Breves observações sobre os principios da imparcialidade e neutralidade do mediador: conceituação, importância e alcance prático desses princípios em um processo de mediação

AutorVitor Carvalho Lopes
CargoMestre em Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Páginas517-537

Mestre em Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Participante do Curso de Pós Graduação em Mediação Familiar da Universidade de Burgos - Espanha. Membro Efetivo da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB-RJ. Advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo.

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1. Apresentação do trabalho

O presente trabalho visa a expor de maneira breve algumas reflexões sobre dois princípios que sem sombra de dúvida constituem matéria de suma importância para um correto enquadramento da atividade do mediador e que, não raras às vezes são tratados de maneira indistinta pela doutrina, como se estivessem a tratar do mesmo fenômeno. Page 518

Assim é que os princípios da imparcialidade e neutralidade do mediador serão aqui tratados como verdadeiros vetores a guiarem a conduta do mediador dentro da dinâmica de um processo de mediação, ressaltando, nesse ínterim, a importância de sua efetiva observação para uma maior operosidade desse mecanismo complementar de solução de disputas 75, ainda de pouca utilização e conhecimento da comunidade jurídica nacional.

Nessa empreitada, será analisado em um primeiro momento o princípio da imparcialidade, as suas linhas gerais, os seus contornos básicos, enfim, o seu núcleo essencial, inclusive à luz da legislação estrangeira e do projeto de lei de mediação em curso no Congresso Nacional.

Em seguida, será demonstrada a importância de sua efetiva observação pelo mediador dentro de um processo de mediação em seus mais variados aspectos, bem como o alcance prático desse princípio em suas mais variadas projeções, inclusive, naquelas hipóteses que, dada a sua importância, o legislador houve por bem em elevá-las ao grau de normas jurídicas (ao menos em estado potencial, dado não existir até o presente momento uma lei em sentido formal sobre esse instituto). Page 519

Após isso, será examinado o princípio da neutralidade, mediante um confronto analítico ao conceito da imparcialidade, demonstrando, com isso, os diferentes espaços de conformação que tais postulados possuem dentro da dogmática jurídica.

Em seguida, será demonstrada a importância da observância desse princípio pelo mediador no exercício de sua função, o tratamento que lhe é conferido pelas legislações dos mais variados países que adotam a mediação, bem como pelo projeto de lei de mediação em curso no Congresso Nacional, passando finalmente para a análise das situações práticas decorrentes da incidência princípio, incluindo aí, as dificuldades inerentes de se levar ao extremo, a aplicação da idéia de neutralidade em um processo dessa natureza.

Por fim, encerra-se esse estudo com a elaboração de uma pequena síntese conclusiva sobre o presente tema, trazendo nesse bojo as nossas principais reflexões a seu respeito.

2. Princípio da Imparcialidade
2. 1 Conceituação e importância

Em breves palavras, entende-se que o princípio da imparcialidade vem a designar a proibição de qualquer conduta por parte do mediador que importe em qualquer favorecimento de tratamento a uma das partes. Veja-se, portanto, que a imparcialidade quer se referir à atitude do mediador em relação às partes e não ao conteúdo em si do tema afeto à mediação, questão essa que se abordará mais adiante quando se tratar da neutralidade do mediador.

Tal é a importância desse princípio para a compreensão do instituto em foco, que se atreve a se aqui afirmar que, na realidade, ele é um elemento intrínseco a seu conceito, dele fazendo inarredavelmente parte.

Com isso, o que se quer dizer é que, qualquer norma legal que vise a regulamentar a mediação em seus mais variados aspectos não poderá dela se afastar, sob pena de restar completamente desnaturado esse mecanismo complementar de solução de disputas. Page 520

Assim, não é possível se conceber a regularidade de um processo de mediação, na qual, não reste invariavelmente observado este princípio.

Isso significa dizer que onde não há imparcialidade do mediador, não existe um processo de mediação válido, sendo essa uma regra de ouro que se deve observar a todo custo dentro de um processo de mediação.

Prova disso, aliás, é que todas as conceituações legais em torno da mediação vêm a ratificar o que se está aqui expondo, bastando, notar, a título de mera exemplificação, que as leis de mediação familiar de Castilla y León e Valenciana, bem como o preâmbulo do documento elaborado pela American Arbitration Association, American Bar Association e Association For Conflict Resolution denominado "Model Standards of Conduct for Mediators" levam em conta a sua presença 76 77, de maneira que não é possível se conceber a existência desse mecanismo de solução de disputas, sem a observância desse princípio.

