Homo violens, vestígios de memória e crime / Homo violens, vestiges of memory and crime

AutorFrancisco Ramos de Farias
CargoBolsista em Produtividade de Pesquisa 2, Programa de Pós-Graduação em Memória Social, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: frfarias@uol.com.br
Páginas680-703
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.21693
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721 pp.680-703 680
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Objetiva-se tecer considerações acerca do núcleo de destrutividade presente no homem, em suas
diferentes manifestações, trazendo para o âmago das discussões a vertente estruturante da
violência. Situamos violência fundadora no crime originário que, na condição de memória, deveria
ser objeto de transformação no intuito de fazer o homem declinar sua inclinação à destruição. Não
obstante, constata-se que o relato mítico do assassinato não se mostrou suficiente para banir da
civilização o ato de matar. Antes de se evidenciar as diferentes nuances do Mal, faz-se uma
discussão do binômio barbárie-civilização, trazendo como contraponto o fracasso das descobertas
científicas e das práticas religiosas, no auge do progresso científico do século XX, no sentido de
evitar as grandes carnificinas que assolaram praticamente todo o planeta nesse século. Nesse
sentido realiza-se um rastreamento nas interpretações sobre a violência para pensar uma
articulação bastante delicada com o conceito de pulsão de morte, analisado tanto sob o viés da
criação quanto da dissolução e impossibilidade de construção dos laços sociais diante da expressão
relacionada à destrutividade. Por fim, deixa-se em aberto a questão: o que fazer com a
destrutividade: ignorá-la, eliminá-la, normalizá-la? Ou, oferecer alternativas sociais para drená-la a
fins criativos?
- assassinato, memória, destrutividade, criaçã o, crime.
The aim is to present some considerations about the core destructiveness in man, in its different
manifestations, bringing to the heart of the discussions the structuring approach of violence. We
see violence as being rooted in the original crime, which, in the condition of memory, should be an
object of transformation with the purpose of making man diminish his inclination to destruction.
However, what we find is that the mythical accounts of murder have not sufficed to banish the act
of killing from civilization. Before presenting the different nuances of evil, a discussion of
barbarism/civilization is presented, bringing as a counterpoint the failure of scientific discoveries
and religious practices, at the height of the scientific developments in the twentieth century, to
prevent the great massacres that ravaged practically the whole planet that century. In this sense,
different interpretations of violence are considered in order to conceive of an extremely delicate
articulation with the concept of the death drive, analyzed from the perspective of both creation
and the dissolution and impossibility of forging social bonds in the face of destruction-related
expression. Finally, an open question is posed: what should be done with destructiveness? Ignore
it, eliminate it or normalize it? Or find ot her social options for channeling it into creative ends?
murder, memory, destructiveness, creation, crime.
1 Bolsista em Produtividade de Pesquisa 2, Programa de Pós-Graduação em Memória Social, Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: frfarias@uol.com.br
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.21693
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721 pp.680-703 681
A violência, o processo de humanização e o assassinato, como temas sociais de estudos,
têm em comum a dificuldade de análise, seja quanto à origem, seja, no caso da violência e do
assassinato, quanto à permanência desses fenômenos no âmago da experiência humana. Ao nos
voltarmos para a posição subjetiva do homem frente ao assassinato considerado como a
aplicação prática da violência em seu caráter destrutivo encontramos aqueles que escolhem essa
forma de realização enquanto outros optam por renunciá-la.
Escolha e renúncia. Eis os dois modos de saída no âmbito da criação e da destruição. O que
explicaria o fato de o homem tecer as teias de sua existência por uma ou por outra via? Responder
essa indagação exigiria encontrar explicações teóricas que apaziguem a angústia do homem ante a
constatação desses fatos. Situar o assassinato na esfera da condição humana e a violência como
um fenômeno inerente à vida coloca-nos em um terreno bastante sombrio; há uma grande lacuna
no pensamento quando abordamos essas questões.
Contudo, podemos iniciar a nossa reflexão postulando que as matanças de humanos pelo
homem que conhecemos em termos de massacres, genocídios, carnificinas resultam de
práticas violentas em intensidades distin tas, sendo, por assim dizer, a herança que conhecemos em
termos de processo civilizatório. No entanto, uma questão impõe-se de forma imperiosa: como
podemos pensar o processo civilizatório à custa de práticas conhecidas como relativas aos
bárbaros? Não alimentaríamos a esperança de que o processo civilizatório pusesse fim a essas
modalidades de destruição? Para nosso espanto, o que observamos, no seio da experiência
humana, é o grande contraste entre a matança do século XX, no berço civilizado do planeta, e o
ápice do progresso científico. De certa forma, foi graças à ideia de civilização e de democracia
estabelecida pelo contrato social que o mundo conheceu a escravidão, a guerra, o infanticídio, a
exploração desenfreada da terra colocando em risco as condições de vida no planeta, os campos
de extermínios e outras modalidades de práticas que se inserem, obrigatoriamente, no campo da
barbárie.
Aliás, graças ao progresso científico, o século XX conheceu a chamada indústria da morte,
referida aos campos de concentração e constantemente difundida sob a denominação barbárie.
Obviamente, o uso dessa terminologia q ue concebe a existência da barbárie só foi possível graças à
teorização acerca da civilização, pois “admitir que existe barbárie significa, de fato, admitir a
existência de civilização e, portanto, de culturas superiores e inferiores” (WOLFF, 2004, p. 39).

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