Indícios como prova em crimes de tráfico de drogas

AutorAphonso Vinicius Garbin
CargoAcadêmico do 10º período do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)
Páginas30-36

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1. Introdução

No cotidiano forense, verifica-se que o crime de tráfico de drogas vem se aprimorando no que se refere ao afastamento de provas de sua existência.

Não raras vezes, nestes crimes, veem-se cadernos indiciários precariamente instruídos, com pouca ou quase nenhuma prova acerca da ocorrência do crime.

Assim, os magistrados e os tribunais superiores vêm aceitando tal precariedade à instrução de ação penal nesses crimes, firmando seus posicionamentos, não raras vezes, em indícios levantados durante a instrução processual.

Desta forma, o presente estudo avalia os indícios como prova nos crimes de tráfico de drogas, englobando sua produção, valoração e aplicação ao caso concreto.

2. O que são os indícios

No processo penal, o que se busca e a reconstrução da verdade histórica, aquela que jaz no passado e que jamais será alcançada em sua integralidade. Assim, num exercício de reconstrução, no âmbito processual penal, através das provas se reconstrói o fato, visando aplicar o direito ao caso concreto1.

É inegável que as provas exercem um papel crucial na aplicação do direito, na medida em que se aferirá a veracidade dos fatos postos em juízo, fazendo-se o uso dos procedimentos probatórios proporcionados ao julgador.

A instrução do processo (preliminar e processual) e as provas nele colhidas são essências para a escolha das hipóteses históricas levantadas. As provas são os materiais que fornecem a reconstrução histórica dos fatos, recaindo sobre elas a tarefa de aferição das conjecturas, visando formar o convencimento do julgador2.

Por esta razão, o legislador, ao elaborar o título das provas no Código de Processo Penal, tomou o cuidado de fazer nele constar diversos que, quando harmônicos entre si, são hábeis a sustentarem um édito condenatório. Muitos deles são palpáveis, viveis, ou seja, "diretos", a exemplo dos documentos e testemunhas; outros, porém, são "indiretos", subjetivos, que exigem do julgador um exercício mental acerca da ligação crime e veracidade daquilo que se exercita. Dentre eles, destacam-se os indícios, previsto no CPP, em seu art. 239, que os considera como a circunstância conhecida e provada que, possuindo alguma relação com o fato, autoriza, por indução, concluir-se pela existência de outra ou outras circunstâncias.

Ou seja, são fatos que permitem uma conclusão diretamente sobre um fato principal. Assim, por exemplo, o fato de o suspeito de homicídio ter proferido, antes do óbito de X, ameaças de morte diretamente contra ele, ou depois do fato ter removido de suas calças marcas de sangue, ou que o suspeito de fraude contra o seguro tenha adquirido gasolina e elevado o valor do seguro3.

Desta forma, os indícios servem como prova quando oferecem elementos concretos acerca de um

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fato criminoso, sendo algo que leve o julgador e entender pela ocorrência do delito, ou pelo envolvimento do agente com o crime subjudice4.

O indício, como prova, deve apresentar segurança acerca da sua correlação com aquilo que se investiga.

Tal meio de prova possui seu conceito firmado no dispositivo legal supracitado, pois em relação com os fatos objeto da investigação, permite ao magistrado concluir pela existência de outros elementos a servirem como prova no feito, configurando-se, desta forma, como prova indireta - não deixando de ser igualmente valorada, somente sendo desconsiderada quanto não possui supedâneo em outras provas ou elementos no processo, não tendo poder suficiente para sustentar uma condenação de forma isolada, vez que não oferece segurança5.

Indícios são "outros fatos", aquém do crime, que, em razão da sua estreita ligação e a lógica de seu envolvimento, levam o julgador a entender pela existência do delito.

São um instrumento para os personagens processuais exercerem o caráter investigativo do processo penal, pois a partir destes pode se concluir pela existência de outras provas hábeis a corroborar as alegações postas na demanda.

Aliás, nos crimes de mera conduta como o tráfico de drogas, os indícios possuem um papel crucial quando da elaboração do contexto probatório, ao passo que, não raras vezes, tais delitos não deixam rastros da sua existência, sendo então indispensáveis as demais informações ligadas ao ilícito, que possuam forte ligação e grande verossi-milhança com os fatos compreendidos como crime.

