Hierarquia supraconstitucional relativa dos tratados internacionais de direitos humanos

AutorFelipe Klein Gussoli
CargoCoordenador Adjunto e Professor do Curso de Especialização em Direito Administrativo do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (Curitiba-PR, Brasil)
Páginas703-747
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Licensed under Creative Commons
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 6, n. 3, p. 703-747, set/dez. 2019.
Hierarquia supraconstitucional relativa dos
tratados internacionais de direitos humanos
Relative and supraconstitutional hierarchy of
international human rights treaties
FELIPE KLEIN GUSSOLI I, *
I Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (Curitiba-PR, Brasil)
gussoli@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-2585-6548
Recebido/Received: 24.05.2019 / May 24th, 2019
Aprovado/Approved: 16.12.2019 / December 16th, 2019
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Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v6i3.67058
Como citar esse artigo/How to cite this article: GUSSOLI, Felipe Klein. Hierarquia supraconstitucional relativa dos tratados in-
ternacionais de direitos humanos. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 6, n. 3, p. 703-747, set./dez. 2019.
DOI: 10.5380/rinc.v6i3.67058.
* Coordenador Adjunto e Professor do Curso de Especialização em Direito Administrativo do Instituto de Direito Romeu Felipe
Bacellar (Curitiba-PR, Brasil). Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professor do Curso de Especialização em Licitações e Contratos Ad-
ministrativos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pesquisador do NUPED - Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas
e Desenvolvimento Humano da PUCPR. Advogado em Curitiba-PR. E-mail: gussoli@hotmail.com.
Resumo
O artigo parte das classicações mais frequentes sobre
a hierarquia dos tratados internacionais de direitos hu-
manos no ordenamento jurídico para diante delas suger-
ir o reconhecimento do status hierárquico supraconsti-
tucional relativo das convenções internacionais daquela
natureza. A proposta afasta-se das posições santicado-
ras da soberania constitucional como único horizonte
viável no plano jurídico contemporâneo. Reposiciona,
assim, o discurso da força normativa da Constituição
e demonstra a emergência de um paradigma jurídico
universalista em que a própria Constituição Federal de
1988 assentou a relativização de suas normas em favor
de instrumentos jurídicos internacionais. A partir de uma
perspectiva dogmática, aliada ao princípio pro persona
do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a pesqui-
sa busca acima de tudo contribuir para a rediscussão
do posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal
Abstract
The article starts from the most frequent classications on
the hierarchy of the international human rights treaties in
the juridical order, therefor to suggest the recognition of the
relative and supraconstitutional hierarchical status of the
international conventions of human rights. The proposal
departs from the sanctifying positions of constitutional so-
vereignty as the only viable horizon in the contemporary ju-
ridical plane. It thus replaces the discourse of the normative
force of the Constitution and demonstrates the emergence
of a universalist legal paradigm in which the Brazilian Fede-
ral Constitution of 1988 itself was based on the relativiza-
tion of its norms in favor of international legal instruments.
From a dogmatic perspective, and form the principle pro
persona of International Human Rights Law, the research
seeks above all to contribute to the re-discussion of the cur-
rent position of the Brazilian Federal Supreme Court on the
supralegal hierarchy of the treaties, as well as to initiate a
FELIPE KLEIN GUSSOLI
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 6, n. 3, p. 703-747, set/dez. 2019.
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SUMÁRIO
1. Introdução; 2. Estado Constitucional e Convencional de Direito: o paradigma jurídico universalista;
3. Direito Internacional dos Direitos Humanos e força normativa dos tratados incorporados no Direito
brasileiro; 4. Hierarquia supraconstitucional dos tratados de direitos humanos admitida pela Consti-
tuição brasileira; 4.1. Hierarquia legal dos tratados internacionais de direitos humanos; 4.2. Hierarquia
supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos: posição atual do Supremo Tribunal Federal;
4.3. Hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos; 4.4. Hierarquia Supra-
constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos; 5. Relativização do critério hierárquico
de ordenação das normas: hierarquia supraconstitucional a priori dos tratados internacionais de direi-
tos humanos; 6. Conclusão; 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo busca demonstrar as diferentes correntes sobre a hierarquia
que os tratados internacionais de direitos humanos possuem na ordem jurídica a partir
da interpretação das normas constitucionais sobre a matéria. E a partir disso, sugerir
quais os caminhos que melhor se adaptam ao paradigma convencional do Direito glo-
bal vivenciado no século XXI.
O objetivo central é problematizar os critérios utilizados pelo Supremo Tribunal
Federal ao assentar a mera supralegalidade das Convenções internacionais incorpo-
radas na ordem jurídica brasileira com base na supremacia irrestrita da Constituição.
Apesar dos rompantes nacionalistas mais recentes no cenário brasileiro (e mundial),
não é mais sustentável a defesa de uma soberania irrestrita na esfera das relações inter-
nacionais e das relações jurídicas globais. A existência de múltiplas ordens normativas,
várias delas reconhecidas expressamente pelo Direito interno, precisa encarar como
realidade imutável a sobreposição de princípios, regras e decisões. A formulação de
um paradigma centralizador do humano e da natureza1 nessa rede ou cadeia de nor-
1 Os tratados de proteção do meio ambiente estão entre aqueles classicados como de direitos humanos.
O ordenamento jurídico convencional contempla o respeito pelos direitos humanos e pelo meio ambiente
(SANTOFIMIO GAMBOA, Jaime Orlando. El concepto de convencionalidad: vicisitudes para su construcción
sustancial en el sistema interamericano de derechos humanos. Ideas fuerza rectoras. Madrid, 2016. 638 f. Tese
pós-doutoral. Universidad Carlos III de Madrid; Universidad Externado de Colombia. p. 345).
acerca da hierarquia supralegal dos tratados, bem como
iniciar um diálogo com as teorias normativas heterárqui-
cas em busca da formulação de critérios práticos para
resolução de conitos pelos julgadores.
