O Haiti não é aqui. (Re)pensar o direito e a denúncia do racismo estrutural através da música

AutorRaquel Sparemberger, Guilherme Augusto Figueiredo
CargoUniversidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS, Brasil/Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS, Brasil
Páginas111-133
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O HAITI NÃO É AQUI: (RE)PENSAR O DIREITO E A DENÚNCIA
DO RACISMO ESTRUTURAL ATRAVÉS DA MÚSICA
HAITI IS NOT HERE: (RE)THINKING THE LAW AND THE DENUNCIATION
OF STRUCTURAL RACISM THROUGH MUSIC
Raquel SparembergerI
Guilherme Augusto FigueredoII
Resumo: O Racismo é uma das violências mais antigas
impostas pela humanidade sobre sua própria espécie, que nas
Américas, graças ao sequestro brutal, exploração e imposição
de trabalhos forçados sobre diversos povos melodérmicos
oriundos do continente africano, ganhou contornos ainda
mais brutais, sob a égide de justificativas forjadas no bojo das
ciências naturais e sociais. Esse trabalho buscou apontar como
essa violência se renovou e se perpetuou através dos tempos e
das instituições, em especial no Brasil, e correlacionando com
a denúncia exaustiva do aparato sistêmico do Racismo pela
genialidade artística e musical de expoentes melodérmicos. A
metodologia privilegiou a abordagem hipotética-dedutiva e a
técnica de pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: Racismo estrutural. Justiça Social. Música
brasileira. Música negra
Abstract: Racism is one of the oldest forms of violence
imposed by humanity over its own species, which in the
Americas, thanks to brutal kidnapping, exploitation and the
imposition of forced labor on various dark-skinned nations
from the African continent, has gained even more brutal
contours, under the aegis of justifications forged within the
natural and social sciences. is work sought to point out
how this violence was renewed and perpetuated through time
and institutions, especially in Brazil, and correlates with the
exhaustive denunciation of the systemic apparatus of Racism
by the artistic and musical genius of black exponents. e
methodology favored the hypothetical-deductive model and
the bibliographic research technique.
Keywords: Structural Racism. Social Justice. Brazilian
Music. Black Music
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v17i41.681
Recebido em: 19.02.2022
Aceito em: 16.04.2022
I Universidade Federal do Rio Grande,
Rio Grande, RS, Brasil. Doutora em
Direito.
II Universidade Federal do Rio Grande,
Rio Grande, RS, Brasil. Graduado em
Direito.
112 Revista Direitos Culturais | Santo Ângelo | v. 17 | n. 41 | p. 111-133 | jan./abr. 2022
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v17i41.681
1 Introdução
Não é exagero afirmar que todas os passos dados pela nação brasileira rumo ao combate à
desigualdade social abissal, que é latente nesse país, sugiram a partir da luta dos coletivos negros
espalhados por todo o território, já há muitos séculos. Não poderia ser diferente, uma vez que a
história do preto no Brasil não se limita a banzo e rendição, mas também de vigorosa resistência
ao modus operandi do mundo escravocrata. Os modos de produção e de construção desse país
passaram e passam pelas mãos dos afro-brasileiros, e constatam a urgência do rompimento com
paradigmas racistas, que deixam sempre a população afro-brasileira no lugar do outro, e lugar do
excluído beligerante.
A abolição da escravatura, a lei Afonso Arinos, a lei de Cotas e sua aplicação e ampliação,
a tipificação do crime de Racismo, entre outras conquistas, são fruto da luta centenária dos
coletivos negros, e não da mera liberalidade bondosa de detentores do poder com viés liberal.
Sendo o Brasil um país obviamente plurirracial e pluricultural, é improvável que uma integração
afetiva e cultural saudável entre seus povos formadores se concretize, se conservada a educação,
do primário até a universidade, do modo que lhe é flagrante: unidirecionada, europeizada,
eurocentrada e sulista.
Por óbvio, o direcionamento europeizado da nossa mentalidade, resulta em disparidades
práticas, à revelia do direito positivo atual. Quando se questiona a efetividade das leis, quando
se aponta o racismo no Direito Penal, não se ignora o princípio da igualdade prevista na
Constituição Federal de 1988. O Racismo, quando flagrante no Direito, não o é por previsão
legal, na atualidade. Não se debate se o nosso ordenamento é expressamente racista, como já
foi no passado. O Racismo deve ser entendido enquanto estrutura, e enquanto consequência
inequívoca da nossa falta de habilidade em reconhecer o problema, e de efetivar, solidariamente,
políticas e condutas emancipatórias dos pilares arraigados no passado.
Nesse sentido, esse trabalho pretende explorar a possibilidade de uma intersecção entre
os campos cognitivos do Direito e da Música para compreender a luta pela dignidade humana
à luz do direito vivo, ou seja, das práticas sociais. O Direito é amplo, pois se configura como
um fenômeno social e por isso é normativo. A possibilidade de uma abordagem do Direito que
esquematize os pontos de integração do fenômeno jurídico na vida social e seus reflexos se dá
por meio da aplicação de um modelo dialético, o qual se intui o trabalho, buscando estabelecer
relações entre Direito e Música no aspecto da interpretação e da aplicação jurídica. Considera-se
que tanto o Direito, quanto a música não se restringem apenas a um horizonte interpretativo,
especialmente quando se fala em aplicação da lei, em especial da lei penal.
As concepções generalistas relativas ao Direito apenas o vincula à leis e códigos estáticos,
sumariamente impositivos. De forma similar, quando se fala em Música, a partitura parece ser o
objeto de estudo principal dessa forma de arte. Todavia, é necessário referir que o objeto de estudo
do Direito não se esgota na legislação, tampouco a Música se exaure em aspectos estritamente
teóricos, espera-se que esses apontamentos sejam importantes para relacionar Direito e Música
como apoio à compreensão sobre a interpretação jurídica, ao menos no que diz respeito ao
olhar do intérprete diante da lei – quando da interpretação jurídica, ou da música, quando da
interpretação da obra musical. (DIPP, 2019)

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