Também insta consignar que não se deve confundir o indício com a presunção - confusão corriqueira no meio jurídico -, na medida em que o primeiro nos remete à prova, elencado no CPP, e, por sua vez, a mera presunção é algo não verossimilhante, mera desconfiança, não dotado de credibilidade a firmar prova em sentença.

3. O indício é uma prova subsidiária?

Muito se debate acerca desta dúvida, pois os indícios - como já dito, por vezes confundidos com meras presunções -, são taxados como meio de prova que não se caracteriza por si mesmo, demandando a existência de outros meios ou elementos para sua valoração e aplicação quando da análise do fato.

Conforme já exposto, o indício também é meio de prova, tendo sido encartado no capítulo pertinente a elas, razão pela qual seu valor é semelhante às provas chamas "diretas"6. Portanto, sendo admitido pelo legislador como meio de prova, o juiz pode, em razão do livre convencimento motivado, decretar um édito conde-natório consubstanciado na prova indiciária7.

Todavia, em que pese se tratar de meio probatório elencado no CPP, e não sendo vedado seu uso pelo julgador, os indícios, em si, não são hábeis a sustentar um ucasse condenatório solitariamente, sendo, então, dependente dos demais elementos colhidos no processo criminal.

É que, ante a ausência de elementos concretos, de provas diretas que afirmem a existência do delito, os indícios, que resultam de um apanhado de "outros fatos" que levam a concluir-se pela existência do crime, girariam em torno de si sem um fim concreto que deve ser valorado numa decisão penal.

Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci8 bem assinala:

"[O] indício é um fato secundário, conhecido e provado, que, tendo relação com o fato principal autorize, por raciocínio indutivo-dedutivo, a conclusão da existência de outro fato secundário ou outra circunstância. É prova indireta, embora não tenha por causa disso, menor valia. O único fa-tor - e principal - a ser observado é que o indício, solitário nos autos, não tem força suficiente para levar a condenação."

É entendimento, nos tribunais superiores, que os indícios, figurando como prova, isolados no processo, não são hábeis para sustentar uma sentença de condenação, todavia, quando tal prova encontra supedâneo em outros elementos colhidos no feito, servem ao magistrado como elemento probatório a fim de corroborar seu posicionamento.

Assim, para figurar no campo das provas numa decisão, os indícios devem apresentar a segurança jurídica que demanda o ato, deve ter forte correlação com o fato delituoso, e o nexo causal entre os "outros fatos" e o crime devem ser certos, pois não é bastante que os indícios sejam numerosos, é mister que eles apresentem certeza moral sobre o fato posto em juízo, devendo ser graves e precisos, bem como concorrerem a indicar o mesmo fato de forma uníssona9.

Leciona Maria Thereza Rocha de Assis Moura10:

"[V]ários indícios graves, precisos e concordantes, analisados em conjunto, podem levar à certeza processual do fato indicado, quando se unirem e se consolidarem sob forte nexo lógico. Para tanto, faz-se indispensável que a conclusão se apresente precisa e segura, vale dizer, que apareça como resultado lógico imediato, e não como o final de dispendiosa cadeia de argumentos, cuja complicação estará indicando, precisamente, o contrário. A necessidade moral ou física da conclusão, obtida mediante o exame do

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conjunto de todos os indícios, constitui, por assim dizer, o verdadeiro fundamento do valor probatório dos indícios."

Os indícios são sinônimo de prova indireta, tratando-se de meio para servir a uma prova fim, um acessório das provas diretas, que servem para fazer a ligação do fato delituoso entre elas por meio de um raciocínio lógico.

Desta forma, em que pese ser um meio de prova, incluso no título das provas no CPP, os indícios, per si, não são hábeis a dar base a condenação, por serem prova indireta, consequentemente subsidiária.

4. Da confecção das provas nos crimes de tráfico de drogas

Para movimentação do aparato judiciário nos crimes de drogas, mostra-se imperioso que se proceda à verificação da correta tipificação da conduta, além de elementos atinentes à natureza do entorpecente, sua quantidade, avaliando o local, condições e circunstâncias que culminaram na ação e prisão, além da conduta e antecedentes do criminoso11.

No dia a dia forense, em casos de crimes previstos no art. 33 da Lei 11.343/06, muitas vezes o que vemos de prova de autoria é aquela prestada...

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