Os fundos de pensão como instrumentos adicionais de inclusão social e econômica no capitalismo

AutorÉrica Fernandes Teixeira
Ocupação do AutorDoutora e mestre em Direito do Trabalho pela PUC Minas
Páginas176-192

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8.1. Consideraçõesiniciais

A previdência privada foi institucionalizada no Brasil durante o regime militar no governo de Ernesto Geisel, com o advento da Lei n. 6.435, em julho de 1977 (BRASIL, 1977). A partir desse marco inicial, o mercado das previdências privadas muito foi ampliado, passando suas atividades a serem controladas e regidas pelo Estado. Anteriormente, as entidades atuavam sem qualquer controle estatal, operando de forma isolada. A previdência privada passou então a existir formalmente no nosso país, prevendo, inclusive, prazo para regulamentação das entidades existentes. Os montepios, da época do Brasil império, eram instituições que atuavam em planos de previdência aberta antes da referida Lei n. 6.435. Estes passaram por um processo de fiscalização e reestruturação consoante as regras definidas pela Superintendência Nacional de Seguros Privados - SUSEP, o que resultou na cassação de muitos deles, fundada na alegação de irregularidades.

Nos termos do art. 4º, Lei n. 6.435/19771, a previdência privada foi dividida em entidade aberta e entidade fechada, conforme sua relação com seus respectivos participantes. As entidades fechadas de previdência privada são conhecidas como Fundos de Pensão. Destinavam-se exclusivamente aos empregados de uma empresa ou de grupo de empresas, chamadas de patrocinadoras. Já as abertas compreendiam as demais entidades. O Decreto n. 81.240, de 24.1º.1978, conceituou em seu art. 1º as referidas entidades fechadas.2

As entidades abertas de previdência, desde sua criação, sempre ofereceram planos individuais disponíveis para qualquer pessoa física. Contudo, conforme prevê o art. 26 da Lei Complementar n. 109, de 29/5/2001, oferecem também planos coletivos, visando garantir benefícios previdenciários a pessoas físicas vinculadas, direta ou indiretamente, a uma pessoa jurídica contratante.

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O marco evolutivo da previdência complementar foi criado a partir da Emenda Constitucional n. 20, de 1998, que inseriu o regime privado de previdência no título da ordem social da Constituição Federal. Em nosso país, esse regime privado passou a integrar a base do sistema previdenciário, complementando os regimes próprios e o regime geral de previdência.

A Emenda Constitucional n. 20/1998 alterou a redação do art. 202 da Constituição Federal de 19883. O alcance de norma constitucional explicitou a relevância do tema, além de revelar os princípios norteadores da previdência privada, submetendo-a também a controle estatal. Por isso:

Mesmo havendo liberdade contratual no sistema previdenciário privado, justamente a face acessória constitucional acaba por submeter o modelo particular (imbuído pelos institutos jurídicos de Direito Privado) às previsões e mudanças impostas pelo governo. (WEINTRAUB, 2005, p. 75).

A regulamentação, definida no caput do dito art. 202 da Constituição Federal, foi efetuada pela Lei Complementar n. 109, e a regulamentação dos §§ 3º a 6º foi objeto da Lei Complementar n. 108, ambas de 29.5.2001, revogando a Lei n. 6.435/77. O art. 31 da Lei Complementar n. 109/2001 assim define:

Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:

I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores;

II - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores.

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Consoante ensinamento de Wladimir Novaes Martinez, "As principais características da Previdência Complementar, a seguir enunciadas, permitem circunscrever a essência e o contorno desta, compatíveis com a realidade desse instrumental social protetivo: facultatividade, acessoriedade, solidariedade e poupança individual e coletiva, opção particular, além de fonte institucional de investimento. (MARTINEZ, 1996, p. 33).

A Lei Complementar n. 108/2001 (BRASIL, 2001c) deve ser destacada pelo seu papel democratizante dos fundos. Isso porque regulamentou a participação dos cotistas junto aos fundos, determinando a paridade no conselho deliberativo e fiscal, isto é, entre representantes do patrocinador e dos participantes assistidos, conforme arts. 11 e 15 da LC n. 108/2001.

