Indústria do tabaco e responsabilidade civil – primeiras impressões do julgamento do recurso especial 1.113.804
Autor | Denis Donoso |
Cargo | Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP - Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil na Faculdade de Direito de Itu (FADITU) |
Páginas | 26-28 |
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Muitos ainda têm o estúpido hábito de fumar. Não me arrependo de utilizar expressão tão ríspida, porque até mesmo aqueles que fumam sabem dos malefícios do seu hábito e a grande maioria desejaria ter forças suficientes para deixar o vício de lado.
De todo modo, o consumo de cigarros de tabaco é uma questão de saúde pública. Quanto mais fumantes, mais se gasta com o tratamento de doenças inevitavelmente daí resultantes.
Paralelamente, é viva na doutrina e jurisprudência a discussão sobre a responsabilidade civil das empresas que comercializam cigarros perante os consumidores que ficam doentes após anos de consumo. Seriam tais fornecedores civilmente responsáveis pelos danos experimentados por quem, anos a fio, consumiu seu produto, reconhecidamente lesivo à saúde?
Neste breve artigo viso justamente trazer alguma contribuição para a compreensão dos aspectos jurídicos envolvidos nesta questão, sem, evidentemente, pretender esgotar o tema.
Uma confissão inicial me parece conveniente: as linhas que passo a escrever se inspiraram em julgamento já considerado histórico por muitos – refiro-me ao Recurso Especial 1.113.804, da 4a. Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relatado pelo ministro Luís Felipe Salomão – e, assim, o faço ainda no calor dos debates, muito embora simpatize com a matéria desde algum tempo.
O caminho que pretendo trilhar passa inicialmente por considerações bastante simples e resumidas da responsabilidade civil, com maior detalhamento apenas do nexo causal, por sua importância diante do tema concretamente apreciado. Adiante, analisam-se genericamente as premissas criadas face à realidade da indústria do tabaco para, finalmente, cotejar tais informações com o caso concreto.
Insisto, sem querer cansar meu leitor pela repetição, que em momento algum eu quis esgotar o tema, que está longe de uma posição consolidada. O que quero é tão só adicionar minhas impressões pessoais, dando uma noção segura do atual estágio de sua compreensão. Se obtiver tal resultado, dou-me por satisfeito.
A responsabilidade civil tem suas linhas mais genéricas desenhadas pelos arts. 186, 187, 927 e 944, todos do Código Civil (CC).
Assim sendo, se alguém, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (art. 186); o mesmo se diga daquele titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Consequência inafastável da prática do ato ilícito, desde que gerador de dano, é a obrigação legal de reparação dos prejuízos experimentados pela vítima (art. 927)1 , certo que a respectiva indenização há de ser proporcional à extensão do dano causado pelo ato ilícito (art. 944)2 .
O ato ilícito – primeiro elemento da responsabilidade civil, previsto nos arts. 186 e 187 do CC – é aquele resultante de conduta humana contrária ao ordenamento jurídico, que causa dano a outrem. É contrárioPage 27ao ato lícito, que se submete à ordem legal e, assim sendo, não ofende direito alheio.
Pode decorrer o ilícito tanto de ato comissivo quanto de ato omissivo, este último verificado sempre que o agente deixa de atuar quando deveria fazê-lo. Daí falar-se na ação ou omissão do agente.
Em segundo lugar, o ilícito deve ter sido praticado com culpa lato sensu, ou seja, tanto dolosamente quanto com culpa stricto sensu, indiferentemente, numa primeira análise, nada obstante o grau da culpa possa ser relevante na fixação da indenização (art. 944, parágrafo único).
O ato ilícito culposo pode ser fruto de negligência, que se verifica sempre que o agente deixa de tomar os cuidados necessários a evitar um dano; ou de imprudência, que acontece quando se abandonam as cautelas normais que deveriam ser observadas3 . A imperícia – assim sempre compreendi –, embora não prevista no atual Código, permanece como hipótese geradora de responsabilidade civil, ainda que absorvida por alguma das formas expostas.
O elemento subjetivo da responsabilidade civil – culpa stricto sensu ou dolo – pode ser dispensado em determinadas situações, como prevê o art. 927, parágrafo único, do CC. Estes casos são os de responsabilidade civil objetiva, justamente porque prescindem do elemento subjetivo.
O terceiro elemento – o dano ou prejuízo – é “a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não –, causado por ação ou omissão do sujeito infrator”45 .
À margem das interessantíssimas questões ligadas ao dano, é sensível que o legislador tenha, em consonância com o art. 5º, X, da Constituição, previsto a possibilidade de dano exclusivamente moral, assim considerado aquele que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio, mas sim um bem que integre os direitos da personalidade, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação6 .
Em quarto e último lugar, é elemento da responsabilidade civil o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado pela vítima. Diante da sua relevância e complexidade, opto por analisar este aspecto, separada e detalhadamente, no item seguinte.
O nexo de causalidade é o mais complexo elemento da responsabilidade civil. É aqui, decerto, que a maior parte das controvérsias sobre o tema se desenvolve.
Pode-se dizer, sinteticamente, que o nexo causal é a relação necessária entre a ação ou omissão e o prejuízo experimentado. Se PGSC, sob o efeito de álcool, trafega em alta velocidade em via pública com seu veículo, avança o semáforo vermelho e atropela o pedestre RAE, causandolhe fraturas múltiplas, que o impossibilitam de desempenhar seu trabalho por vários meses, é lógico que a ação daquele (PGSC) foi causadora do prejuízo deste (RAE). Eis o nexo de causalidade.
O exemplo acima fornecido foi propositadamente simples, para que meu paciente leitor pudesse enxergar a noção básica do nexo de causalidade. Mas a riqueza prática traz situações de difícil solução. Imagine-se, na mesma ilustração de que me ocupei agora, que RAE tenha sido conduzido ao hospital por uma ambulância, que fatalmente capota no trajeto, o que ocasiona o falecimento da vítima. Considerando que RAE não estaria na ambulância se não tivesse sofrido o...
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