Palavras-chave: supraconstitucionalidade; controle de
convencionalidade; tratado internacional de direitos hu-
manos; hierarquia dos tratados internacionais; soberania.
dialogue with the heterarchical normative theories in sear-
ch of the formulation of practical criteria for conict resolu-
tion by the judges.
Keywords: supraconstitutionality; conventionality control;
international human rights treaty; hierarchy of internatio-
nal treaties; sovereignty.
Hierarquia supraconstitucional relativa dos tratados internacionais de direitos humanos
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mas fortalece o privilégio do Direito Internacional dos Direitos Humanos no cenário
mundial.
Assim, com a consciência da cada vez mais veloz ruptura de critérios hierárqui-
cos rígidos na relação entre as normas jurídicas vigentes no tempo e espaço mundial,
após demonstrar as diversas correntes em oposição, propõe-se a adoção da hierarquia
supraconstitucional a priori de todos os tratados de direitos humanos incorporados, o
que tem fundamento no próprio sistema constitucional brasileiro.
2. ESTADO CONSTITUCIONAL E CONVENCIONAL DE DIREITO: O
PARADIGMA JURÍDICO UNIVERSALISTA
O pressuposto da presente pesquisa é o de que vigora no Brasil o paradigma
jurídico universalista,2 cujo centro de irradiação são os direitos humanos. Desta forma,
o pressuposto deste estudo é o reconhecimento de que o Brasil adota um modelo de
Estado Constitucional e Convencional de Direito.3 O Século XXI tem como marca a que-
bra do paradigma do Direito estadualista. Vive-se hoje o paradigma pós-estadualista ou
pluralista, em que a produção normativa estatal exclusiva dá lugar à múltiplas fontes
fabricantes de regras.4 Neste paradigma a soberania está inquestionavelmente relativi-
zada. O discurso da soberania atualmente é “frágil”.5 Entre as diversas razões para
2 Para uma abordagem histórica da atual fase que pode ser chamada de “constitucionalismo transnacion-
al” (sinônimo de transconstitucionalismo), no qual rompe-se o padrão centralizado de poder e soberania e o
Estado se sujeita à normativa internacional e não só às suas próprias leis, cf. TEIXEIRA, Anderson Vichikesnki.
Constitucionalismo transnacional: por uma compreensão pluriversalista do Estado constitucional. Revista de
Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 3, n. 3, p. 141-166, set./dez. 2016.
3 O ordenamento jurídico convencional é aquele “derivado do consenso internacional em matéria de direit-
os humanos, o qual pelo simples pertencimento de um Estado à comunidade de nações, busca acima de tudo
cimentar a paz, a justiça social e a consolidação de estandartes de normalidade que garantam às pessoas de
todos os Estados partes, instituições fortes, plenamente respeitosas dos direitos humanos, (subjetivos e coleti-
vo), mediante ordens constitucionais e legais que armem a ideia material de um Estado social e democrático
de direito”. (SANTOFIMIO GAMBOA, Jaime Orlando. El concepto de convencionalidadOp. Cit., p. 345).
4 “Mas, a partir dos nais do sec. XVIII, a opinião mais corrente, embora não única, era a de que essa legitim-
idade dos Estados para impor normas aos cidadãos resultava de este ser o produto da vontade dos mesmos
cidadãos, expressa pelos órgãos que ocialmente os representavam (em primeiro lugar, pelos parlamentos,
em quem residia, por isso, o poder de fazer as leias que compunham o direito do Estado). (...) Hoje, tudo se
tornou menos nítido e mais complexo. Ao Estado contrapõe-se uma sociedade que parece produzir normas
diretamente, sem necessitar da mediação ocial; à unidade do Estado contrapõe-se a dispersão de centros de
poder normativo; às Nações, distintas e isoladas, contrapõe-se a ‘sociedade global’ de todas as nações, ultra-
passando fronteiras dos Estados e pouco atenta ao recorte ocial das fronteiras; à unidade de cada um dos
vários direitos, contrapõem-se direitos com diversos centros autónomos produtores de normas, desprovidos
de coerência, sobrepostos, combinando normas de validade apenas local com outras que valem a um nível
translocal, global. O Estado tende a deixar de ser considerado quer como a origem única do direito quer como
a fonte da sua legitimação última”. (HESPANHA, Antonio Manuel. Pluralismo jurídico e direito democrático.
São Paulo: Annablume, 2013. p. 18)
5 SANTOS, Gustavo Ferreira; TEIXEIRA, João Paulo Allain. Diálogo entre tribunais e proteção de direitos hu-
manos: diculdades e perspectivas. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Hori-
zonte, a. 16, n. 66, p. 267-282, out./dez. 2016. p. 280.

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