Este capítulo destina-se ao estudo das entidades fechadas de previdência privada, também denominadas meramente de Fundos de Pensão, como instrumentos adicionais de inclusão social e econômica no capitalismo. Haja vista o volumoso crescimento por essas entidades alcançado, foi possível evoluir de um quadro de poupança ínfima na década de 1970 para, ao final do ano de 2010, atingir R$ 537,04 bilhões, representando, apenas os fundos de pensão, 14,6% do PIB brasileiro. (BRASIL, 2010). Ainda assim, trata-se de um crescimento tímido, principalmente se comparado com os países desenvolvidos, onde a relação de ativos supera, em muitos casos, 100%. Tal fato demonstra o potencial de crescimento dessas entidades em nosso país, sintonizadas com uma série de medidas de incentivo adotadas pelo governo brasileiro desde 2003.

A carteira administrada por fundos de pensão brasileiros avançou, em média, 15% ao ano nos últimos 10 anos, apresentando o melhor desempenho entre os maiores mercados nesse setor. O segmento de previdência complementar fechada no país está consolidado e a maneira como se comportou na crise de 2008 comprova isso.

8.2. Fundos de pensão: traços característicos

Como exposto, os fundos de pensão são destinados somente aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial.

O art. 2º do Decreto n. 4.206/2002, revogado pelo Decreto n. 4.942, de 30.12.2003, contém as definições de patrocinadores e instituidores ainda válidas. Assim, patrocinador é a empresa ou grupo de empresas, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas que instituam para seus empregados ou servidores um plano de benefícios previdenciários através de entidade fechada. Instituidor é a pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial que institua para seus associados ou membros um plano de benefícios de caráter previdenciário.4

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O art. 1º da Lei Complementar n. 109/2001 determina os mesmos princípios previstos no art. 202 da Constituição Federal, a saber: o caráter meramente complementar do regime privado e a autonomia deste em relação à previdência social. Assim, o ingresso facultativo e a necessidade de constituição de reservas que garantam a concessão de benefícios. Nos ensinamentos de Weintraub:

A natureza jurídica da Previdência Privada está centrada na supletividade e facultatividade da Previdência Social, dentro do âmbito da proteção social. Podemos dizer que a relação jurídica previdenciária privada se desenvolve por meio de um contrato de trato sucessivo, aleatório e de adesão, caracterizando, em princípio, um mútuo securitário de consumo. O plano previdenciário privado será regido, dentro dos critérios legais, por um direito líquido e certo, facilmente comprovável mediante documentação contratual. (WEINTRAUB, 2005, p. 46).

Os fundos de pensão não possuem finalidade lucrativa e são constituídos sob a forma de fundação ou sociedade civil.5 Para ser constituída e iniciar suas atividades, a entidade de previdência privada precisa de autorização governamental prévia (art. 33, I e 38, I LC 109/2001).

Diferentemente das entidades abertas, que podem exercer outras atividades econômicas, desde que acessórias, os fundos de pensão objetivam a exclusiva administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária, excetuando os serviços relativos à saúde, desde que já disponíveis em 30/5/2001, quando foi publicada a LC n. 109, conforme disposto em seu art. 76.

Os planos de benefícios adotados pelas entidades de previdência privada definem a forma de cálculo da prestação a ser implementada pela pessoa física que aderir aos planos, isto é, o participante. Conforme previsão do art. 7º da Lei Complementar n. 109/2001, os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial. As entidades somente poderão instituir e operar planos de benefícios para os quais tenham autorização específica. Assim, os planos de benefícios, conforme definição do órgão regulador e fiscalizador, podem assumir a forma de benefício definido, contribuição definida e contribuição variável, além de outras formas que traduzam a evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complementar.

No plano de benefício definido, o participante já tem conhecimento dos requisitos a serem atendidos para a obtenção da prestação desejada, assim

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como o valor da mesma desde o seu ingresso no plano. Por isso, traduz a ideia de conhecimento prévio do valor a ser pago quando da contratação. (IBRAHIM, 2012, p. 780).

Conforme assevera Ibrahim, essa modalidade possui maior aceitação, já que permite ao participante visualizar seu rendimento futuro. Contudo, alerta que sua manutenção é complexa, pois a entidade deverá conceder tal valor ainda que os rendimentos auferidos com o capital aplicado sejam inferiores ao esperado. Nesse sentido, gera insegurança no que se refere ao equilíbrio atuarial. Por outro lado, afirma o autor que tal plano é fundamental para...

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