Sobre a política de dispensação de medicamentos no brasil: mínimo necessário paraa efetivação do direito àsaúde

AutorLuciana Jordão da Motta Armiliato de Carvalho
CargoDefensora Pública do Estado de São Paulo.
Páginas161-169

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Considerações iniciais

No âmbito do Sistema Global de Proteção aos Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Resolução nº 217 da Assembléia Geral da ONU em 1948 e da qual o Brasil é signatário, determina, em seu art. XXV, que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, além de cuidados médicos.

Posteriormente, em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, dotado da coercibilidade que lhe é peculiar e aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12.12.1991 e promulgado pelo Decreto nº 591, de 6.7.1992, prevê em seu art. 12 que os Estados-partes reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental. As medidas que os Estados-partes deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito devem incluir o que for necessário à sua efetivação.

Conforme amplamente reconhecido, o acordo indicado estabeleceu obrigações para os Estados-partes e, como conseqüência, responsabilização internacional na hipótese de não-observação dos preceitos legais. Neste particular, há um entendimento de que os signatários devem adotar um comportamento progressivo de modo a assegurar um mínimo necessário para garantir a saúde física e mental para todas as pessoas. Neste caso, se aguarda uma evolução em direção a implementação de políticas de alcance global de modo permanente.

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1 O modelo de responsabilidade estatal na concretização do direito à saúde

Os direitos sociais são direitos fundamentais por natureza, ante a característica da indivisibilidade dos Direitos Humanos, amplamente difundida e aceita na sistemática internacional1. Anormativa internacional de Direitos Humanos, possuidora de status constitucional como assevera o art. 5 § 3º da Constituição Federal de 1988 (CF/88), possui aplicação imediata, desnecessitando de qualquer espécie de norma integradora.

Abramovich e Courtis argumentam que a história do nascimento dos Estados Sociais é a história da transformação da ajuda aos pobres motivada na caridade pela discricionariedade da autoridade pública, em benefícios concretos que correspondem a direitos individuais dos cidadãos. Relembram que, apesar dos principais direitos econômicos, sociais e culturais terem sido consagrados em diversas constituições e em numerosos instrumentos no plano internacional, seu reconhecimento universal como direitos plenos não se alcançará até se superar os obstáculos que impedem sua adequada “judiciabilidade”, entendida como a possibilidade de se reclamar, ante um juiz ou tribunal de justiça, o cumprimento ao menos de algumas das obrigações que se derivam deste direito.2

O Direito à Saúde encontra também previsão constitucional, nos arts. 196 e 198, inciso II, que estabelecem que a assistência à saúde é dever do Estado3. EstePage 162deve assegurar o acesso universal às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação dos cidadãos, com seu atendimento integral. Também fundamenta o direito à saúde a norma prevista no art. 6º, inciso I, alínea “d”, da Lei nº 8.080/90, que dispõe ser da responsabilidade do Estado a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.4

Desta forma, pode-se afirmar que o Estado tem o dever de preservar a saúde dos seus cidadãos de modo preventivo, bem como garantir a recuperação dos que eventualmente estejam enfermos.

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2 Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas para Dispensação de Medicamentos: Natureza e Limitações

Com a finalidade5 de organizar o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), criado com a intenção de garantir o acesso universal igualitário às ações e serviços de saúde, a União, os Estados e os Municípios se utilizam do instrumental da Política Nacional de Medicamentos (PNM), que integra a Política Nacional de Saúde do Brasil.

Para o desenvolvimento da PNM, utilizou-se o Poder Executivo de três diretrizes básicas, quais sejam: i) a regulação sanitária; ii) a regulação econômica e; iii) a assistência farmacêutica, sendo que esta última prevê a construção de consensos terapêuticos a respeito de doenças e a indicação de determinados medicamentos.

Para o Ministério da Saúde, o compromisso assumido com a PNM foi o da promoção do acesso da população brasileira a medicamentos de qualidade em quantidade adequada ao menor preço possível.

A fim de organizar a PNM, o Ministério da Saúde divide os medicamentos em dois grandes grupos: i) os medicamentos essenciais e; ii) os medicamentos de alto custo – também chamados de excepcionais. Os medicamentos essenciais são aqueles elencados em uma lista nacional de referência, composta pelos produtosPage 164considerados básicos e indispensáveis para atendimento a um grande número de doenças, chamada de RENAME. Esta lista é periodicamente atualizada, com exclusões ou inclusões de medicamentos.

O outro grande grupo de medicamentos são os de alto custo, incluídos no Programa de Medicamentos Excepcionais. O Ministério da Saúde considera medicamentos excepcionais ou de alto custo aqueles de elevado valor unitário, ou que, pela cronicidade do tratamento, se tornam excessivamente caros para serem suportados pela população.

Com a suposta finalidade de ampliar o financiamento, o controle nominal de pacientes e o monitoramento do comportamento do mercado farmacêutico, foram elaborados, a partir de 1999, os Protocolos Clínicos e...

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