O futuro da mobilidade urbana e o caso uber / The future of urban mobility and the uber case

AutorCláudio Ari Mello
CargoProfessor de Teoria do Direito e Direito Constitucional nos cursos de graduação e mestrado em Direito do Centro Universitário Uniritter, Porto Alegre. Doutor em Teoria do Direito pela UFRGS, Mestre em Direito do Estado pela PUCRS. E-mail: claudio.ari@hotmail.com
Páginas775-812
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.22029
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O ensaio examina as questões jurídicas mais relevantes do caso envolvendo a entrada do modelo
da empresa UBER no sistema de transporte urbano. O estudo conclui que a lei da política nacional
de mobilidade urbana (Lei n. 12.587/2012) instituiu o serviço público de transporte individual de
passageiros como um gênero, do qual o tradicional serviço de táxi é apenas uma classe. A lei
permite a existência de serviços alternativos de transporte individual de passageiros, tal como o
modelo da UBER. Entretanto, por tratar-se de um serviço de utilidade pública, o Estado detêm o
poder e o dever de organizar, disciplinar e controlar a prestação do serviço, inclusive mediante a
criação de mecanismos de regulação de entra da.
- Direito urbanístico; cidade sustentável; planejamento urbanístico; mobilidade
urbana; transporte urbano.
The essay examines the most relevant legal questions related to the rising of the UBER model in
the urban transport system. The study concludes that the act of national policy of urban mobility
(Lei n. 12.587/2012) has instituted the public service of individual passengers transport as a genre,
being the traditional service of taxi only a class. The act allows alternative models of services of
individual passengers transport, such as the UBER model. However, to the extent that it is a service
of public utility, it can and must be organized, regulated and controlled by the Government, even
with the creation of entry regulation mechanisms.
Urban Law; sustainable cities; urban planning; urban mobility; urban transport.
1 Professor de Teoria do Direito e Direito Constitucional nos cursos de graduação e mestrado em Direito do
Centro Universitário Uniritter, Porto Alegre. Doutor em Teoria do Direito pela UFRGS, Mestre em Direito do
Estado pela PUCRS. E-mail: claudio.ari@hotmail.com
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A Constituição Federal de 1988 é ainda uma obra a ser compreendida. Elogiada e criticada
com a mesma intensidade, acusada de atrasar o desenvolvimento do país e enaltecida por conter
um desenho institucional que tem sido capaz de garantir a estabilidade democrática e permitir
avanços sociais e culturais inéditos na história do Brasil, ela continua a surpreender aqueles que
procuram encontrar no seu texto fundamentos normativos para promover transformações
políticas e jurídicas na vida social brasile ira.
Neste artigo, vamos explorar um exemplo das virtualidades positivas e surpreendentes da
Constituição Federal. Nas últimas duas décadas, vimos emergir uma preocupação nos meios
acadêmicos e institucionais em relação ao desenvolvimento sustentável das cidades e a
compreensão da necessidade de elaborar uma teoria e uma prática da cidade justa. Uma teoria da
cidade justa2 ou da cidade sustentável envolve pensar essa estrutura para muito além da sua
realidade física ou material. Cidades são organismos complexos, onde a vida humana individual e
as relações sociais acontecem na sua plenitude. Muito mais do que uma construção artificial, as
cidades são o locus onde a experiência existencial completa do homem moderno efetivamente
acontece.
Os constituintes de 1988 anteciparam-se à consolidação dessa preocupação acadêmica e
institucional e dedicaram um capítulo do texto constitucional à “Política Urbana”, regulada nos
artigos 182 e 183. Não pretendemos aqui analisar os dispositivos inseridos neste capítulo da
Constituição. Vamos tratar especificamente daquela que consideramos a mais importante diretriz
normativa prevista na lei fundamental acerca da política urbana: o princípio da cidade sustentável
ou da cidade justa. Não há, no texto dos dispositivos constitucionais referidos, nenhuma referência
explícita a este princípio. Entretanto, ao enunciar, no caput do artigo 182, que a política de
desenvolvimento urbano “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”, parece claro que a Constituição instituiu um
princípio jurídico a partir do qual ações públicas e privadas podem ser deduzidas com o objetivo de
assegurar a promoção de uma cidade justa ou s ustentável.
2 Sobre uma teoria política da cidade justa, ver Susan S. Fainstein, The Just City, Ithaca: Cornell University
Press, 2011, Don Mitchell, The Right to the City: Social Justice and the Fight for Public Space, New York: The
Guilford Press, 2003, e Neil Brenner, Peter Marcuse e Margit Mayer (editors), Cities for People, Not for Profit:
Critical Urban Theories and the Right to the City, New York: Routledge, 2012. Sobre teorias da cidade, ver
Marconi do Ó Catão, Civilizações Urbanas e Te orias da Cidade, Revista de Direito da Cidade, vo l. 07, n. 01, p.
91-140.
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DOI: 10.12957/rdc.2016.22029
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Ao colocar no centro da “política constitucional de desenvolvimento urbano” (i) as funções
sociais da cidade e (ii) o bem-estar de seus habitantes, é claro o enunciado permite concluir que
estamos diante de um princípio normativo que tem c omo suporte uma compreensão humanista de
cidade, ou seja, como o espaço político onde a existência humana individual e social se realiza na
integralidade. Essa complexidade é, posteriormente, adotada, densificada e aperfeiçoada pelo
Estatuto da Cidade, instituído pela Lei n. 10.257/2001, cujas diretrizes gerais não apenas acolhem
explicitamente a referência ao princípio da cidade sustentável, elevada à categoria de direito (art.
2º, I), como incorpora toda a complexidade do conceito, incluindo no seu conteúdo os direitos à
terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer.
O conceito de política urbana é, evidentemente, muitidimensional. Uma política urbana
que pretenda obter uma cidade justa ou sustentável precisa dar conta dos inúmeros e
diversificados fatores que envolvem a existência humana individual e as relações sociais que se
desenrolam no espaço urbano. Entre essas múltiplas dimensões encontra-se a mobilidade urbana,
seguramente um dos aspectos que mais impactam o bem-estar e a qualidade de vida dos membros
de uma comunidade urbana no mundo contemporâneo. Compreende-se, por isso, que o Estatuto
da Cidade tenha dedicado alguns dispositivos para tratar do tema (art. 2º, I e V, e 3º, IV) e que
tenha sido editada a Lei n. 12.587, de 3 de janeiro de 2012, que instituiu a Política Nacional de
Mobilidade Urbana.
O artigo 1º da Lei n. 12.587 dispõe que a Política Nacional de Mobilidade Urbana é
instrumento da “política de desenvolvimento urbano”, e artigo 2º dispõe que a PNMU tem por
objetivo contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições
que permitam a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento
urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade
Urbana. Ordenar a cidade para torná-la justa ou sustentável exige, pois, entre outras ações,
disciplinar, dirigir e promover publicamente a mobilidade urbana, visando a garantir o bem-estar
dos seus habitantes e as funções sociais d a cidade.
Este ensaio é dedicado à discussão jurídica de um dos mais importantes e estimulantes
cases da ordenação urbanística das cidades modernas contemporâneas: o surgimento de uma
nova modalidade de transporte individual remunerado de passageiros, implantado pela empresa
norte-americana UBER, que opera atualmente em centros urbanos de muitos países, inclusive no
Brasil. Esse tipo de serviço de transporte foi tradicionalmente monopolizado pelo chamado “modal

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