Identidade étnica indígena e imputabilidade penal no STF: análise de casos
Autor | Daize Fernanda Wagner |
Páginas | 5-42 |
IDENTIDADE ÉTNICA INDÍGENA E
IMPUTABILIDADE PENAL NO STF
ANÁLISE DE CASOS1
Daize Fernanda Wagner2
Sumário: Introdução; 1. Contornos para
uma denição de identidade étnica; 2. A
identidade étnica indígena na legislação
brasileira após a CR/88; 3. A identida-
de étnica indígena nos casos analisados;
Considerações nais; Referências biblio-
grácas.
Resumo: Tendo em consideração os estudos sobre identidade étni-
ca indígena desenvolvidos na Antropologia, o presente artigo pro-
blematiza as concepções sobre a identidade étnica em julgados que
abordam a imputabilidade penal de indígenas no Supremo Tribunal
Federal, a partir da Constituição de 1988. Objetiva analisar a percep-
ção de que o Supremo Tribunal Federal faz um uso seletivo e equi-
vocado da identidade indígena para ns penais. Destarte, pretende
contribuir na discussão sobre a necessária revisão da noção que essa
Corte tem quanto às identidades étnicas indígenas. Para tanto, parte
1
As reexões do presente artigo foram inicialmente propostas no artigo
intitulado “Identidades étnicas e Poder Judiciário: pontos de reexão”, pu-
blicado nos anais do V Encontro Internacional do CONPEDI, ocorrido em
Montevideu, Uruguai, em setembro de 2016.
2
Professora Adjunta no curso de Direito da Universidade Federal do Ama-
pá (UNIFAP), Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUC/RS), Mestre em Direito pela Ludwig Maxi-
milian Universität (LMU) Munique/Alemanha, Doutora em Direito pela
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E-mail: daizefernandawagner@gmail.com.
http://dx.doi.org/10.17931/SDJ_completo
6 • SOCIEDADE, DIREITO & JUSTIÇA
da vertente jurídico-sociológica e utiliza a técnica de pesquisa teóri-
ca, com análise de decisões do STF que abordam o tema.
Palavras-chave: Identidades étnicas; Indígenas; Imputabilidade Pe-
nal; STF; Constituição de 1988.
Abstract: Concerning to the studies about ethnic identity develo-
ped by Anthropology, the present article discusses the conceptions
about indigenous identity into judicial decisions in Brazil, since the
Constitution of 1988. It aims to analyze the perception that Supreme
Court adopt a selective and mistaken use of the indigenous identity
for penalty purposes. Besides, it contributes to the discussion on the
necessary revision of the idea that the Supreme Court from Brazil
have about the indigenous identities. So that, part of the legal and
sociological basis and use theoretical research technique, analyzing
judicial precedent of Supreme Court.
Keywords: Ethnic Identities; Indigenous; Penal Imputability; Su-
preme Court; Constitution of 1988.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo discutir, com base em
estudos antropológicos, a compreensão acerca da identidade étnica
indígena que emerge de casos julgados pelo Supremo Tribunal Fe-
deral (STF) envolvendo indígenas réus em processos penais, após
a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil
(CR/88).
A partir da década de 1970, a identidade étnica passou a
ocupar grande espaço na cena antropológica, resultando em abun-
dante produção bibliográca e em signicativo avanço teórico sobre
a delimitação dos grupos étnicos. Tais estudos tiveram como conse-
quência o estabelecimento de pelo menos dois pontos considerados
pacicados entre os estudiosos: o caráter mais relacional que essen-
cial das identidades étnicas e o caráter mais dinâmico que estático da
etnicidade. (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998).
À luz desses estudos, que critérios são utilizados pelo
STF para delimitar a identidade étnica de um indígena réu em
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processo penal? É possível identicar alguma inuência dos estudos
antropológicos, fruto de muitas investigações em diferentes campos,
sobre os critérios utilizados pelo STF para reconhecer a identida-
de indígena e o tratamento penal dela decorrente? Partindo desses
questionamentos, o presente artigo pretende analisar a identidade
étnica indígena que emerge dos julgados que tem por principal ob-
jeto de discussão a prática de crimes e a imputabilidade penal de
indígenas.
Os julgados do STF sobre o tema foram coletados em seu
endereço eletrônico, tendo como critérios de busca os termos “laudo
antropológico, imputabilidade penal e indígena integrado”. Tais ter-
mos foram escolhidos pois são representativos da temática objeto da
investigação e são recorrentes nos casos analisados. Em acréscimo,
foram considerados apenas os julgados a partir da promulgação da
CR/88, por ser esta o grande marco divisor do reconhecimento aos
indígenas no Brasil.
Partindo desses critérios, em busca realizada entre os meses
de junho e julho de 2017, foi possível identicar a existência de três
julgados que tratam desse tema após a promulgação da CR/88. São
eles: o Habeas Corpus (HC) n. 79.530/PA, julgado em 16/12/1999,
sob relatoria do Ministro Ilmar Galvão; o HC n. 85.198/MA, julgado
em 17/11/2005, sob a relatoria do Ministro Eros Roberto Grau; e o
HC n. 84.308/MA, julgado em 15/12/2005, sob a relatoria do Mi-
nistro Sepúlveda Pertence. Todos os três julgados são da Primeira
Turma do STF.
Apesar dessas três decisões terem sido proferidas há mais
de dez anos, sua análise não perdeu a atualidade, haja vista que vá-
rios pontos do entendimento nesses julgados se mantêm ainda hoje
em decisões que têm a identidade étnica como ponto relevante para
o julgamento. Considerando o papel desempenhado pelo STF, suas
decisões acabam inuenciando as instâncias inferiores, que tendem
a seguir na mesma direção. Dessa feita, necessário revisitar os argu-
mentos utilizados no julgamento dos três casos para reetir sobre
sua pertinência.
Delimitar a identidade indígena é importante para a aplica-
ção da norma jurídica de forma adequada, assegurando o reconheci-
mento dessa identidade étnica, seguindo os ditames constitucionais
expressos no artigo 231 da CR/88. Para tanto, há que haver critérios
sucientes que auxiliem na delimitação. Todavia, é preciso tomar em
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