No âmbito doutrinário, a situação não é diferente. Assim é que ROBERTO A. BIANCHI 78 define a mediação como um procedimento informal, voluntário e sob condição de confidencialidade, conduzido por um terceiro imparcial e aceito pelas partes em disputa, que facilita o diálogo entre as mesmas, possibilitando que elas cheguem a um acordo elaborado por elas próprias (tradução nossa). Page 521

Nessa mesma direção, JOSÉ MARIA ROSSANI GARCEZ 79 ensina que a mediação, enquanto fórmula de solução de conflitos, surge quando "um terceiro imparcial auxilia as partes a chegarem, elas próprias, a um acordo entre si, através de um processo estruturado."

De todo modo, o que é importante se ter em mente nesse momento é que o projeto de lei de mediação hoje em curso no Congresso Nacional parece referendar a linha de entendimento aqui exposta, ao estabelecer em seu artigo 2º que "para os fins desta Lei, mediação é a atividade técnica exercida por terceiro imparcial que, escolhido ou aceito, pelas partes interessadas, as escuta, orienta e estimula, sem apresentar soluções (...)".

2. 2 Alcance prático

Uma vez expostas as linhas gerais do princípio da imparcialidade, cabe destacar algumas questões que emanam desse postulado, já que é evidente a sua incidência na configuração dos lineamentos básicos da mediação.

O primeiro ponto que se aborda, por força da observância desse princípio, é aquele referente ao fato do mediador ter que evitar a tomar uma atitude que possa ser encarada por uma das partes, ainda que aparentemente, como uma tomada de posição em prol da outra.

Isso poderia restar evidenciado com a aceitação por parte do mediador de presentes ou dádivas de uma das partes ou ainda com a exposição de seus preconceitos a determinadas características pessoais de uma das partes. Tais acontecimentos fatalmente acarretariam a perda de confiança das partes no mediador, o que resultaria na frustração do processo de mediação.

Outra questão que se encontra relacionada a esse princípio é aquela referente às hipóteses de suspeição e ao impedimento do mediador. O projeto de lei de mediação em curso no Brasil estabelece em seu artigo 21 que, aos mediadores e co-mediadores, aplicamse Page 522 os impedimentos previstos nos artigos 134 e 135 do CPC 80, estes, claro que, com as devidas e necessárias adaptações.

Assim é, por exemplo, que o mediador quando for cônjuge, parente, consangüíneo ou afim de algumas das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau, se encontrará impedido de exercer sua função naquele caso (hipótese do inciso V do artigo 134 do CPC).

Interessante e intrincada questão que daí resulta, todavia, é quando as partes são devidamente cientificadas a respeito de uma dessas hipóteses e, ainda assim, por força do princípio da voluntariedade das partes, preferem manter o mediador sob impedimento ou suspeição na direção do processo.

Nessa seara, é oportuno destacar que a American Arbitration Association, American Bar Association e Association For Conflict Resolution, por meio de seu "Model Standards of Conduct Mediators", na letra (c) de seu item "C", permite que as partes, após a revelação do mediador acerca de um possível conflito de interesses que possa colocar em xeque a sua Page 523 atuação em determinada causa, possam concordar em mantê-lo, se assim o desejarem, hipótese em que ele (o mediador) poderá prosseguir no exercício de sua função 81.

Contudo, assim não nos parece possível. Isso porque, quer seja nas hipóteses de impedimento, quer seja nas hipóteses de suspeição, acredita-se que tais institutos por se referirem a hipóteses, que carreiam em seu substrato valores de ordem pública, não podem vir a ser afastados pela mera vontade das partes, eis que, como se sabe, a observância da ordem pública é um limite à autonomia da vontade das partes.

Além disso, dificilmente um processo de mediação poderia se desenvolver regularmente e de maneira operosa, à luz de uma das hipóteses descritas nos artigos 134 e 135 do CPC, sem comprometer, por outro lado, a necessária observância de algum dos princípios da mediação.

Por outro lado, esse entendimento se adequa mais perfeitamente a idéia de um processo justo, idéia esta plenamente compatível com esse mecanismo complementar de solução de disputas 82.

Por outro lado, e ainda como decorrência do princípio da imparcialidade do mediador, vale a pena também destacar que o mediador, no exercício de sua função deve atuar de maneira independente - conforme, aliás, ressalta expressamente o artigo 14 do já Page 524 citado projeto de lei de mediação 83 - eis que não se concebe imparcialidade em quem não pode ser independente 84 85.

Outra questão comumente ligada ao princípio da imparcialidade consiste em saber se ofende ou não o seu comando normativo uma intervenção mais ativa do mediador, a fim de eliminar possíveis desequilíbrios que afetem a capacidade negociadora das partes.

Sem desconhecer os problemas que podem advir dessa posição, principalmente se utilizada de forma abusiva e não operosa...

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