O indulto, o deputado e a República dos Bananas

AutorEduardo Luiz Santos Cabette
CargoProfessor de direito penal
Páginas90-117
90 REVISTA BONIJURIS I ANO 34 I EDIÇÃO 677 I AGO/SET 2022
DOUTRINA JURÍDICA
Eduardo Luiz Santos CabettePROFESSOR DE DIREITO PENAL
O INDULTO, O DEPUTADO E A
REPÚBLICA DOS BANANAS
UM DECRETO DE GRAÇA NÃO PODE SER OBJETO DE LIMINAR OU
DE SUSPENSÃO; CONFIGURA ATO ADMINISTRATIVO-NORMATIVO E
TEM EFEITOS E CONSEQUÊNCIAS INCÓLUMES
efeitos extintivos de punibilidade, sem discri-
minação ou privilégios.
Vale transcrever a defi nição de lei apresen-
tada por Maciel (2001, p. 107): “Norma escrita,
geral, abstrata, permanente, garantida pelo
Poder Público, aplicável por órgãos do Estado
enquanto não revogada” (grifo nosso).
Essas lições sobre a generalidade da lei são
muito antigas e tradicionais. Papiniano afi rma
que “a lei é uma norma ‘geral’ ou comum” (Lex
est commune praeceptum). Já Ulpiano chama a
atenção para o fato de que a lei “é uma regra es-
tabelecida não em vista de um caso individual,
mas de todos os casos da mesma espécie” (Jura
non in singulas personas, sed generaliter cons-
tituuntur). (M , 1987, p. 59).
Graça ou indulto individual advém de espé-
cie normativa diversa, qual seja, o decreto, que
emana do Poder Executivo federal, sendo o
agente público com atribuição privativa o pre-
sidente da república. A graça é de natureza in-
dividual, concedida a determinada pessoa que
será por ela benefi ciada.
O indulto ou indulto coletivo também tem
origem em decreto do Poder Executivo federal
de atribuição exclusiva do presidente da re-
Opresente trabalho tem por fi nalidade
esclarecer o caso da concessão de graça
ou indulto individual ao deputado fe-
deral Daniel Silveira pelo presidente da
república, Jair Messias Bolsonaro, abor-
dando os pontos cruciais da questão.
Um primeiro aspecto diz respeito à distinção
entre anistia, graça ou indulto individual e in-
dulto ou indulto coletivo. Há pontos em comum
entre esses institutos. Todos são causas extin-
tivas de punibilidade, conforme dispõe o art.
107, , do Código Penal (), também conheci-
dos pelas expressões latinas favor principis ou
clementia principis. São espécies de “perdões”
concedidos a um condenado. Não obstante,
também há distinções entre os institutos em
destaque.
A anistia tem por instrumento a lei, emanan-
do, portanto, do Poder Legislativo federal (Con-
gresso Nacional). Em se tratando de lei, por ob-
viedade, deve ser geral, já que toda lei tem essa
característica, não podendo existir uma lei es-
pecífi ca que prejudique ou benefi cie um único
indivíduo. Em suma, todas as pessoas que se
adequarem aos preceitos abstratos da lei que
concede a anistia serão benefi ciadas por seus
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REVISTA BONIJURIS I ANO 34 I EDIÇÃO 677 I AGO/SET 2022
Eduardo Luiz Santos CabetteDOUTRINA JURÍDICA
pública. Não obstante, o indulto tem natureza
geral. No decreto de indulto coletivo são esta-
belecidas regras para a obtenção do bene cio e
qualquer pessoa que as satisfaça será favoreci-
da N , 1990, p. 335-338).
Feitas essas conceituações e distinções bá-
sicas, é preciso proceder à ligação com o caso
do deputado Daniel Silveira. O deputado fe-
deral enfocado foi investigado, processado e
condenado pelo Supremo Tribunal Federal por
suposto crime político de tentativa de impedir
o funcionamento de um dos poderes (no caso
específi co, do Poder Judiciário e, mais especifi -
camente ainda, do próprio ), bem como por
crime comum de coação no curso do processo.
Desde o início, todo o procedimento adota-
do foi duramente criticado, tendo em vista vá-
rios problemas, entre os quais, apenas a título
exemplifi cativo, a violação do direito de livre
expressão do parlamentar. A palavra “parla-
mentar” vem de parlare (falar) e o art. 53 da
/88 estabelece que os parlamentares são
imunes criminal e civilmente por “quaisquer”
de suas opiniões, palavras e votos. Note-se que
a imunidade se refere a “quaisquer” manifesta-
ções (não há campo para valorações heterôno-
mas quanto ao conteúdo da manifestação em
termos criminais e civis). Isso porque a liber-
dade de expressão dos parlamentares, tendo
em vista suas funções, em termos criminais e
civis é maior do que a de qualquer outro cida-
dão. Quando se menciona que quaisquer di-
reitos não são absolutos, de modo que alguém
pode ser responsabilizado até criminalmente
ou mesmo civilmente por suas expressões, isso
não é sufi ciente para atingir um parlamentar
na mesma medida que atingiria um cidadão
comum. O parlamentar, em caso de abuso de
direito (que até pode acontecer), fi ca submetido
somente ao controle político-administrativo da
respectiva casa legislativa, podendo apenas ser
responsabilizado por quebra de decoro (N
J, 2017, p. 1.366). A tentativa do Judiciário
de calar um parlamentar com um processo cri-
minal é claramente uma violação da tripartição
de poderes, do art. 53 da /88 e, em última aná-
lise, uma medida totalitária, abusiva e arbitrá-
ria que põe em risco o estado democrático.
Nesse diapasão, segue a posição de Ives Gan-
dra (2022):
Pergunta-se: deputado com um comportamento
que fere o decoro parlamentar pode ser condena-
do pela Justiça com pena de restrição de liberdade?
Minha resposta é não se for apenas por palavras,
visto que o artigo 53 da Constituição declara que
ele é inviolável por “quaisquer palavras” sem ne-
nhuma exceção e a Lei de Segurança Nacional, que
está abaixo da lei maior, não pode prevalecer con-
A tentativa do Judiciário de calar um parlamentar com um processo
criminal é claramente uma violação da tripartição de poderes e uma medida
totalitária, abusiva e arbitrária que põe em risco o estado democrático
VERSOS CADENTES
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256 páginas
Compre pelo QR Code
de Arioswaldo Trancoso Cruz
Os Versos Cadentes encantam o espírito do leitor, traduzem-se na ternura e na
sabedoria necessárias tanto na alegria quanto na dor, pois Arioswaldo concebe
competência se abraçada à humildade. A apresentação dos poemas expressa,
assim como na trajetória de uma estrela itinerante, toda a movimentação dos
pensamentos do autor ao longo de mais de sessenta anos.
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pode ser responsabilizado até criminalmente
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direito (que até pode acontecer), fi ca submetido
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