador, enfim todo aquele que, impregnado de humanismo jurídico e treinado na crítica social, apresente-se com a perspectiva das possibilidades, ponha sua sensibilidade e sua experiência a serviço da construção de um direito que pareça mais justo, legítimo e útil.22 Para Osvaldo Ferreira de Melo este momento, representado pela produção de normas é uma das principais atividades político-jurídicas, consis-Page 100tindo numa articulada ação prudencial em que devem ser superadas várias etapas, desde a fase pré-legislativa (captação das representações jurídicas do imaginário social) até as proposições normativas do Direito que deva ser.23

O segundo momento da experiência jurídica se dá com a interpretação das normas jurídicas. Predomina, neste elemento, a atuação da Dogmática Jurídica24, representada pelo jurista, com seu discurso lógico-descritivo, embasado na Ciência do Direito. O momento da interpretação consiste em procurar, com o auxílio de técnicas apropriadas e a partir de conhecimentos interdisciplinares, o sentido e o alcance das formulações jurídicas, com vistas à reta aplicação do Direito. O mesmo que Exegese.25 A atividade de interpretação das normas jurídicas envolve a sistematização das leis produzidas pelo legislador. Esta sistematização é formada por um conjunto de conceitos que objetivam dar harmonia ao próprio sistema jurídico. Vera Regina Pereira de Andrade mostra, na sua ótica, o papel do elemento interpretativo, no percurso da experiência jurídica, como segue:

Partindo, assim, da interpretação das normas jurídicas produzidas pelo legislador (material normativo) e recolhendo-as individualmente na construção sistemática do Direito, a Dogmática Jurídica conserva e desenvolve um sistema de conceitos que, resultando congruente com as normas, teria a função de garantir a maior uniformização e previsibilidade (certeza) possível das decisões judiciais e, conseqüentemente, uma aplicação igualitária (decisões iguais para casos iguais) do Direito que, subtraída à arbitrariedade, garante essencialmente a segurança jurídica.

Trata-se de programar, orientar, pautar ou preparar as decisões judiciais e, nesta mesma orientação, racionalizá-las para a gestação da segurança jurídica; o que significa não apenas possibilitar as condições para a decidibilidade, mas para decisões judiciais calculáveis, eqüitativas e seguras. 26

Assim, a Dogmática Jurídica ordena, de forma coerente, o conjunto de prescrições normativas, para indicar ao Juiz, a feição genérica da decisão prevista para o caso concreto. Se este é o momento predominante da Dogmática Jurídica, ainda existe espaço para a atuação da Política Jurídica.

O terceiro momento da experiência jurídica é o da aplicação do Direito (norma jurídica). A decisão judicial (sentença) é consideradaPage 101 norma jurídica. Lembrando, existe a norma legislada de caráter genérico (lei). Agora, está sendo enfocada a norma sentenciada de caráter específico, individual, que obriga as partes do processo, através da decisão judicial contida na sentença. Na aplicação da norma positivada, existe a pessoa do magistrado. Esta expressão engloba, o juízo individual que expede sentença e o juízo coletivo, geralmente denominado tribunal, que expede acórdão (sentença). É através do processo judicial27 que se obtém a sentença judicial ou a sententia ferenda. É indispensável a presença da Política Jurídica no momento da aplicação do Direito. A...

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