ICMS-comunicação: da efetiva prestação de serviços versus efetiva comunicação

AutorRubya Floriani dos Anjos
CargoMestre e Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora e Pesquisadora do IBET
Páginas179-194

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Introdução

A doutrina, em geral, quando analisa o ICMS1 incidente sobre a prestação de serviços de comunicação não hesita em afirmar que o imposto recai sobre a efetiva prestação de serviços de comunicação e que isso só se conforma com a efetiva comunicação. Ocorre que os autores fazem tal asserção aproveitando-se de estudos realizados em torno da locução "prestação de serviços" do ISS.2 Mas o que é "efetiva comunicação" e "efetiva prestação de serviços para o ICMS-Comunicação"?

Não se pode esquecer que a "prestação de serviços" pode ser tributada tanto pelo ISS, como pelo ICMS, o que se verifica do disposto nos arts. 156, III, e 155,

II da Carta Magna. O art. 156, III, outorga competência aos Municípios para instituírem o imposto sobre serviços de qualquer natureza que não estejam compreendidos no art. 155, inciso II, quais sejam: os serviços de comunicação e de transporte interestadual e intermunicipal (de competência dos Estados e do Distrito Federal).

Portanto, a locução "prestar serviços" faz parte de dois impostos e, para indicar a "prestação de serviços" de competência do respectivo Ente Político há que se realizar uma qualificação do vocábulo "serviços", ao qual pode ser atribuído: de qualquer natureza, ou comunicação, ou transporte.

Desse modo, é relevante que se investigue a "prestação de serviços" e sua efeti-vidade, em consonância com cada imposto a que se refere.

Nesta oportunidade demonstraremos que o significado de efetividade para o ICMS-Comunicação é diferente do que vem sendo adotado usualmente, e para isso, passaremos pelo entendimento utilizado pelos especialistas em ISS, bem como será necessário definir o conceito de

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comunicação que entendemos adequado ao ICMS.

1. Análise da expressão "prestação de serviços" e sua efetividade no ISS

"Prestação", como objeto da obrigação, quando associada ao termo "serviço", envolve obrigação de fazer-pois "serviço" é sinônimo de bem material ou imaterial,3 resultado de um esforço humano - que só se torna obrigação porque estabelecida de forma negocial, em consonância com as regras do Direito Privado.4 Em outras palavras, envolve o exercício de uma atividade por um prestador em benefício do toma-dor, o qual remunerará aquele por meio de um preço previamente ajustado,5 consubstanciando uma relação jurídica.

Nesse sentido, De Plácido e Silva,6 diz que "Juridicamente, na terminologia das obrigações, prestação entende-se como objeto da obrigação, ou seja, aquilo que o devedor está obrigado a cumprir, a fim de que se libere da obrigação assumida. E a prestação tanto pode consistir na entrega de uma coisa, como na prática ou execução de um ato" (destacamos).

O legislador constituinte está fazendo uso de conceito de direito privado,7 especificamente do Direito Civil, para delimitar o campo de atuação do legislador infra-constitucional, pois prestar serviços é uma obrigação de fazer.

Ocorre que o Direito Civil8 segrega as obrigações em duas, as quais podemos entender a partir da definição do De Plácido e Silva, acima transcrita, que são: obrigação de dar - entrega de algo - ou, obrigação de praticar, executar determinado ato, enfim, de fazer. Devemos adotar essas noções sem o exagero do rigor que a leitura das palavras pode provocar, pois, a prestação de serviços pode ocasionar a entrega de algo, a exemplo de uma obra de arte.

Prestar serviço, que pode abarcar a entrega de bem material e imaterial,9 compõe o rol das obrigações de fazer como definida pelo direito privado. Esse também é o entendimento de José Eduardo Soares de Melo,10 para quem "O cerne da materialidade da hipótese de incidência do imposto em comento não se circunscreve

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a 'serviço', mas a uma 'prestação de serviço', compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de 'fazer', de conformidade com os postulados e diretri-zes do direito privado" (destacamos).

O Supremo Tribunal Federal na mesma esteira ressaltou a importância do art. 110 do CTN,11 no RE 116.121-3-SP,12 quando o Plenário da Corte analisou a expressão "locação de bens móveis", para afastar a "incompreensível confusão que ocorria com locação de serviços",13 declarando inconstitucional o item 79 da lista de serviços vigente à época. Vejamos:

Tributo - Figurino constitucional. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. Imposto sobre serviços - Contrato de locação. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - art. 110 do Código Tributário Nacional. Com efeito, os fatos eleitos pelo constituinte e que vão compor a hipótese de incidência dos tributos devem denotar riqueza; logo, apenas aqueles serviços que forem prestados a título oneroso é que serão passíveis de sofrer a exação, e isso para quaisquer serviços, independente do ente político competente instituidor do tributo.

