Impacto das Novas Ideias na Dogmática do Direito de Propriedade. A Multiplicidade Dominial

AutorMarcos Alcino de Azevedo Torres
CargoDesembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ.
Páginas280-340
Revista de Direito da Cidade vol.03, nº 02. ISSN 2317-7721
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Revista de Direito da Cidade, vol.03, nº02. ISSN 2317-7721 p. 275-328 275
Impacto das Novas Ideias na Dogmática do Direito de Propriedade.
A Multiplicidade Dominial.
Marcos Alcino de Azevedo Torres
1
Resumo: O impacto das novas idéias na dogmática do direito de propriedade, com destaque à
existência de um conceito único, abrangente de todas as espécies de propriedade. Existe m
diversos direitos se propriedade ou somente um.
Palavras-chave: propriedade - espécies de direito de propriedade
Abstract: The impact of new ideas in the dogmatic property rights, especially the existence
of a unívoc, comprehensive concept of all kinds of property. There are m different property
rights or only one.
Keywords: property - species of property right
1 Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto de Direito
Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ.
Revista de Direito da Cidade vol.03, nº 02. ISSN 2317-7721
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1 Introdução.
O tema de nosso estudo neste ensaio será o impacto das novas idéias na
dogmática do direito de propriedade, em especial destaque quanto à existência de um conceito
unívoco, abrangente de todas as espécies de propriedade ou se necessidade de
reconhecermos a existência de diversos direitos de propriedade conforme a natureza e a
titularidade do bem que é seu objeto. O problema é: há só um direito de propriedade ou
diversos direitos com reflexos no conteúdo e no seu exercício?
A questão, talvez por sua especificidade, não tem sido objeto de inclusão em
manuais e até mesmo em artigos que analisam o direito de propriedade, salvo raras exceções.
2
No entanto, todos sabemos que o direito de propriedade sofreu, como de regra
acontece com todos os institutos jurídicos ao longo do tempo, influencias das idéias de cada
tempo, do momento histórico e cultural de cada nação, sendo que nos últimos 200 anos
podemos destacar três momentos marcantes na caracterização da propriedade: a propriedade
feudal; a passagem da propriedade feudal para a propriedade democratizada após a revolução
francesa, estribada em ideais liberais, considerada propriedade-burguesa, sob domínio pleno e
ilimitado de seu titular e o terceiro, ainda em conformação, o reconhecimento de uma
propriedade funcionalizada, como um instituto voltado para o atendimento do homem como
pessoa e não simplesmente como o bem componente de seu patrimônio ou como riqueza
particular.
Por outro lado, não há dúvida de que o direito de propriedade sofra a influencia
do regime econômico dominante3, seja na sua configuração seja na sua conformação,
2 TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Pr ivada. In:
Temas de Direito Civil
.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 267-291. LOUREIRO, Eduardo Francisco.
A Propriedade como
Relação Jur“dica Complexa
. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 53-61; V ARELA, Laura Beck.
Das
Propriedades à Propriedade: construção de um direito
. p. 730-762. VARELA, Laura B. e LUDWIG,
Marcos de C.
Da Propriedade às Propriedades: Função Social e Reconstrução de um Direito
. p. 763-
788 ambos in
A Reconstrução do Direito Privado
. Org. Judith Martins-Costa. Editora Revista dos
Tribunais, 2002.
3 Cf. registro de J. Gilissen na Rússia, p.ex., depois da tomada do poder pela Revolução em
novembro de 1917, uma das primeiras medidas adotadas foi u m decreto que anulou, se m qualquer
indenização, a propriedade latifundiária e a partir de fevereiro de l918 a terra foi declarada
propriedade do Estado, tal como as fábricas, os bancos, os imóveis, etc. (GILISSEN, John.
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“distendendo ou adelgaçando ao sabor de sua evolução”
4, mas parece que não há regime
político sem propriedade ao ponto de Karl Marx afirmar que não é possível pensar em
nenhuma sociedade, “donde no exista ninguna forma de propriedad: esto es tautologia”.5 E
mais, segundo Engels todas as revoluções é contra ou a favor de um tipo de propriedade e um
tipo de propriedade não pode ser protegido sem que lese o outro, sendo que na “grande
Revolução Fr ancesa, a pr opriedade feudal foi sacrificada para que se salvasse a propriedade
burguesa6. Até mesmo paises como a China e Cuba que resistem, em razão do sistema
econômico e político que adotam ao reconhecimento do direito de propriedade como um bem
privado do cidadão conforme sejam eles de produção e de consumo, têm gradativamente
cedido aos seus encantos admitindo em relação a certos bens a propriedade privada, inclusive
do solo, visando incentivar a produção devido a escassez, com maior ganho para trabalhador
individualmente e também para a coletividade como um todo, num viés capitalista, como
noticiou a grande imprensa num passado próximo.
Parece ter razão Raísa Jálfina em afirmar que as formas de propriedade
caracterizam todo o regime da sociedade, sua estrutura classista, seu regime político e o
processo de seu desenvolvimento social, por isso a propriedade é uma das instituições mais
importantes de cada sistema jurídico e como categoria econômica, a propriedade existe em
todas as etapas de produção social, mas como categoria jurídica, somente se configura e se
rege na sociedade organizada em Estado, pois este é que assegura a proteção de todas as
relações de propriedade existente na sua sociedade na direção coincidente com os interesses
da classe dominante.7
Introdução Histórica ao Direito
. Trad. A.M.Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979,
p. 647).
4 CHAMOUN, Ebert.
Instituições de Direito Romano
, 3. ed., Rio de Janeiro: Revis ta Forense, 1957,
p.233.
5 MARX, karl.
De los manuscritos econômicos de 1857 -1858
. T. 12, p. 714, apud JÁLFINA, Ra“sa.
El
Derecho de Propriedad Del Estado em la Urss
. Trad. Federico Pita. Moscou: Ed itorial Pregresso,
1981, p. 9.
6 ENGELS, Friedrich.
A Origem da Fam“lia, da Propriedade Privada e do Estado
. São Paulo: Global
Ed., 1984, p. 161.
7 JÁLFINA, Ra“sa.
El Derecho de Propriedad Del Estado em la Urss
. Trad. Federico Pita. Moscou:
Editorial Pregresso, 1981, p. 9.

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