Imperialismo, Estado e Relacoes Internacionais.

AutorSpellmann, Samuel
CargoRESENHA

Imperialismo, Estado e Relações Internacionais

OSÓRIO, Luiz Felipe. Imperialismo, Estado e Relações Internacionais. São Paulo: Editora Ideias & Letras, 2018, 288p.

Em tempos de ampliação da barbárie, não é difícil que ressurjam questionamentos acerca de categorias há muito estabelecidas na teoria marxista. Nada mais justo: o reexame contínuo é a tarefa científica. Além disso, pode parecer peça de humor autodepreciativo, mas, no limiar da segunda década do século XXI, o campo teórico marxista vem à baila com um objetivo: discutir a estruturação teórica de suas categorias fundamentais. Novamente. Embora a teoria marxista se distancie do paradigma da replicabilidade, a este papel é, em certa medida, cumprido pela atualização fenomênica.

Quem de longe observa o debate teórico marxista costumeiramente acusa-o de falta de originalidade. As categorias fundamentais e a estruturação teórica, se não analisadas com certa aproximação, não mudaram tanto assim. Parece que estamos ruminando há quase dois séculos dizeres muito simples, facilmente confundidos com pessimismo barato, talvez esnobe.

Ao mesmo tempo, dado o cenário contemporâneo, o estudo da novidade, o desenvolvimento teórico-categórico--ou mesmo a apreensão da construção de conceitos--parece convidar uma ou duas doses de pessimismo. As repetidas ofensivas burguesas desanimam. Não é absurdo mencionar que, até mesmo para os melhores teóricos, a própria utilidade de certas categorias passa a ser objeto de questionamento (1).

E o questionamento é válido. Como podem certas categorias sobreviverem ao julgamento de tantos teóricos, através do tempo? Qual o motivo da longevidade teórica do Imperialismo? Será que se deve a inafastabilidade da presença de Lenin? As respostas tem sido que, dentro do campo marxista, categorias são apreendidas no decorrer do contato com o real. Este permanece se complexificando durante todo o processo, de modo que categorias nunca estão plenamente acabadas. As categorias, portanto, tomam forma enquanto se abstrai as principais determinações de um processo sócio-histórico. Este tem sido o caso do Imperialismo, essa categoria tantas vezes negada e esquecida, e perpetuamente redescoberta (2).

Paralelamente, enquanto a complexificação da barbárie alcança novas dimensões na atualidade, presenciamos, dentro do campo de estudos das Relações

Internacionais, possivelmente quatro grandes desenvolvimentos conceituais, os quais podemos ligar ao Imperialismo em nosso tempo.

Em primeiro lugar, é inegável que se deve acrescentar prefixo neo a expressão atual do fascismo (3). Com traços característicos próprios, este já se distingue de sua versão original, novecentista, cuja fotocópia tantos se utilizam para ignorar a metamorfose contemporânea do horror. Vê-se a inimaginável dimensão da vigilância da vida privada, o reinventado controle coercitivo daquilo que se considera público. Vê-se a reedição do ataque ao migrante, a xenofobia, a permanência e ampliação de minorias raciais, religiosas, de gênero. Vê-se o desvalor da vida daqueles mais frágeis de nossa sociedade, amontoados, aguardando o próprio perecimento. E isto de forma revigorada e distinta da edição clássica do fascismo. Por fim, é necessário dizer que isto hoje ocorre sob o rugir dos tambores ritualísticos a anunciar mantras fiscais, repetidos incessantemente, num jejum quaresmal de quarenta anos.

Em segundo lugar, vê-se, na reativação do keynesianismo de emergência o abandono provisório e hipócrita do modelo neoliberal de gestão econômica no centro capitalista, e, ao que tudo indica, também aqui, na semiperiferia global (4). Entretanto, a política econômica da austeridade como mecanismo pretensamente eficaz de controle do déficit público de países centrais perde a máscara não por vitórias eleitorais das esquerdas em países de capitalismo central, mas sim pela necessidade do Estado burguês de responder à crise capitalista atual (MCGEE, GREINER, 2020).

Em terceiro lugar, a ascensão de governos neofascistas promoveu reveses sérios aos já esbeltos acordos ambientais multilaterais recentes. Num cenário ampliado, a destruição do marco regulatório nacional, conexa ao desmantelamento destes acordos multilaterais são aparentemente exclusividades de nossos governos menos prediletos. Este tipo de raciónale acaba por isentar não só toda a destruição praticada por administrações governamentais anteriores, como também ignora o papel, sempre presente, de que a destruição ambiental segue sendo externalidade provocada pela dinâmica da produção adotada em escala mundial. Esta dinâmica, ao se...

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