Por decorrência, os serviços prestados de forma gratuita não estão susceptíveis à incidência tributária, porque tal circunstância impede que haja montante para a aplicação da alíquota e, conseqüentemen-te, tampouco haverá o objeto em torno do qual se formam as relações jurídicas tributárias.

Essa relação jurídica tributária, que é obrigacional, é necessariamente irreflexi-va, ou seja, deve ter sujeito passivo diferente de sujeito ativo,14 isto é, nunca pode ser a mesma pessoa preenchendo essas duas posições, de modo que o auto-serviço não pode representar um fato tributável, que ademais, também não tem base de cálculo, como nos serviços gratuitos.

Em atendimento ao rigor, ressalva Aires F. Barreto15 que: "O conceito de serviço supõe uma relação com outra pessoa, a quem se serve. Efetivamente, se é possível dizer-se que se fez um trabalho 'para si mesmo', não o é afirmar-se que se prestou um serviço 'a si próprio'. Em outras palavras, pode haver trabalho, sem que haja relação jurídica, mas só haverá serviço no bojo de uma relação jurídica" (grifei).

Assim, automaticamente ficam excluídos, dentre outros, o serviço empre-gatício, bem como o serviço público; este que, conforme Aires F. Barreto "(...) - não

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só por ser imune, como também por não ter (...) as demais características do serviço tributável por via de imposto - deverá ser excluído do conceito contido na expressão 'serviço' (...)".16

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, decidiu que os Municípios e o Distrito Federal podem cobrar ISS sobre serviços notariais e de registro público quando julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.089.17

Podemos concluir com Susy Gomes Hoffman que a expressão prestação de serviços "encontra seu significado no âmbito constitucional", pois "o legislador constitucional, ao determinar que a incidência do ISS será sobre (a prestação dos) serviços, utiliza-se dos conceitos de Direito Civil". Portanto, "(...) está o legislador infracons-titucional (...) adstrito às características jurídicas (estabelecidas pelo Direito Civil) de tal instituto".

Toda nossa análise sobre a expressão remeteu-nos necessariamente ao ISS; isto porque, a "prestação de serviços" para esse imposto, já foi amplamente estudada. Sendo assim, as explicações feitas até aqui, aplicam-se, em sua totalidade à prestação de serviços que envolve o ICMS, com o cuidado de que os serviços não serão mais os de qualquer natureza e sim os de transporte interestadual e intermunicipal ou comunicação e, mais especificamente, consi-derando nosso objeto de estudo, a prestação de serviços de comunicação.

No tocante à efetividade (consoante já destacamos para o ISS), mas também para o ICMS, a doutrina não destoa do entendimento de que tais impostos incidem sobre o acontecimento efetivo da prestação do serviço contratado e não sobre os contratos de prestação de serviços. Nas palavras de Aires F. Barreto, "O ISS não é um tributo sobre atos jurídicos mas sobre fatos, sobre o facere que alguém (o prestador) tenha desenvolvido em favor de terceiro (o tomador)".18 Portanto, o ISS não pode incidir sobre serviço "potencial", o que nos faz considerar que a obrigação tributária de recolher o ISS apenas surgirá diante de fato concretamente ocorrido.19

Entende o Autor, que para ser fato, não pode ser potencial, de modo que consignação deste tipo é até redundante; em suas palavras: "se é fato, nunca pode ser potencial; potencial é incompatível com fato".20 E conclui relembrando que nenhum outro imposto poderá incidir sobre fato de provável ocorrência.

Com efeito, o contrato encerra uma promessa que se baseia em potencial cumprimento da "obrigação" de fazer o previamente acordado, mas não será hipótese de incidência tributária apenas aquilo que foi prometido, e sim o que realmente for realizado. Isso leva os Autores a fazerem o seguinte asserto: considerando que o ISS em suas relações jurídicas envolve a prestação de serviços, ele só poderá incidir quando tais serviços efetivamente acontecerem.

E tais conclusões são imediatamente transportadas para o ICMS: "A incidência de norma de ISS (e a do ICMS) dá-se sobre o fato 'prestar serviço' e não sobre o ato do contratar".21 "Apromessa, portanto,

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é formulada pelo potencial prestador do serviço"22 e, "sem a concreta realização do 'fazer', também não há serviço".23

Esse é o entendimento de Misabel Abreu Machado Derzi: "Além disso, o ICMS abrange as efetivas prestações de serviços de transporte e de comunicação, como execução de...

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